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Entrevista

Principal colunista da música baiana, Marrom admite: 'Não tenho talento para ser fofoqueiro'

Por Júnior Moreira Bordalo

Principal colunista da música baiana, Marrom admite: 'Não tenho talento para ser fofoqueiro'
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Aos 57 anos e com mais de 40 destes dedicados ao jornalismo, Osmar Martins, ou simplesmente Marrom, tem motivos de sobra para se orgulhar da carreira que construiu. Roqueiro de nascença, aceitou o apelido dado pela cantora Alcione, firmou terreno no entretenimento e acompanhou de perto todo o desenvolvimento da Axé Music e, não à toa, virou o principal nome do colunismo musical da Bahia.

 

Conhecido e reconhecido por todos do show business, garante que, apesar do interesse das pessoas, seu foco ao longo dos anos se resumiu à vida profissional dos artistas. “Sempre existiu colunismo de fofoca, mas não tenho o talento para ser fofoqueiro. Admiro a Natália Comte, é minha ídola. Acho que sabe fazer uma fofoca como ninguém. Eu não sei. Sigo o principio de – enquanto jornalista – ser o elo entre o artista e o povo e, no meu caso, o que interessa é a vida do artista no palco. Não estou condenando os fofoqueiros, não”, ponderou.

 

Talvez esse posicionamento tenha sido instaurado como um mecanismo de defesa. Gay, negro, vindo de família simples, Marrom sempre deixou sua vida privada no âmbito restrito. Apesar de saber do que acontece com as principais figuras baianas, pouco se sabe sobre os seus bastidores. “Meus pais diziam que tínhamos que manter a família unida, mas que era importante deixar a vida privada no privado. Acho que as pessoas querem conhecer o Marrom. Apesar de ser uma pessoa exibida, sou reservado. E também se eu abrir demais não poderei fazer minhas loucuras”, divertiu-se. No papo, falou ainda sobre a indústria musical, revelou de quem é de fato amigo, desabafou sobre preconceito, apostou no futuro da música baiana e confessou o que ainda sonha em fazer. Confira a entrevista completa:

 

Marrom, você é daqui de Salvador? Como foi sua infância?

Nasci na Liberdade. Minha mãe é de Sergipe e meu pai é de Serrinha. Sou fruto dessa mistura. Minha mãe [que Deus a tenha] ficou viúva três vezes (risos), sou resultado do último casamento e ao total somos sete filhos, mas minha irmã mais velha faleceu no ano passado.

 

Ser jornalista era seu sonho de infância?

Meu pai era motorista de caminhão e nunca me ensinou a dirigir porque não queria que o filho fosse motorista. Minha mãe era dona de casa. Mas, desde pequeno, sempre gostei de quadrinhos, de ler, sabe? Porém, nunca passou pela minha cabeça, tanto que o primeiro vestibular que fiz foi para geologia, não me pergunte o motivo. Tinha um primo que estava na Tribuna e na época o jornal queria contratar pessoas para adequar. Ele me chamou. Estava com 18 anos na época. ‘Não tenho experiência’, disse a ele. Mas como gostava de escrever, ele insistiu. Acabei começando como colunista, coisa que ninguém consegue. Geralmente, esse é o status maior, né? Depois, fui fazer Comunicação Social na UFBA em 1978.

 

Até hoje você é o único colunista de grande repercussão da música baiana. Por que será que mais ninguém conseguiu?

Na verdade, quando o Axé surgiu, muitos jornalistas tiveram preconceito. Meu gosto musical sempre foi do rock, mas já era fã de Gil, Caetano, Gal etc. Em Salvador tinha uma cena musical de barzinho muito forte. Por volta de 1979, tinha uma coluna sobre MPB, e começou esse rebuliço. Já existia o Carnaval, mas era diferente, tínhamos bandas de baile. Veio o Chiclete - que na época era o Scorpions Made in Bahia... Todos os cantores estavam começando. O estouro se deu com Luiz Caldas em 1985. Então, comecei a procurar sobre eles e percebi que aquele movimento não era normal, ‘isso vai dar alguma coisa boa’, pensei. Terminei ficando. Fui o cara certo na hora certa. Não tinha ninguém para fazer e eu já tinha contato com todos. Gostaria até que tivessem outros. Acho que tem um preconceito da classe, as pessoas enxergam como algo menor. Claro que, como todo ritmo, existem coisas boas e ruins.

 

Você iniciou com o Axé, acompanhou o auge do movimento. Como vê esse declínio?

