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Mais velha entre escolas de samba da nova geração em Salvador, Filhos da Feira acredita na força da comunidade

Por Bianca Andrade

Mais velha entre escolas de samba da nova geração em Salvador, Filhos da Feira acredita na força da comunidade
Foto: Instagram

Frutas frescas, ervas, pescados, artesanato, animais e até mesmo artigos religiosos. Quem faz uma lista para ir à feira jamais pensaria em incluir uma escola de samba entre os itens procurados.

 

Mas, na Feira de São Joaquim, além de tudo isso e dos pratos feitos e famosos como a feijoada, a moqueca de andú, e é claro, o acarajé, é fácil se deparar com rodas de samba e uma escola de samba propriamente dita.

 

Segunda escola de samba entrevistada pelo Bahia Notícias para o especial 'Samba que existe e resiste', a Escola de Samba Filhos da Feira de São Joaquim é a agremiação mais antiga das três remanescentes e que ainda vivem um cenário que por anos foi realidade no Carnaval de Salvador.

 

Fundada em 2006, a Filhos da Feira surgiu de um movimento criado pelo compositor Alaor Macêdo, responsável por enredos das antigas escolas de samba de Salvador. Em entrevista ao Bahia Notícias, Avani de Almeida, presidente da Filhos da Feira, relembrou o início de toda a história com a agremiação.

 

 

"A Filhos da Feira surgiu de um processo do compositor baiano Alaor Macêdo de revitalização das escolas de samba de Salvador. Ele reuniu as antigas escolas de samba da capital, Filhos do Garcia, Juventude do Garcia, Diplomatas de Amaralina, Ritmistas do Samba, e a velha guarda dessas escolas de samba antigas, e administrou o projeto de revitalização."

 

Feirante e envolvida diretamente com a São Joaquim, assim como os mais de 100 integrantes que participam da Filhos da Feira, Avani conta que o olhar de Alaor para a Feira e para a comunidade que existia ali fez com que a escola de samba nascesse.

 

"A escola de samba se trata de uma comunidade, ela tem que atender a uma comunidade. A gente a caracteriza como se fosse uma associação de bairro, então, nós cuidamos de alguns quesitos sociais, e ele olhando assim pensou: 'Poxa, a Feira de São Joaquim é uma comunidade, ali dá uma bela escola de samba'. E isso foi de 2005 para 2006, e ali deu início a toda especulação para entender se conseguíamos levantar uma escola a partir da nossa comunidade de feirantes."

 

Foto: Instagram

 

Até que a Filhos da Feira saísse finalmente do papel, foi necessário um levantamento de dados, já que antes da música começar, é necessário organizar o samba.

 

“Veio um rapaz chamado Liberato, que ajudou nessa questão da administração do projeto, fez um levantamento dos feirantes, de interessados em se tornarem sócios, e fundou o projeto. Até então era um projeto de papel, e aí se foi feito todo o projeto, foi criado um CD que é o 'Abre Alas do Samba' e quem fez esse CD foi o Alaor Macêdo, nosso primeiro samba-enredo foi feito por Guiga de Ogum, que até hoje é nosso hino."

 

Ao site, Avani pontuou outro grande fator determinante para a criação de uma escola de samba: a ligação com a religião. Para a presidente da Filhos da Feira, as duas coisas não podem andar separadas.

 

"Uma escola de samba não pode ser solta, ela tem que estar ligada a um terreiro. A escola de samba é igual ao afoxé. Quando se coloca um bloco de Afoxé para desfilar, é um terreiro na rua, entendeu? E tem que cumprir todos os pré-requisitos."

 

Atualmente, a Filhos da Feira é cuidada religiosamente por Dona Inês, responsável por um terreiro no Largo do Tanque, que é a mesma pessoa que cuida do evento da festa do Marujo. "O projeto de escola de samba ele nasce num terreiro", afirma Avani.

 

Com tudo resolvido, hora de colocar o bloco, ou melhor, a escola de samba na rua. Correto? Infelizmente, não. Para o contexto do Carnaval de Salvador, onde os trios elétricos se tornaram grandes estrelas da festa junto aos artistas, a configuração de uma escola de samba com os destaques de chão, bateria e carro alegórico precisava se adaptar à realidade local.

