Comandado por Mãe Taiane Macedo, Cumoa integra fé, cultura e transformação social em Salvador
Por Nathalí Brasileiro
Em Salvador, onde a cidade encontra o mar e a diversidade molda paisagens e trajetórias, Taiane Macedo, mais conhecida como Mãe Tai, conduz uma jornada marcada pela espiritualidade, arte e compromisso coletivo. Publicitária, cantora e sacerdotisa, ela está à frente do Centro de Umbanda Mística Oxum Apará (Cumoa), terreiro que, há 56 anos, integra fé, cultura e ação social.
“Sou uma mulher em constante busca por ajudar outras pessoas a viver com dignidade, cuidando do corpo, da mente e do espírito. Acredito no amor, na caridade, na bondade. Mesmo nesse mundo tão violento e tão louco, eu ainda confio que essas forças podem transformar vidas”, afirmou em entrevista ao BN Hall.
Filha de uma família em que a música e a espiritualidade sempre caminharam juntas, ela iniciou sua carreira profissional nos palcos, cantando em casas de show e eventos. Na carreira musical, inclusive, lançou o álbum “En(canto) Umbanda”, que conta com mais de 8 milhões de views nas plataformas de áudio e vídeo. Mais tarde, formou-se em Publicidade e atuou por cerca de 20 anos no marketing político e cultural. A guinada em sua trajetória aconteceu em 2012, com o diagnóstico de um câncer de mama. Na mesma época, sua mãe e seu irmão também adoeceram — este último, infelizmente, não resistiu. Diante da sobrecarga emocional e familiar, o terreiro que frequentava — fundado por sua mãe biológica, Mãe Hebe Macedo — precisou ser temporariamente fechado.
A reabertura ocorreu de forma gradual. Em 2015, já sob a liderança de Mãe Tai e do médium Pai Rai, o espaço foi restaurado. “Foi um processo intenso de aprendizado”, relembrou a sacerdotisa. “Minha mãe nos passou o sacerdócio em vida, mas precisávamos nos aprofundar nos estudos e nas práticas para honrar esse legado (...). Fizemos cursos de teologia, de sacerdócio, e seguimos guiados pela ancestralidade dela e pela força dos nossos fundamentos”, acrescentou.
Com sede atual no bairro de Piatã, o Cumoa preserva viva a tradição das giras e celebrações, como a Festa de Ciganos, e realiza eventos voltados à valorização da cultura afro-brasileira e ao combate à intolerância religiosa. Um dos destaques é o UMBAHIA — Encontro de Umbanda da Bahia — que reúne casas de diversas regiões em rodas de conversa, vivências e oficinas.
Além das celebrações, o terreiro oferece atendimentos espirituais com banhos, uso de ervas e limpezas de corpo. “A Umbanda é uma religião afro-indígena brasileira que acolhe tudo e a todos”, explicou Mãe Tai. “Cada terreiro tem sua forma, seu olhar. Alguns são mais próximos do candomblé, outros do espiritismo, do catolicismo ou das tradições xamânicas”, detalhou. Para ela, essa diversidade é uma das forças da religião, mas também evidencia a urgência do combate à intolerância religiosa. “Os ataques a terreiros e às nossas práticas mostram o quanto ainda precisamos educar e conscientizar”, defendeu.
Essa visão espiritual está profundamente conectada ao engajamento social e político. “Não adianta estar dentro do terreiro reverenciando um caboclo e, lá fora, não refletir sobre os povos originários. Ou tomar a bênção de um preto velho e, na rua, ser racista”, argumentou. “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, enfatizou.
Esse compromisso se reflete na rotina do Centro Umbanda. A casa promove rodas de leitura com textos de autores como Djamila Ribeiro e Ailton Krenak, além de debates sobre o significado de entidades e de expressões que foram historicamente distorcidas.
Para ela, o terreiro é um “combo de religião, cultura e educação”, em que o branco das vestes representa paz, mas também consciência. “É sobre respeitar as diferenças e criar espaços seguros para que as pessoas se sintam acolhidas em todas as dimensões”, ressaltou. Ao longo dos anos, o Cumoa também se consolidou como um instituto de formação. Cursos como Curimba Sagrada, Umbanda para Iniciantes e Entidades da Umbanda unem teoria e vivência, fortalecendo a relação dos participantes com os fundamentos da religião.
No campo social, Mãe Tai destacou duas iniciativas que considera suas “meninas dos olhos”. A primeira é o projeto Amor & Caridade, criado durante a pandemia e que hoje atende, mensalmente, mais de 600 famílias. “Além das cestas, oferecemos cursos profissionalizantes e oportunidades para que possam criar seus próprios meios de sustento e viver com dignidade”, salientou.
A segunda frente está voltada ao cuidado emocional, com a oferta de terapias integrativas. Psicólogos, terapeutas, acupunturistas e outros profissionais atuam voluntariamente no terreiro, oferecendo atendimentos gratuitos ou com valores simbólicos. “Muitas vezes, o que parece um problema espiritual é, na verdade, uma ferida emocional”, avaliou. “Quando cuidamos dessas dores, a vida da pessoa começa a se transformar de dentro para fora”, acrescentou.
Com foco na autonomia das famílias assistidas, o Cumoa também vem ampliando parcerias estratégicas. Uma das mais recentes foi firmada com a Universidade Federal da Bahia (Ufba), que oferece os cursos de empreendedorismo e oficinas de ideias criativas.
A meta, segundo Mãe Tai, é também reformular o programa Amor & Caridade até 2026, tornando a entrega das cestas condicionada à participação em oficinas e cursos. “Queremos transformar vidas e tirar essas pessoas do sistema de assistencialismo”, afirma, destacando que a tarefa vai além da espiritualidade. “É ser guardiã de um legado e manter acesa a chama do amor, da caridade e da consciência em cada passo”, completou.
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