Tem duas coisas. Primeiro, os sertanejos provaram a questão da força em grupo. O Axé não tinha isso. Era cada um por si. Não culpo nem os artistas. Naquela época ninguém sabia o que estava acontecendo, era algo tão grande, sabe? Todo mundo aprendeu na marra. Além disso, é natural que o ritmo caia. É o ciclo. Acredito que nunca irá morrer, mas duvido que seja novamente aquela coisa de ‘vender milhões’. Inclusive, hoje sinto que há um novo gás no ar, de saudosismo.

 

Acredita que "a sede pelo dinheiro" ocasionou isso? Qual foi o grande erro do Axé?

Existia a concorrência como em qualquer seguimento. ‘Farinha pouca, meu pirão primeiro’, né? Claro que teve isso. Cada um quer mostrar seu produto e é natural. Mas isso não significa que seremos inimigos. Faltou união, de olhar pra frente mesmo. Porém, acho que a nova geração entendeu isso e está mudando.

 

Muita gente diz que a música da Bahia é predominantemente negra, mas que quem ganhou dinheiro de fato foram os brancos. Concorda? A que se deve essa afirmação?

Essa discussão é complicada. Acho que tem espaço para todo mundo. Realmente, a base da música baiana é negra, mas todo mundo bebeu da fonte. Sempre gosto de citar o Manolo Pousada (famoso empresário de bandas de Axé que faleceu em 2011), que pegava seu gravadorzinho e ia para os ensaios. Realmente, se tu pensar por esse ângulo... Mas não gosto muito, pois fica parecendo a ideia do ‘branco opressor que pegou a música do negro’. Acho que era uma questão de organização, falta de oportunidade. Deveríamos ter mais artistas negros em evidência, temos Brown, Margareth, Tatau... Porém, todo mundo bebeu dessa fonte.

 

Se o Axé surgisse hoje, os artistas teriam outro posicionamento?

Eles tiveram que aprender na prática. Os grandes escritórios ficavam no Rio de Janeiro e São Paulo. Não tinha nada por aqui. Até eu tive que entrar nesse meio. Virei empresário por uma época. Hoje em dia seria tudo diferente, com todo o conhecimento que eles têm. Mas não foram só os artistas negros que foram prejudicados, vi muitos artistas brancos que subiram e não se mantiveram. O mercado é muito cruel e se não souber lidar com o dinheiro, você morre. Muita gente boa mesmo.

 

Aliás, como você analisa a música baiana atual? O que deve ser observado para o futuro?

Vou falar o óbvio, mas BaianaSystem é unanimidade. Além disso, Afrocidade, ÀttooxxÁ, Baco Exu do Blues. São coisas que na verdade a grande mídia está descobrindo agora, mas já existiam nas periferias.

Apesar das pessoas acharem, você não faz fofoca dos artistas. Por que essa limitação? Por que a vida pessoal não te interessa mesmo nesse mundo dos likes?

Sou de outra geração. Primeiro, interessa para meu leitor? Sempre existiu colunismo de fofoca, mas não tenho o talento para ser fofoqueiro. Admiro a Natália Comte, é minha ídola. Acho que sabe fazer uma fofoca como ninguém. Eu não sei. Sigo o principio de – enquanto jornalista – ser o elo entre o artista e o povo e, no meu caso, o que interessa é a vida do artista no palco. Não estou condenando os fofoqueiros, não. Óbvio que se o artista assassinar alguém, por exemplo, é outra coisa. Segundo, eu, apesar de ser uma pessoa pública, sou muito reservado. E se não quero que a minha seja exposta, não quero expor a dos outros.

 

Você circula pelos principais eventos por onde os artistas baianos estão. De quem de fato você é amigo?

Definição de amigo para mim é quem frequenta sua casa, que você tem intimidade e tal. Conheço todo mundo, tenho boa relação como todos mesmo, do axé, pagode, arrocha, sofrência, mas não gosto de misturar vida pessoal com profissional. Claro que se o artista me chamar para casa eu vou, tanto que já fui para várias em aniversário, batizado, casamento. Porém, acredito que temos que manter certo distanciamento. Minha relação é mais forte com os artistas mais antigos, como Gil, Caetano. Vi Preta [Gil] pequena, Maria. Sou muito amigo de Flora [Gil].

 

Ao longo dessa trajetória, qual o fato mais marcante que você esteve perto?

