Desfile de Ivete Sangalo na Grande Rio inspirou jovem a criar a Diamante Negro, escola de samba mais nova de Salvador
Por Bianca Andrade
O ano era 2017, quando a Acadêmicos do Grande Rio levou para a Marquês de Sapucaí o enredo 'Ivete, do Rio ao Rio', homenageando a trajetória de Ivete Sangalo. O desfile pode não ter dado à agremiação o título de campeã daquele Carnaval. A escola ficou somente no 5º lugar. Mas, a 1.631 km do Rio de Janeiro, no bairro do Novo Marotinho, em Salvador, a apresentação da Grande Rio inspirou um jovem a resgatar uma tradição quase adormecida no Carnaval de Salvador: a das escolas de samba.
Foto: Facebook
A vontade de Matheus Couto, o jovem fundador, era do tamanho da Sapucaí. No entanto, tinha um grande empecilho para fundar a G.R.E.S. Diamante Negro: o Carnaval de Salvador do século XXI como plano de fundo, que se apresenta em um formato completamente diferente do que foi nos anos 70, quando as escolas eram protagonistas da festa.
“A Grande Rio foi a escola que me fez fundar a Diamante Negro aqui em Salvador, tanto que as cores são iguais. Do Carnaval eu sempre gostei, mas dessa área de escola de samba eu só vim admirar mesmo em 2017, quando a minha escola, que hoje é minha escola do coração, a Grande Rio, homenageou Ivete Sangalo. Lembro que eu estava em Jauá, com 12 anos, e naquele ano eu decidi assistir a um desfile de escola de samba pela primeira vez. Assisti completo, por conta de Ivete Sangalo, e lembro o quanto fiquei extasiado com aquele desfile. Ali começou, de imediato, o interesse de entender o que era aquilo. Para mim, tudo aquilo não era real, era uma fantasia”, conta Matheus.
De 2017 para cá, Matheus brinca que a vida passou a ser escola de samba. “Depois daquele momento, minha vida passou a ser escola de samba 24 horas por dia (ou 24/7). Eu assistia documentários, lia livros, ouvia samba-enredo. Mas daí, surgiu uma angústia: eu passei a gostar tanto desse universo e não tinha a possibilidade de viver isso em Salvador, porque a realidade do nosso Carnaval é completamente diferente. Eu cheguei a pesquisar e vi que isso já tinha sido uma realidade, mas nos anos 70.”
Foto: Arquivo Pessoal
Para tirar o sonho do papel, o jovem começou de baixo e criou a própria escola de samba... em uma maquete. Este é o início da caminhada Diamante Negro, a terceira escola de samba do especial 'Samba que existe e resiste', do Bahia Notícias.
“Eu descobri uma Liga de Escola de Samba em miniatura, maquete, que existe até hoje e é muito interessante: a União das Escolas de Samba em Maquete. Aquela foi a única forma que eu encontrei de matar o meu desejo de ter uma escola de samba, então, fiz tudo em miniatura, fui ao armarinho comprar tudo para fazer a maquete, ver os bonequinhos, fazer tudo direitinho. Transformei meu quarto em um barracão para viver essa experiência.”
O projeto citado por Matheus foi criado para reproduzir os desfiles dos sambódromos em menor escala, mas com regras dignas de um concurso das grandes escolas, com quesitos como harmonia, enredo, fantasias, alegorias, mestre-sala e porta-bandeira.
Para sair da miniatura e se transformar em uma das agremiações que levam adiante a tradição dos anos 70, foi necessário coragem e um empurrãozinho de uma “velha” conhecida na cena, a Filhos da Feira, segunda escola entrevistada pelo Bahia Notícias para o especial.

Foto: Arquivo Pessoal
“Das miniaturas, eu passei a querer mais e mais. Lembro que reuni alguns meninos aqui da rua e a gente fazia uma bateria. Meu pai tem um time aqui no Novo Marotinho, e eu aproveitei as camisas do time de futebol para colocar os meninos para tocar, mas isso, em algum momento, incomodou os vizinhos com o barulho (risos). O divisor de águas para mim foi quando eu conheci a Filhos da Feira, que eu considero a minha madrinha nessa trajetória. Ali eu percebi que era possível transformar esse sonho em realidade.”
Com o auxílio do avô, que tinha uma casa na comunidade, Matheus começou a mobilizar os meninos da rua para a criação da bateria, e a G.R.E.S Diamante Negro nasceu, oficialmente, em 2018. Mas o presidente da agremiação precisou convencer o avô da história toda, mesmo com o apoio incondicional do pai, que sempre foi um jovem envolvido com atividades voltadas para a comunidade local, com o time de futebol e o grupo de percussão.
“Eu nunca imaginei que fosse desfilar. Para mim, apesar do sonho de ter uma escola de samba, isso sempre foi como uma diversão. Nossas primeiras apresentações aconteceram no bairro. Eu precisei convencer meu avô que a escola de samba não era só uma brincadeira, e me convencer também, de que aquilo era um projeto de vida. Precisei amadurecer a ideia da escola de samba. Bruna Fernandes (presidente de honra) me ajudou bastante nesse processo, mas, no começo, além da bateria, a gente só tinha o casal de mestre-sala e porta-bandeira.”
Caçula entre as escolas de samba da nova geração de Salvador, Matheus conta que, durante o processo, teve um choque de realidade ao perceber como era o cenário para as escolas na capital baiana. “Eu me desanimei quando percebi que, talvez, minhas ideias não pudessem ir para a rua. Mesmo sendo o mais novo, no primeiro ano de desfile, consegui colocar um carro alegórico na rua. Fruto do meu trabalho, mas essa não é a realidade o tempo inteiro. Avani de Almeida conversou com a gente, trouxe um documento da Filhos da Feira para a gente se basear nisso e oficializar a nossa escola. Mas a gente ficou quase um ano sem movimentar a escola.”
Foto: Arquivo Pessoal
O ano de respiro fez com que Matheus se envolvesse com a Filhos da Feira, e voltasse a sonhar com o próprio projeto. “Voltei com um certo gás para colocar a Diamante Negro na rua, mas entendi ali que seria do meu jeito. Temos oito anos de fundação, mas não temos documentação. Talvez as pessoas se espantem, mas esse não é um interesse meu. No começo, era por eu ser menor de idade. Eu tentei trazer mais pessoas, pessoas adultas, mas as pessoas não tinham interesse nesse universo; foi desgastante.”
Atualmente, Matheus divide a missão de tocar a Diamante Negro ao lado de Deise, que também integra a Filhos da Feira, e o trabalho de convocar adultos para participar da escola de samba do Novo Marotinho deu certo.
“Neste segundo momento da Diamante Negro, da reorganização, nós começamos a fazer uma campanha no bairro para atrair adultos a participarem desse nosso projeto. Hoje eu acho que as pessoas já entenderam o formato de escola de samba que eu quero. Quando as escolas de samba começaram, eu não acredito que a documentação foi a primeira preocupação deles; a escola de samba surgiu dessa união da comunidade. Quando eu penso na Diamante Negro, eu penso nisso, nessa parte da diversão, da beleza da festa, de fazer as fantasias, arrumar a bateria e ir para a rua. Eu não quero que a escola de samba pareça com os blocos afro, que já existem e são gigantes; quero que a escola de samba tenha a cara das grandes escolas.”
Foto: Arquivo Pessoal
A G.R.E.S Diamante Negro atualmente conta com cerca de 60 pessoas envolvidas nos desfiles, que acontecem no bairro do Novo Marotinho e movimentam a região. Para Couto, o tema do Carnaval de Salvador em 2026 ser o samba não deve dar uma grande luz às escolas já existentes, pelo fato de os blocos de camisa terem mais espaço, comercialmente falando.
“Sendo aqui em Salvador, eu acredito que vai ser voltado para o samba comercial, ainda mais que as escolas de samba aqui da cidade não têm uma liderança para conseguir se inserir nesse debate e ter voz para lutar por espaço.”
Quanto à questão do sambódromo, proposta apresentada na Câmara Municipal de Salvador, para Matheus, a ideia se apresenta como algo interessante, mas é necessário pensar além do espaço. O presidente da Diamante Negro pontua que o sambódromo não excluiria a participação das escolas no Carnaval propriamente dito, mas, além da criação do espaço, é necessário o incentivo à arte.
“Não dá para ser um ou outro. A gente ser inserido no Carnaval de Salvador é importante, mas se for implantar um sambódromo, é necessário ter o auxílio para que a gente consiga fazer o desfile. Não adianta colocar o espaço, mas não colocar um ônibus para levar as escolas para lá. É preciso ter um local para fazer os ensaios. É importante incluir a gente no Carnaval de Salvador e ter o sambódromo também.”
O presidente acredita que a ideia pode despertar na população o interesse na área e fazer surgir novas escolas de samba na cidade, além de fazer com que a comunidade conheça a cena, que um dia já foi o tom da folia na cidade.
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“O espaço fará com que outras escolas de samba venham a surgir. Tem muitos amantes do samba aqui em Salvador; você sai na rua e vê pessoas com camisas da Mangueira e do Salgueiro. Mas existem pessoas que não sabem nem que aqui em Salvador tem escolas de samba. Então, a criação do espaço, pode sim, dar essa visibilidade. Mas não adianta só colocar a gente no espaço e não incentivar a arte. É preciso criar o sambódromo e não ter uma transmissão, nem uma cobertura. Porque aí, um tempo depois, vão falar que um espaço dedicado ao samba não tem público.”
Após mais de seis anos de existência, Matheus afirma que segue como o menino sonhador que criou uma escola de samba de maquete e conseguiu tirar o projeto do isopor para levar para as ruas. O presidente da Diamante Negro ainda incentiva a nova geração a investir na área e se permitir sonhar. “Não custa nada”, afirma.
