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O futuro do trabalho começou

Por Ana Paula Teixeira

O futuro do trabalho começou
Foto: Divulgação

A sociedade brasileira está diante de uma discussão fundamental sobre o futuro do trabalho, que propõe uma mudança significativa na escala vigente para milhões de trabalhadores, especialmente no comércio e em setores de serviços como hotéis, bares e restaurantes. Em debate está a transição do modelo de jornada 6x1 – em que o trabalhador atua seis dias seguidos e uma folga semanal – para uma estrutura de trabalho mais flexível. A proposta original visa reduzir a carga horária semanal de 44 para 36 horas, mantendo o limite máximo diário de oito horas, permitindo que o Brasil adote o modelo de quatro dias de trabalho.

 

Essa discussão se torna ainda mais relevante quando consideramos que o impacto do trabalho não se limita ao tempo gasto no ambiente laboral, mas se estende ao deslocamento e às atividades domésticas, o que afeta desproporcionalmente as mulheres. Em grandes capitais, onde o trânsito é um dos maiores desafios urbanos, muitos trabalhadores enfrentam jornadas prolongadas, que incluem longos períodos no trânsito, consumindo horas preciosas que poderiam ser dedicadas à vida pessoal e familiar. Além disso, as mulheres, que já acumulam a maior parte das tarefas domésticas e de cuidado, enfrentam uma sobrecarga dupla, sofrendo mais com a estrutura de trabalho atual e tendo menos tempo para descansar, investir em sua carreira ou se dedicar a atividades de lazer.

 

Outro ponto necessário nesse debate é a saúde mental no ambiente de trabalho. Nos últimos anos, demandas relacionadas à saúde psicológica têm ganhado força, apontando a necessária revisão dos fatores psicossociais – como aquelas relativas à carreira, à carga e ao ritmo de trabalho e ao ambiente social e técnico do trabalho – como potenciais desencadeadores de estresse e exaustão. A rotina intensa e o baixo tempo de descanso levam a um desgaste mental significativo, que impacta não apenas a produtividade, mas também a qualidade de vida dos trabalhadores e a sociedade. 

 

A redução da carga horária, que tem sido objeto de pesquisa no país através da 4 Day Week Global e Boston College, em parceria com a Reconnect Happiness at Work e a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV), tem revelado os impactos positivos. Após seis meses de teste, mantendo a remuneração, mas com 20% a menos do tempo de trabalho, mais de 50% dos trabalhadores registraram aumento na performance e no cumprimento dos prazos. O maior efeito está na criatividade e inovação, ponto indicado por 80,7% dos trabalhadores.

 

Esse resultado surpreendente pode ser explicado pela Lei de Parkinson, do historiador e escritor britânico Cyril Northcote Parkinson em 1955 que afirma: "o trabalho se expande para preencher o tempo disponível para sua realização." Ou seja, quando temos muito tempo para concluir uma tarefa, tendemos a procrastinar ou dedicar mais tempo do que o necessário, o que muitas vezes resulta em ineficiência. 

 

Vale ressaltar que a proposta de uma jornada reduzida já é realidade em muitos países europeus. Aqui no Brasil, o assunto tem gerado reações mistas, com preocupação por parte do mercado e de empresários sobre os impactos econômicos e operacionais. Esse temor, no entanto, é antigo. No passado, quando o 13º salário foi instituído, muitos previram dificuldades para as empresas e danos à economia; os prognósticos eram os piores. Com o tempo, o benefício se consolidou, provando ser essencial para a estabilidade financeira dos trabalhadores e um motor importante da economia, especialmente no final do ano.

 

Para entender as adaptações a mudanças desse porte, podemos nos inspirar nas cinco fases do luto de Elisabeth Kübler-Ross – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Esse modelo ajuda a compreender as reações iniciais de resistência (negação e raiva), os momentos de negociação e a busca de alternativas (barganha), as dificuldades no ajuste (depressão) e, por fim, a aceitação, quando se entende e propõe as modificações possíveis na atualidade, o seu valor a longo prazo para toda a sociedade e o compromisso pela continuidade das discussões. 

 

A transição para uma jornada de quatro ou cinco dias com possibilidade de cargas horárias de 36 ou 40 horas semanais, precisa ser baseada em uma discussão tripartite entre governo, empregadores e trabalhadores. É essencial que, seja qual for a mudança, que seja implementada de maneira gradual e responsável, com o objetivo de mitigar os impactos, principalmente para micro e pequenos empresários.

 

Uma variável que precisa ser pensada é que, a depender da jornada a ser aprovada futuramente, o impacto sobre micro e pequenos empresários, a maior parte no país - pode ocorrer aumento de custos, aumento de preços de venda, da informalidade e da ampliação da ‘pejotização’, fechamento do negócio, exigindo uma gestão administrativa mais competente e intervenções governamentais ainda não discutidas para apoio a esse segmento empresarial, visando suportar essa mudança.

 

Para os trabalhadores, a proposta representa uma transformação positiva na qualidade de vida e bem-estar, desde que esses não se sobrecarreguem ao adicionar outros vínculos (bicos) com o tempo eventualmente conquistado com essa proposta . Ao repensar o modelo de trabalho, ela oferece a oportunidade de discutir o papel do trabalho nas grandes cidades, onde o tempo de deslocamento também precisa ser considerado como um fator de desgaste. Repensar a jornada de trabalho e seu impacto na vida do trabalhador é, portanto, uma discussão de justiça social e de saúde coletiva.

 

Ao abrirmos para o diálogo, podemos construir um ambiente laboral que respeite as demandas contemporâneas e traga benefícios para todos os envolvidos. Por isso, acredito que encontrar um meio termo entre 6 X 1 e 4 X 3 seja, nesse momento, o ideal. Afinal, o futuro do trabalho diz respeito a toda a sociedade, que só tem a ganhar com um país mais produtivo, saudável e justo.

 

*Ana Paula Teixeira é médica do trabalho, especialista em Saúde e Bem-estar

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias