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Salvador usou municípios do MT com má gestão em TI como base para contrato na Sefaz

Por Gabriel Lopes

Salvador usou municípios do MT com má gestão em TI como base para contrato na Sefaz
Foto: Jefferson Peixoto / Secom / PMS

Vencedora de uma licitação na prefeitura de Salvador, por meio da Secretaria Municipal da Fazenda, com contrato que beira os R$ 22 milhões, a "Coplan Consultoria e Planejamento" já havia sido citada no âmbito do Ministério Público de Contas (MPC) do Mato Grosso, estado que abriga a sede da empresa do tipo Eireli, modalidade de negócio formada por um único sócio. Em fevereiro de 2021, o Tribunal emitiu um parecer referente a uma auditoria de conformidade, com objetivo de analisar a governança de tecnologia da informação (TI) nos municípios matogrossenses de Rondonópolis e Sinop.

 

O que os dois municípios têm em comum no caso é a concretização de contratos com a Coplan para prestação do serviço de locação e uso de licenças para módulos de sistema de gestão de recursos públicos integrados 100% Web para atender as necessidades das Secretarias Municipais. O documento do MPC, ao qual o Bahia Notícias obteve acesso, teve como relator o conselheiro interino Ronaldo Pereira de Oliveira e assinatura do Procurador-geral Alisson Carvalho de Alencar.

 

No parecer, ele aponta que no caso do município de Sinop, um relatório técnico apresentou irregularidades como inexistência de planejamento para a área de TI; delegação para terceiros a gestão de segurança da base de dados (Sinop); ausência de plano de capacitação para servidores da área de TI (Sinop); comitê gestor de TI sem atuação efetiva (Sinop); além de contratações em desacordo com as diretrizes para a área de TI e quantidade insuficiente de servidores para a gestão de tecnologia da informação.

 

Já em Rondonópolis, também foi identificado inexistência de planejamento para a área de Tecnologia da Informação; delegação para terceiros a gestão da segurança da base de dados; ausência de plano de capacitação para servidores da área de TI; inexistência de planejamento para a área de TI e ausência de diretriz para contratação na área de TI.

 

Segundo explicação do MPC-MT, a auditoria de conformidade é uma das espécies de auditoria utilizadas para efetivação do controle externo e tem por objetivo o exame da legalidade e da legitimidade dos atos de gestão dos responsáveis sujeitos à jurisdição do TCE-MT, quanto ao aspecto contábil, financeiro, orçamentário e patrimonial. Assim, a auditoria de conformidade é o instrumento utilizado para avaliar se as atividades das entidades do setor público estão conforme as normas aplicáveis.

 

Diante do apurado, a equipe de auditoria sugeriu então que a prefeitura de Sinop realizasse ações no sentido de dar ao comitê gestor de TI atuação mais efetiva no âmbito do Executivo municipal e que o banco de dados fosse mantido em servidor próprio da prefeitura, na nuvem ou em datacenter terceirizado, contanto que a gestão dos dados ficasse sob responsabilidade de uma equipe técnica da prefeitura. A segunda recomendação citada também foi feita ao município de Rondonópolis.

 

No caso de Rondonópolis, o então gestor alegou que a área de TI seria incluída no Planejamento Estratégico do Município a fim de mensurar o investimento necessário em cada secretaria. A equipe técnica, contudo, não acatou a manifestação da defesa e concluiu pela manutenção da irregularidade tendo, inclusive, encaminhado e-mail para o responsável de TI da prefeitura, Eder Oliveira, solicitando informações adicionais e documentos correlatos sobre o trabalho de auditoria. Contudo não se obteve nenhuma resposta até a data da finalização do relatório técnico conclusivo, no dia 03/12/2020.

 

O parecer afirma que, para a Secretaria de Controle Externo (Secex) de Obras e Infraestrutura do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) - que atua em parceria com o MPC - o gestor "apenas argumentou que irá adotar as providências para corrigir o apontamento feito, sem estabelecer um prazo para isso, bem como a equipe técnica encaminhou e-mail para o responsável pela TI da prefeitura, Eder Oliveira, solicitando informações adicionais e documentos correlatos sobre o presente trabalho de auditoria, contudo não se obteve nenhuma resposta até a data da finalização do relatório técnico conclusivo, no dia 03/12/2020".

 

Acrescenta ainda que durante inspeção "in loco realizada pela equipe técnica, na sede da Prefeitura Municipal de Rondonópolis, foi aplicada uma entrevista semi estruturada para o responsável pelo setor de TI – Eder de Oliveira – sendo que uma das questões levantadas foi sobre a existência de planejamento para a área de Tecnologia da Informação (PDTI/PETI), para a qual obteve-se como resposta que não existe, e que nunca houve discussão sobre esse assunto". Desta forma, "o próprio defendente confirmou a ocorrência da irregularidade e em sua manifestação limitou-se a afirmar que tomará providências, sem, contudo, especificar o momento em que irá fazê-lo".

 

Conforme apurado no Relatório Técnico Preliminar, a prefeitura municipal de Sinop contratou a empresa Coplan Consultoria e Planejamento Eireli EPP para a prestação do serviço de locação e uso de licenças para módulos de sistema de gestão de recursos públicos integrados 100% Web para atender as necessidades das Secretarias Municipais.

 

Visando identificar o nível de domínio da administração pública municipal sobre a base de dados gerenciada pelos Sistemas adquiridos, a equipe técnica constatou a existência de alguns fatores de risco e apontou que a prefeitura não possuía controle sobre a base de dados e que o cadastro de usuários era feito por servidores terceirizados. De acordo com a Secex, tal situação gera a possibilidade de perda e/ou alteração na Base de Dados da Prefeitura sem o conhecimento dos gestores. Conforme apontado pela Equipe de Auditoria, a empresa terceirizada possui todo o controle da Base de Dados da Prefeitura, que encontra-se armazenada na própria empresa ou em ambientes sobre os quais a área de TI da Prefeitura não possui nenhum domínio.

 

Em Relatório Técnico Preliminar, a Equipe de Auditoria constatou que um contrato também foi firmado entre a prefeitura municipal de Rondonópolis com a empresa Coplan Consultoria e Planejamento Eireli EPP e teve como objeto a prestação do serviço de locação e uso de licenças para módulos de sistema de gestão de recursos públicos integrados 100% Web para atender as necessidades das Secretarias Municipais.

 

Do mesmo modo como foi feito no município de Sinop, a auditoria buscou identificar o nível de domínio da administração pública municipal sobre a base de dados gerenciada pelos sistemas adquiridos. Identificou-se que, diferentemente do que acontece na Prefeitura de Sinop, a base de dados está armazenada em computadores da própria prefeitura de Rondonópolis, e por consequência está entre os dados para os quais são feitos backups diários pela área de TI da Prefeitura.

 

Por sua vez, o cadastro de novos usuários no sistema, bem como a definição dos níveis de permissão de acesso dos mesmos, são feitos mediante solicitação dos gestores dos Sistemas, por meio de formulário, conforme Instrução Normativa STI 01/2018. No entanto, a função de incluir tais usuários no sistema, também no caso da prefeitura de Rondonópolis, é executada por servidor da empresa terceirizada, fragilizando a segurança dos dados.

 

“Da mesma forma que no município de Sinop, o contrato feito pela Prefeitura de Rondonópolis envolve os sistemas de Tributação, Recursos Humanos, Administração, Planejamento, Contabilidade, Assistência Social, além de serviços prestados ao contribuinte, servidor e portal transparência. Em razão disso a situação relatada é temerária, do ponto de vista da segurança das informações e não protege o município para a continuidade dos serviços, pois gera total dependência em relação a empresa terceirizada”, diz parte do parecer do MPC-MT.

 

A exemplo do que aconteceu no Mato Grosso, a Secretaria Municipal da Fazenda (Sefaz) de Salvador também fechou contrato com a Coplan, após processo licitatório, para fornecimento de uma solução integrada de gestão tributária, incluindo licenças permanentes de softwares, como ocorreu nos municípios matogrossenses já citados. O objeto do contrato aponta ainda serviços de instalação, implantação, customização e parametrização, migração de dados existentes, integração de sistemas legados, operação assistida, manutenção, passagem de conhecimento e desenvolvimento de manutenções evolutivas sob demanda.

 

PARECER TÉCNICO

O Bahia Notícias também acessou um parecer técnico da Sefaz soteropolitana - disponível no sistema de licitações do Banco do Brasil - que apresenta esclarecimentos quanto à qualificação técnica da Coplan. Em um dos itens, a pasta usa como referência um atestado fornecido justamente pelo município de Rondonópolis, no Mato Grosso, para mostrar a capacidade técnica da empresa e destaca dois aspectos. São eles o fornecimento de software com entrega de código-fonte e serviços de instalação e implantação e que entende-se como solução integrada o fornecimento em único sistema de gestão tributária com pelo menos os seguintes macroprocessos: cadastro imobiliário; cadastro de atividades; financeiro e arrecadação; nota fiscal de serviços eletrônica de serviços; fiscalização e dívida ativa.

 

"Consoante atestado fornecido pela prefeitura municipal de Rondonópolis referente ao contrato de prestação de serviços nº 203/2018, observa-se que a solução tributária disponibilizada a Rondonópolis se deu através de fornecimento de licença de direito de uso, através de hospedagem e disponibilização dentro da própria infraestrutura do município. Em que pese isso atesta que a empresa realizou os serviços de instalação e implantação do sistema, não resta claro se o fornecimento do software ocorreu com a entrega do código-fonte ao município", diz trecho do parecer da Sefaz.

 

Conforme o documento, foi realizada uma diligência em 19/10/2021 junto a Rondonópolis para a verificação de entrega do código-fonte. Ainda de acordo com o texto, através de uma resposta obtida por Eder de Oliveira - parte citada na reportagem e que não atendeu solicitações do MPC de Mato Grosso acerca da auditoria também já mencionada - foi ratificada a declaração de que os códigos-fontes da solução se encontram disponibilizados em ambiente de TI do próprio município sob a guarda do Departamento de Tecnologia da Informação e Modernização Institucional, o que demonstra o atendimento da entrega do código-fonte.

 

A Secretaria da Fazenda de Salvador volta a apontar capacidade técnica da prestadora de serviço - a Coplan - com base em informações de Eder de Oliveira, gerente do departamento de TI de Rondonópolis, como diz o trecho: “Em oportuno e para os devidos fins específicos, ratificamos que atualmente existem 127.166 imóveis em registro, bem como reporta a média mensal de 13.175 notas fiscais eletrônicas”. O curioso é que no item 6.4.1 exige-se apenas experiência anterior da empresa que atenda a apenas 10% do quantitativo que tem o município de Salvador: quase um milhão de inscrições imobiliárias e o dois milhões de notas fiscais mensais.

 

O mesmo atestado fornecido pelo município de Rondonópolis é usado no parecer emitido pelo órgão de Salvador para verificar a capacidade técnica da empresa arrematante em outros itens do edital de licitação. Em sua conclusão da análise da documentação técnica apresentada pela Coplan, a equipe declarou que a empresa atendeu a todos os requisitos de qualificação técnica exigida pelo termo de referência dessa contratação e habilitou o prosseguimento das demais fases do processo licitatório. O documento - datado 21 de outubro de 2021 - foi assinado por Ulysses Freitas Pessanha, diretor geral da Receita Municipal, por Flávio Wanderley Dantas e Jorge Ubiratan, ambos auditores fiscais.

 

Segundo informações do portal da transparência de Salvador, o contrato entre o município e a empresa foi assinado em março deste ano e tem vigência até maio de 2024.

 

INSEGURANÇA

Especialistas da área tributária ouvidos pelo Bahia Notícias apontam que há fragilidade na qualificação técnica de uma empresa de pequeno porte como a Coplan para prestar serviços importantes para grandes cidades, a exemplo de Salvador. Eles apontam que o município deveria ter adotado maior cautela e observar que o gerente de TI citado para referendar a empresa não deu mais explicações ao Ministério Público de Contas do Mato Grosso sobre as irregularidades no serviço de tecnologia da informação em Rondonópolis.

 

De acordo com os tributaristas, há um receio de que Salvador fique 'dependente' de uma empresa terceirizada. Eles defendem que um sistema dessa natureza deve ser gerido e administrado pelo próprio município, e questionam se o fato de a empresa atuar apenas em cidades menores colocaria a administração tributária de Salvador em risco. Inclusive atribuem ter havido algum equívoco no Edital no item 6.4.1 por não exigir que a empresa tenha experiência em municípios que emitem mais de dois milhões de notas fiscais mensais e reduzir essa exigência para 100 mil notas, o que careceria de segurança na entrega de um sistema desse porte que poderá falhar, como ocorreu na própria cidade de Rondonópolis, causando um impacto na receita e uma convocação da Secretária à Câmara Municipal para dar explicações sobre as falhas no sistema.

 

O BN também apurou a existência de queixas de usuários e técnicos quanto a utilização do sistema adotado pela Coplan, que teria apresentado falhas impedindo a emissão de notas fiscais, erros que podem ocasionar perde de arrecadação, já que caso o contribuinte não consiga emitir nota, o ISS não será recolhido e o serviço prestado não será tributado. Veja abaixo:

 

Foto: Reprodução

 

O Bahia Notícias procurou a Secretaria da Fazenda de Salvador (Sefaz) para mais detalhes e explicações sobre o contrato. Por meio de nota, informou que "empresa vencedora precisou comprovar as qualificações técnicas exigidas previstas na Lei de Licitação nº 8.666/1993 e no edital e, na sequência, demonstrar aptidão na prova de conceito". "Durante a execução do contrato, foi elaborado um plano de projeto com entregas intermediárias de módulos do Sistema de Administração Tributária, incluindo os módulos de Cadastro de Atividades, Cadastro Imobiliário, Nota Fiscal e Processo Administrativo. Além disso, o planejamento, que vem sendo respeitado até o momento, ainda prevê outras entregas e customizações a serem cumpridas até 2024", explica o órgão.

 

Segundo a pasta, a implantação do novo Sistema de Administração Tributária (SAT) está prevista no Programa Nacional de Apoio à Gestão Administrativa e Fiscal dos Municípios Brasileiros (PNAFM), gerido pelo Governo Federal, para apoiar municípios no aprimoramento da gestão administrativa, fiscal, financeira e patrimonial através de recursos financeiros provenientes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

 

"Celebrado em abril de 2019, o contrato nº 523.659-39 do PNAFM tem como objetivo a implantação de um sistema atualizado que permita ao contribuinte mais facilidade no cumprimento das obrigações tributárias através de sistemas e aplicativos, além de melhorar a gestão da arrecadação e a atualização cadastral da pasta – através de uma linguagem tecnológica moderna, com maior grau de conformidade aos padrões praticados por outras administrações municipais. Além da dificuldade de encontrar profissionais no mercado para realizar as customizações necessárias, o atual SAT possui tecnologia defasada e de alta complexidade de integração, com diversos sistemas legados", garante o Sefaz. De acordo com a secretaria, um grupo de trabalho formado por servidores para elaborar o Termo de Referência, com requisitos funcionais e técnicos essenciais a administração tributária foi instituído ainda em 2019.  

 

"Por fim, a Secretaria Municipal da Fazenda ressalta que, além dos benefícios sinalizados, o contrato em execução prevê itens de customização e parametrização do sistema, possibilitando novas funcionalidades que permitirão melhorias no relacionamento com o contribuinte soteropolitano", conclui a pasta.

 

Em fevereiro de 2022 o Bahia Notícias já havia mostrado que esse contrato para gestão tributária foi questionado no Tribunal de Contas dos Municípios (TCM-BA) (leia mais aqui). À época, de acordo com o Diário Oficial do Município (DOM), a secretária da Fazenda, Giovanna Victer, julgou como improcedente os recursos que solicitavam a desabilitação da Coplan Consultoria e Planejamento Eireli.

 

Segundo apuração do BN, a decisão da titular da Sefaz ocorreu mesmo tendo sido alertada por assessores que se tratava de uma empresa de um único sócio, supostamente envolvida em irregularidades, vazamento de informações e tráfico de influência junto ao Tribunal de Contas do Mato Grosso (TCE-MT).

 

Os recursos foram apresentados pelas empresas DSF-Desenvolvimento de Sistema Fiscais LTDA e pela Sigcorp Tecnologia da Informação LTDA. No despacho final, Victer homologa o parecer da Comel/Sefaz, órgão a ela subordinado, e declara improcedentes os recursos das empresas citadas, atestando a Coplan Consultoria e Planejamento Eireli como a licitante vencedora.

 

Em Salvador, a empresa DSF - Desenvolvimento de Sistemas Fiscais LTDA fez uma denúncia ao Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia (TCM-BA), contestando o resultado do certame, através do processo n° 00457e22 de relatoria do Conselheiro José Alfredo Rocha Dias. A medida cautelar, consultada pelo Bahia Notícias, pedia a ratificação do pleno referente à Prefeitura de Salvador para supostas irregularidades no pregão eletrônico 14/2021 (da licitação em questão) e traz George Melo Barreto - Presidente da COMEL e Sr. Tiago Garcez dos Reis – Pregoeiro da COMEL como denunciados.