Opinião: Dosimetria: Projeto de Lei Jair Bolsonaro diminui penas e é mais um engodo no teatro político
Por Fernando Duarte
O Brasil é recorrente em criar legislações para beneficiar pessoas físicas. A prova mais recente disso é o tal PL da Dosimetria, que deveria ser rebatizado para Lei Jair Bolsonaro caso entre em vigor. Aprovado de maneira fortuita na Câmara dos Deputados e de maneira excessivamente célere no Senado, o projeto prevê uma redução de penas para condenados em tentativas de golpe à democracia. Pode-se argumentar que não apenas o ex-presidente será o beneficiário. Porém, é mais um engodo político para enganar bobos.
Salvo a manobra da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, que transformou uma emenda de mérito em uma emenda de redação, o texto deveria voltar à Câmara, já que se esperava uma revisão do projeto pelos senadores. Só que, ao invés de melhorar o já esdrúxulo texto, os senadores lavaram as mãos – com o apoio informal do governo, já que o líder Jaques Wagner sugeriu um “acordo” para que a matéria não travasse a pauta de interesse do Executivo.
O resultado, ao menos, não ampliou o “direito” de se beneficiar com a mudança no cálculo de dosimetria de penas. Afinal, pelo que veio da Câmara, outros criminosos seriam beneficiados com a medida, e não apenas o núcleo golpista, que, convenhamos, iria subjugar o Congresso Nacional logo após subjugar também o Supremo Tribunal Federal, caso conquistasse o intento. Entretanto, aqui não cabe elucubrações e devaneios.
O grande “acordo”, da época de Michel Temer, acabou sendo herdado pelos sucessores. Bolsonaro se manteve no poder com um acordo, especialmente com o Legislativo, mas com a anuência de um Luiz Fux que se mostrou tempos depois certo nível de subserviência ao bolsonarismo. Lula, com baixa governabilidade dado a representatividade da Câmara e do Senado, fez o mesmo. Agora ampliando efetivamente esse nível de negociação, com direito a uso de vetos como uma moeda de troca.
As atenções agora para o Projeto de Lei Jair Bolsonaro se voltam para o Executivo, que deu indícios que pode vetar o texto integralmente. Em meio a estratégia eleitoral de Lula, o veto não apenas o promove, como impulsiona a candidatura à reeleição. E, pelo lado do Congresso, a derrubada do veto se tornaria uma “questão de honra”, para “respeitar a independência entre os poderes”. É um jogo de cena, já definido por pesquisadores como “teatro político”.
Sem contar, é claro, com a possibilidade do STF de tratar a matéria como inconstitucional e barrar o benefício a Jair Bolsonaro e às lideranças do movimento golpista que intentou contra o Estado Democrático de Direito. A anistia branda — cujo mérito pode até ser justa em certo ponto — é a derrocada do que entendemos como Estado de Direito. Estamos longe de viver sob a égide de uma ditadura. Mas também estamos a algumas léguas de estarmos numa democracia plena. Vide as mudanças nas leis ao bel-prazer de quem está no poder. E o carimbo de toda uma legislação pensada para beneficiar uma pessoa física...