 

Foto: Instagram

 

“A gente desfilava no Campo Grande, mas o Campo Grande ficou inviável para a gente, porque depende de corda. Porque quando a gente passa com as fantasias, o pessoal fica puxando para tirar foto, as crianças principalmente, e para não estar fazendo uma negativa, acaba atrasando o desfile.”

 

O jeito para a Filhos da Feira foi transformar o circuito Batatinha, no Pelourinho, na segunda casa da escola de samba, já que a primeira será sempre a Feira de São Joaquim. O Fuzuê, no circuito Orlando Tapajós (Ondina/Barra), também entra como uma rota de desfile.

 

"Nós optamos por desfilar no Circuito Batatinha, que é o Pelourinho, a gente sai ali da Rua das Laranjeiras e aí a gente segue ali pelo Pelourinho, porque lá, conseguimos um desfile amplo. A questão nossa, às vezes, é a sonorização que não está contemplando mais o desfile, e quando a gente pega a passagem os trios acabam atrapalhando. Para esse ano estou tentando ver se consigo um nano trio ou uma prancha sonorizada boa para atender ao desfile."

 

RESISTIR NA ERA DOS TRIOS ELÉTRICOS 
O Carnaval de Salvador é cíclico e desde a sua existência já passou por diversas transformações, vide a existência das escolas de samba e a derrocada da expressão artística.

 

Ao Bahia Notícias, Avani falou sobre a luta não só da Filhos, como das outras três escolas de samba que ainda existem em Salvador em sobreviver à festa no contexto atual, onde os trios são destaques e a população endossa o formato participativo da festa, diferente de quando a beleza estava em contemplar.

 

"Foi muito difícil no início. Nós tivemos muita ajuda da Velha Guarda, das antigas escolas de samba, mas até então, não estava suficiente para sustentar. E eu não digo a questão financeira, mas sim para locomoção, para a visibilidade. Nós nos juntamos aos blocos afro, foi formada uma espécie de associação para a gente se unir e um ajudar o outro, porque está todo mundo sufocado. Nós estávamos 'morrendo', as escolas e os blocos, já estávamos sem fôlego para resistir porque não tinha apoio nenhum."

 

Foto: Instagram

 

A resistência está ainda em se manter sem o aporte financeiro necessário para sustentar uma agremiação como uma escola de samba, que conta com mais de 50 profissionais atuando.

 

Segundo a presidente da Filhos da Feira, na época em que as escolas de samba eram os destaques do Carnaval, na década de 70, o incentivo às agremiações por parte do poder público era maior. Com a queda da tradição, as escolas remanescentes acabaram ficando sem apoio para dar continuidade à arte.

 

“Naquela época das escolas de samba, os políticos, eles podiam meter a mão no bolso e ajudar uma instituição ou botar um bloco na rua. Eles não precisavam passar pelo processo de prestação de conta do recurso, e era uma época que os políticos iam lá, gostavam e injetavam o dinheiro mesmo. Depois que passamos pela fase da legalização, essa classe política que ajudava a cultura, passou a não poder mais ajudar, porque se você tira o dinheiro, você tem que fazer a prestação de contas, e com isso, a cultura ficou abaixo da política.”

 

As dificuldades enfrentadas pelas escolas e blocos afro motivou a criação de uma instituição para auxiliar no diálogo com o estado. “A gente se reuniu para formar uma instituição onde temos a maioria dos blocos afro, blocos de reggae para a gente passar a dialogar com o Estado. No início foi complicado, porque tivemos que fazer protestos, manifestações para sermos ouvidos, hoje já estamos organizados, já existe hoje um diálogo muito bom entre nós, agentes culturais, e o governo do estado.”

 

Foto: Instagram

 

Questionada sobre a adaptação das escolas de samba ao atual Carnaval de Salvador, Avani foi categórica ao afirmar que os trios elétricos podem descaracterizar a estrutura das agremiações. Sendo assim, para a folia baiana, cada forma de expressão tem um veículo específico.

