Galeria Usina leva arte contemporânea ao Palacete Tira-Chapéu
Por Nathalí Brasileiro
No início do século XX, o Centro Histórico de Salvador fervilhava com um intenso vai-e-vem, reflexo da movimentação cultural e econômica da capital baiana. Na esquina da Rua Chile — reconhecida como a primeira rua do Brasil —, em direção à Praça Municipal, foi inaugurado em 1917 o imponente Palacete Tira-Chapéu, um edifício de traçado eclético. Com mais de cem anos, o prédio foi reaberto em 2024, após um cuidadoso restauro, transformando-se em um polo artístico, gastronômico e cultural que abriga, entre outros espaços, a Galeria Usina, dedicada à arte contemporânea.
Foi lá que o BN Hall conversou com Walner Sovi, administrador do espaço, que abordou a história e a proposta curatorial da galeria. Segundo ele, o projeto era um sonho pessoal e já estava em andamento quando recebeu o convite para integrá-lo ao Palacete Tira-Chapéu. “É um orgulho ver um casarão de 1917 restaurado com um trabalho tão bacana. Poder utilizar a arte como hub de transformação é algo muito interessante”, declarou.
Conhecido como Guga pelos mais próximos, Sovi revelou que a relação com a arte vem desde cedo, com raízes ainda na infância. “Estou imerso na arte desde cedo. Eu nasci em Penedo (AL), uma cidade barroca, histórica, que tem arte por todos os lados. Então, essa paixão vem desde criança”, contou. Essa vivência, segundo ele, explica o amor que o acompanha e que agora encontrou espaço para se materializar na galeria. “Baseado em todo o meu background, tudo que a gente acredita como arte, tudo que a gente acredita que o impacto da arte pode ter também nas outras pessoas”, destacou.
Cada obra exposta na Usina é pensada para dialogar com temas como sustentabilidade, representatividade e brasilidade. Para ele, sustentabilidade não se limita ao aspecto ambiental: envolve também refletir sobre o impacto social. “É preciso pensar no impacto real de cada obra e como ela pode funcionar como um hub de transformação. Pensamos de onde essa arte vem, como ela é produzida, quem fez, principalmente quando você começa a trabalhar as intersecções de gênero e raça. Isso é bem interessante, porque você faz a distribuição de renda acontecer”, ressaltou.
O processo de curadoria, segundo Sovi, é rigoroso e prioriza a qualidade artística. Ele ressalta que a inclusão acontece de forma estratégica: “Ninguém vai trabalhar com um artista só por ele fazer parte de um grupo. Primeiro vem a qualidade; depois, sim, trabalhamos os recortes de inclusão”. Para ele, mostrar a excelência do trabalho é a forma mais eficaz de promover essa diversidade. “A ideia não é levantar bandeiras de alguma minoria, gênero ou raça, e sim incluí-las com qualidade”, frisou. Atualmente, cerca de 80% dos artistas da galeria são negros, um reflexo desse compromisso.
Entre esculturas, pinturas e instalações, a Usina de Arte apresenta trabalhos de artistas como João das Alagoas, Armarinhos Teixeira e muitos outros. “A ideia é justamente reduzir esse espaço entre a arte contemporânea e a arte erudita. Então, quem valida essa arte, quem valida essa informação, quem valida esse trabalho enquanto arte, isso é muita responsabilidade. O nosso papel aqui é muito mais reduzir o espaço entre a arte contemporânea e a arte popular e trazer algo mais equânime”, explicou.
A Galeria Usina também está presente na CasaCor Bahia, no Colégio Nossa Senhora das Mercês, no Campo Grande, uma das principais mostras de decoração do estado. A exposição segue até o dia 7 de setembro. Segundo Sovi, a participação na mostra é estratégica. “A gente acredita que o arquiteto, por si só, é um hub de transformação. É através dele que a gente consegue introduzir cultura e arte na casa das pessoas. O arquiteto é a primeira pessoa que vai definir como vai ser a sua casa. Ele conduz e, através dessa condução, a gente consegue inserir arte e cultura por meio desse trabalho”, explicou.
Na mostra, a Usina ocupa mais de 300 metros, distribuídos em cerca de 12 ambientes assinados por arquitetos que exploram diferentes conceitos. Segundo ele, eventos como esse são uma oportunidade para evidenciar o trabalho dos arquitetos junto à arte e destacar a importância da arquitetura nessa relação com o público.
“Quando alguém se muda, o piso fica, a parede fica, a iluminação fica, mas a arte você leva, porque cria uma relação com esse objeto-arte. Então, o arquiteto, para a gente, ocupa um espaço fundamental nessa transformação, nessa indução à cultura. Por isso valorizamos tanto essas parcerias”, afirmou.
Nessa toada, a Galeria Usina busca seguir firme no caminho da valorização da arte nacional, mantendo o foco na qualidade e na representatividade. “Visitamos diversas cidades que são referências globais e só pensava: ‘gente, eu tenho isso no Brasil com qualidade. O que precisamos é lapidar e trabalhar isso. É o que nos move’”, contou Guga, que completou ressaltando a importância do trabalho cuidadoso e apaixonado que mantém viva essa conexão entre arte, artistas e público.
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