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Estamos vivendo uma epidemia de autismo no Brasil e no mundo?

Por Daniel Silva de Azevedo

Estamos vivendo uma epidemia de autismo no Brasil e no mundo?
Foto: @adrianodoria

Nos últimos 20 anos, o número de diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista (TEA) cresceu de forma impressionante. Nos Estados Unidos, dados oficiais mostram que em 2000 uma em cada 150 crianças recebia esse diagnóstico; em 2023, a estimativa passou para uma em cada 36. No Brasil, o Censo 2022 revelou que 2,4 milhões de pessoas relataram diagnóstico de autismo, o que corresponde a 1,2% da população nacional. O aumento assusta e gera a pergunta: estaríamos diante de uma verdadeira epidemia?

 

Especialistas apontam que a resposta não é tão simples. Parte do crescimento decorre de mudanças nos critérios diagnósticos: desde os anos 1980, os manuais de psiquiatria tornaram o espectro autista mais amplo, incluindo perfis antes considerados apenas como variações do comportamento humano. Para o psiquiatra Allen Frances, que coordenou a elaboração do DSM-IV, esse processo abriu espaço para confusões: crianças tímidas ou excêntricas passaram a ser vistas como autistas, ampliando estatísticas sem que houvesse uma explosão biológica real.

 

Outro fator é a maior conscientização social. Pais e escolas estão mais atentos, médicos mais preparados, e instrumentos de avaliação como o ADOS-2 e o ADI-R permitem identificar sinais de forma precoce. Isso trouxe benefícios, garantindo acesso a direitos e terapias para quem antes ficava invisível. Por outro lado, também favoreceu superdiagnósticos, especialmente em casos limítrofes ou com comorbidades, como transtornos de linguagem, TDAH e ansiedade.

 

O pediatra e sanitarista Daniel Becker chama atenção para outro fenômeno: a formação de uma “indústria do autismo”. Segundo ele, clínicas, cursos rápidos e terapias sem comprovação científica se multiplicam, explorando a angústia de famílias que buscam respostas imediatas. Soma-se a isso a judicialização, com escolas e planos de saúde sobrecarregados por demandas crescentes. “No fim, quem paga essa conta são as crianças”, alerta Becker.

 

Pesquisas internacionais mostram ainda que as curvas de prevalência apresentam dinâmicas próprias. Três conceitos ajudam a entender:
Steepening (inclinação): diagnósticos feitos cada vez mais cedo, em crianças muito pequenas.


No Plateau (sem platô): ausência de estabilização; até adultos continuam sendo diagnosticados.


Resurgence (ressurgimento): saltos súbitos nas taxas após mudanças em políticas públicas ou diretrizes clínicas.

 

Esses movimentos revelam que a chamada epidemia reflete muito mais transformações nos sistemas de saúde, na sociedade e na forma de definir o autismo, do que um aumento real da condição. Isso não significa negar o autismo. Trata-se de encontrar equilíbrio: evitar tanto o subdiagnóstico, que priva pessoas de apoio essencial, quanto o superdiagnóstico, que rotula indevidamente e desvia recursos de quem mais precisa. O desafio é diagnosticar melhor, e não apenas mais.

 

*Daniel Silva de Azevedo é médico neurologista especialista em neurodesenvolvimento e doutor em neurologia pela Universidade de São Paulo (USP) - CRM-SP 161294 / NEUROLOGIA - RQE Nº: 43273

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias