Circo da resistência: Circo Picolino comemora 40 anos e luta para garantir projetos sociais
Por Eduarda Pinto
A brincadeira, o riso e a criatividade são características amplamente atribuídas a infância e juventude; as mesmas palavras podem ajudar a definir duas artes cênicas: o teatro e o circo. Nesta quinta-feira (27), dia em que se comemora o Dia Mundial do Teatro e do Circo, o Bahia Notícias conta a história de um dos circos mais tradicionais da Bahia, que abriu as portas para a arte circense na vida de diversos jovens e crianças: o Circo Picolino.
O circo, que comemora 40 anos de história em 2025, está localizado no bairro de Pituaçu, na orla Atlântica da cidade. O espaço foi fundado em 1985 como a Escola Picolino de Artes do Circo, com o propósito de difundir as artes circenses e, por muitos anos, teve como um dos seus braços mais ativos as oficinais para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social.
Quem conta essa história ao Bahia Notícias é a atriz circense e coordenadora da Escola Picolino de Artes do Circo, Nina Porto. “A Picolino surge quando um casal chama Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki vem para Bahia com o grupo de circo deles chamado Tapete Mágico e eles instalam aqui uma escola de circo, primeiramente particular, para ampliar a linguagem e também conseguir se manter na Bahia”, relata.
“A escola abre em 1985 e a partir dos anos 90, Verônica volta para São Paulo, se dedica à pesquisa circense e funda o Centro de Memória do Círculo de São Paulo. E Anselmo toca a história aqui da Picolino na Bahia”, detalha. A Escola, que leva o nome do Palhaço Picolino, fundador da primeira escola de circo do Brasil, se torna então uma associação e é essa a mudança que inicia o processo de crescimento do Circo Picolino.
Foto: Acervo / Circo Picolino.
“Ele [Anselmo] começa a interagir com o projeto Axé, projeto Agata Esmeralda e amplia essa coisa do circo social, que é aonde o circo ganha mesmo uma robustez muito significativa, que traz muita gente de vulnerabilidade social. Muita criança é formada pelo circo, então misturam-se os públicos, tanto os alunos particulares, quanto as crianças vindas de projeto social. E ao passar dos anos cria-se a companhia Picolino dessa mistura de alunos e que ganha uma potência muito grandiosa”, afirma.
Como uma das artistas formadas pela Escola, Nina defende que a Picolino cultiva duas características especiais, que o diferenciam os circos convencionais: a estabilidade e brasilidade. “A Companhia Picolina apresenta espetáculos incríveis dirigidos por Anselmo. Um circo estritamente brasileiro, realizado por brasileiros, por pessoas brasileiras que sentem na pele, toda essa verdade social que a gente vive e isso é reverberado num picadeiro de circo”, conta.
Foto: Acervo / Circo Picolino | Criador da Escola Picolino, Anselmo Serrat.
A ARTE QUE TUDO SUPORTA
E a verdade é que o brasileiro não desiste nunca. O mesmo pode ser dito sobre o Picolino, que hoje se apresenta como Espaço Multicultural Circo Picolino. O circo que já passou por altos e baixos em termos de estrutura, engajamento público e a manutenção de seus projetos, se orgulha de ter se mantido ininterruptamente ativo, mesmo com o falecimento de seu fundador e a chegada da pandemia.
Anselmo Serrat faleceu aos 71 anos, no dia 17 de março de 2020, um dia antes de Salvador entrar em estado de emergência e decretar um “lockdown” devido à pandemia de Covid-19. “É quando a gente se vê assim num desafio imenso de aprender, como a gente vai continuar a nossa jornada formativa, circense dentro das nossas casas. A gente consegue vislumbrar esse novo mundo do audiovisual e em uma casa, onde um grupo de artistas acabou ficando na pandemia, a gente perde a nossa lona e o circo Picolino vira essa casa onde a gente consegue reverberar através do audiovisual, uma série de programações que estão disponíveis até hoje no YouTube”, conta.
Ao falar sobre esses momentos, Nina define que “o circo e a Escola Picolino, em si, é uma maquinaria que vai para além do fundador, vai para além das pessoas que estão envolvidas hoje, que podem não estar envolvidas amanhã." "Ela tem uma potência formativa e transformadora, que todo mundo que passa por ela, sendo a pessoa-artista, sendo a pessoa-público, mexe muito com cada pessoa e acho que isso que faz a Escola Picolino ter essa reverberação, essa importância e esse reconhecimento”, ressalta.
Atualmente, a Escola segue oferecendo aulas particulares de arte circense enquanto busca financiamento da Funarte (Fundação Nacional de Artes), ligada ao Ministério da Cultura, para promover as oficinas infantojuvenis em escolas públicas de Salvador. “Elas fazem parte desse programa, então são duas etapas, uma etapa é o circo indo até a escola e a outra etapa são as escolas que conseguem se organizar para ir levarem as crianças ao circo, que é uma vivência diferente”, detalha.
Foto: Acervo / Circo Picolino. Anselmo Serrat dirigindo uma apresentação da Companhia Picolino.
No entanto, mesmo que esse trabalho social já seja relevante, a coordenadora da Picolino defende que o grupo vem trabalhando incansavelmente para trazer de volta o atendimento social, que garante a formação circense continuada para alunos em vulnerabilidade social. “A gente está batalhando para voltar o atendimento social mesmo efetivo, que é o carro chefe da escola, é o que mais interessa em termo e potência de transformação mesmo social”, diz.
Assim como em diversas outras organizações artísticas, as finanças são a maior dificuldade da Picolino. “Estruturalmente a gente vem melhorando, a gente vem junto à prefeitura também desenvolvendo projetos para melhoria estrutural, mas a gente precisa de financiamento para poder fazer os projetos funcionarem”, relata a atriz circense.
E em meio essa reestruturação pós-pandêmica, o Espaço Multicultural Circo Picolino também teve que resistir a uma nova mudança: as obras de revitalização da orla marítima de Salvador, entre Piatã e Pituaçu. “É uma obra de grande porte que ainda vem acontecendo, então tem mais de dois anos que a gente vive o meio. Eles se instalaram ao lado da gente, a sede principal da obra, que estão agora retirando. Então, houve uma série de impactos muito violentos na nossa estrutura. Sem dúvida nenhuma, a gente passou dois anos assim precisando resistir a tudo”, reflete.
Foto: Nti Uirá / Divulgação. Reabertura do Picolino em setembro de 2024.
O FUTURO E REALIDADE DA ARTE
Em meio a tantas mudanças, o futuro já está batendo na porta do Picolino. A estrutura do Circo, que foi tão impactada pela obra ao seu redor, está se preparando para um futuro mais brilhante.
Ao Bahia Notícias, Nina Porto garante que “o Circo Picolino não vai sair do território dele, isso é um fato, embora a gente tenha pedido a lona da gente para chuva." "Então, no meio da obra a gente ficou em um estado estruturalmente muito precário, o Circo Picolino não vai sair do seu território. Pode haver mudanças de local, mas dentro do mesmo território e é um projeto que a gente vem estabelecendo junto à prefeitura desenvolvendo para realizar nos próximos anos”, revela.
Ao falar sobre a importância da iniciação infantojuvenil às artes, Nina conta um pouco da sua própria história. “É muito interessante para mim que eu fui uma dessas crianças. Hoje eu sou uma adulta, sou mãe, mas eu já fui filha e fui uma das crianças que teve a oportunidade de desfrutar [da arte]. Então, quando você é criança, você tá muito despretensioso ainda do que você quer da sua vida”, afirma.
“Quando você tem a oportunidade de estar num centro, como é a Escola Picolino, uma escola fixa, onde existe espetáculo, sim, mas existe um processo de formação e de transformação, tem todo um processo mesmo de descoberta e de desbravar sonho”, conta.
Foto: Divulgação / Circo Picolino
“O circo traz essa linguagem lúdica e exercita coisas tão minuciosas e tão importantes para vida de qualquer ser humano, que vai precisar e não importa se ele vai ser artista, se ele vai ser médico, se ele vai ser outra coisa. Você precisa ter muito conhecimento do seu corpo e deslumbrar as possibilidades, os desafios. O circo te traz isso, então eu acho que toda criança deveria por direito, né, viver uma experiência, ainda que isso não faça dela sua vida”, conclui.
É com essa noção, que o Circo Picolino vai iniciar a comemoração aos seus 40 anos de história com o espetáculo de variedades circenses “Gran Circus” apresentado para crianças de escolas públicas de Salvador, entre 09h e 14h desta quinta-feira (27). A apresentação, que também é aberta ao grande público, é inspirado na história e na alma do circo brasileiro, mescla o circo tradicional com o contemporâneo, com números de malabarismo, palhaço, monociclismo, equilibrismo e aéreos.
Por fim, a produtora garante: “Ir ao circo é uma oportunidade de simplesmente conhecer e ter essa vivência, de sair de uma verdade muito rude e estar em um espaço onde todo mundo cabe, onde todo mundo é possível, onde a gente pode se misturar e aprender novas coisas”, conclui.