 

“Não vejo a necessidade de uma escola de samba passar com um equipamento tão grande que é o trio, porque ela descaracteriza todas as nossas fantasias que a gente confecciona bonito com tanto carinho, aí quando o trio vem a gente fica ali embaixo, o trio lá em cima.”

 

PARA ALÉM DO SAMBA 
Para Avani, o conceito da escola de samba vai além da apresentação no Carnaval. A feirante faz questão de exaltar o fator social das agremiações com as comunidades que elas representam.

 

"Nós da Filhos da Feira temos uma cota, marcamos consultas, exames, fazemos cartas para atestar endereço de quem não tem. Então, a gente faz esse trabalho social. Isso é uma escola de samba. O trabalho social a gente faz com amor, com agregação, com sorriso."

 

Sem cachê para os músicos, Avani define o pagamento como uma ajuda de custo, mas um dos maiores pagamentos para ela, como presidente da agremiação e feirante, é enxergar a transformação através da arte.

 

"A cultura não é só pensar no fator financeiro. Quando se faz cultura dentro das comunidades, é necessário olhar para a forma como aquele movimento vai impactar a vida das pessoas. Quando um jovem participa de um projeto cultural, ele consegue se desenvolver em diversas situações. E a nossa visão, com a Filhos da Feira, é justamente esse senso de coletividade, aqui a gente divide o ônus e o bônus."

 

O SAMBÓDROMO VEM PARA SOMAR?
O debate sobre a criação de um sambódromo em Salvador, que motivou a criação do especial, também foi tópico na entrevista com Avani de Almeida.

 

A presidente da Escola de Samba Filhos da Feira pontuou a importância de um olhar para as agremiações de forma constante, e não apenas no período da festa.

 

"Uma escola de samba trabalha o ano todo. Tem uma menina que ela já está fazendo as cabeças da bateria, porque precisa cortar arame, e a gente já começa a trabalhar antes mesmo da festa. A escola de samba não para."

 

Foto: Instagram

 

Para Avani, caso o sambódromo seja pensado como uma forma de união das expressões artísticas de Salvador que conversam com o samba, e tenha o mesmo destaque que os circuitos tradicionais, o projeto pode funcionar.

 

"A gente fez um desfile no início do ano ali na região onde tem a proposta para a criação do Sambódromo. Se a ideia for colocar blocos afro, afoxés e escolas de samba, não o samba de camisa, pode ser algo interessante. Tem uma sonorização muito boa."

 

Mas a feirante alerta para a necessidade de assistir as agremiações fora da festa. "O espaço precisa ser algo mais amplo, para além do desfile. A gente precisaria de um local dedicado para a confecção das nossas fantasias, por exemplo, dos materiais que utilizamos nos desfiles, instrumentos. A escola de samba movimenta a economia, ajuda a comunidade. Se houver alguém para impulsionar isso, vai dar uma ajuda à comunidade do samba".

 

 

O estilo musical será o tema do Carnaval de Salvador, anunciado pela prefeitura há alguns meses, e o medo de Avani é que as escolas de samba não tenham esse espaço na avenida.

 

"É necessário pensar no samba como tema do Carnaval não apenas os blocos de camisa, temos muitas expressões de samba aqui em Salvador que precisam ser valorizadas. Tenho medo e acho que as escolas de samba e outros estilos serão jogados um pouco para baixo do tapete, acho que o samba de camisa vai se sobressair, por ter mais poder."

 

A feirante ainda fez questão de reforçar a potência do samba no contexto das escolas no eixo Sudeste.

 

 

"A escola de samba tem que potenciar pequenos artistas, ela é uma produtora que ela tem que estar disponível ali, por exemplo, para pegar pequenos artistas e transformar em grandes artistas. Aqui a gente tem outros direcionamentos. A escola de samba ela dá a base da cultura. Por que a cultura no Rio não quebra? Porque o ganho dela é mínimo, aqui em Salvador, o ganho da produtora é altíssimo. São produtoras de grande porte, por isso eu acho que não vai ter um espaço assim para a gente."

 

Apesar de um cenário com futuro em "blur", se depender da comunidade, o samba não morre, e Alcione pode ficar tranquila quanto a isso. "A escola de samba se trata de uma comunidade, e essa é a nossa força", afirma Avani.