Primeiro, o impacto de ver o Axé nascer. ‘Eu vi aquilo surgir’. Fui para Barra ver Luiz Caldas sair pela primeira vez. Uma comoção no Camaleão. Foi uma emoção que nunca tinha sentido, sabe? Isso me chamou atenção. Outra coisa que me marcou muito foi quando o Axé explodiu pelo mundo, como no Festival Jazz de Montreux na Suíça. Lá tinha uma noite brasileira, que já teve Elis Regina e tal, e também passou a ter uma noite baiana, coisa riquíssima, um dos locais mais caros que já vi. Outro momento inesquecível foi uma noite com show de Ivete, Margareth e Daniela lá. Ficava: ‘Não acredito nisso’. Mais recentemente uma baiana que reproduziu a festa de Iemanjá – que acontece no Rio Vermelho – no sul da França. Aquilo é incrível. Cada vez que viajo eu me surpreendo com o baiano. E a música sempre é o Axé, entende?

 

Algo que se arrependeu de ter feito?

Não. Não é dizer que sou bonzinho, mas sinto muito falta das pessoas serem mais cuidadosas. Eu não dou o furo pelo furo. Sempre ouço os dois lados. Posso ter me equivocado, mas nada muito grave. Uma das coisas que tenho mais medo é de uma nota errada prejudicar alguém. Uma nota assim você pode destruir uma reputação.

 

Apesar de estar em diversos lugares, você mantém a vida pessoal muito no privado. Foi um posicionamento de defesa?

Sempre fui assim. Meus pais me diziam que tínhamos que manter a família unida, mas que era importante deixar a vida privada no privado. Acho que as pessoas querem conhecer o Marrom. Apesar de ser uma pessoa exibida, sou reservado. E também se eu abrir demais não poderei fazer minhas loucuras.

 

Você é gay e negro. Precisou enfrentar muitas barreiras de preconceito? Como lida com isso?

No outro dia estava até brincando, como minha família é muito misturada, eu não sei explicar [a questão racial]... no meu registro aparece como pardo, por exemplo. Talvez, como fico nesse meio termo, nunca tive o racismo de fato. Meu pai era índio e minha mãe  dentro do padrão do que se chama na Bahia  é branca. Tenho irmã loira dos olhos azuis. Não sofri, pois sempre convivi com todos os tipos. Não sofri também em relação a minha sexualidade, sempre fui uma pessoa discreta e nunca vi nada demais [por ser gay]. Tenho muitos amigos héteros. Não julgo as pessoas pela cor da pele, religião, sexualidade, conta bancária e acho que por isso nunca me julgaram. Não quer dizer que o preconceito não exista. Talvez por ser uma pessoa pública, reconhecida e com um certo status, isso se camufle. Mas sei que as pessoas sofrem.

 

Você é de uma época anterior ao politicamente correto. Acredita que hoje em dia é um mundo mais tranquilo de se viver?

Olha, tranquilo não, mas melhorou bastante. Antigamente essas pessoas não tinham vozes. Hoje com a internet ninguém come reggae, não. Vejo cada embate nas redes sociais (risos). Eu sou muito desligado e sou do tempo que a sigla ainda era GLS. Uma vez, durante a transmissão, disse que o ‘público GLS’ e tal, na mesma hora ligaram para a TV e reclamaram: ‘Olhe, diga a Marrom que ele é tão velho quanto o diploma. Não sei usa mais esse termo’. Foi ali que vim saber que tinha mudado e nunca mais usei. As pessoas hoje podem falar e isso é muito bom. Porém, não gosto de extremos, nem de um lado, nem do outro. Acredito que uma conversa resolve. Entendo quanto tem que partir para o confronto direto, pois é difícil ser preto, pobre, gay... é uma luta para conseguir um espaço. Quem está lá na base deve carregar um peso terrível.

 

Por circular nos grandes eventos, pessoas devem se aproximar de você por interesse. Consegue separar o joio do trigo?

Não se chega na idade que cheguei sem aprender. A TV me tornou uma pessoa pública e popular e hoje sei lidar com isso. Gente que se aproxima querendo ir para as festas ou só para pedir nota na coluna. Porém, sei separar.

 

O que ainda quer fazer?

Gosto muito de viajar. Então, quero diminuir o ritmo, não trabalhar mais todos os dias e viajar bastante. Quero fazer mais produções de projetos. Uma coisa que me orgulha de ter feito foi o 30 anos do Axé com o ‘Globo de Ouro’ no Viva. Quero voltar a fazer projetos especiais.

 

Vai se aposentar do Correio? Como está isso?

 Já está chegando a hora. Não é parar com tudo. É diminuir o ritmo, o dia a dia é cansativo. Quero é viajar. Tenho muita história para contar ainda.