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Entrevista

'Bom Sucesso': Baiano Lucas Leto tenta fugir de estereótipo ao retratar dependência

Por Júnior Moreira Bordalo / Jamile Amine / Rebeca Menezes / Ian Meneses

'Bom Sucesso': Baiano Lucas Leto tenta fugir de estereótipo ao retratar dependência
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

Cria do bairro de Pernambués, em Salvador, e formado pelo respeitado Bando de Teatro Olodum, o jovem ator Lucas Leto comemora o seu primeiro papel na TV com o complexo personagem Waguinho, na novela das 19 horas “Bom Sucesso”. A ida do teatro para a telas têm mostrado ao artista perspectivas antes não imaginadas e o contato com figuras veteranas tem lhe dado sensações nunca antes sentidas. “Desde que eu cheguei na preparação que eu vi Antonio Fagundes do meu lado, Grazi Massafera sentada no chão, no mesmo plano, sem essa diferenciação. Eu fico muito grato, agradecido”, comentou. 

 

Waguinho, um jovem que enfrenta uma dependência química, é para ele um personagem em constante construção, mas numa visão positiva sobre o futuro da história, o próprio Lucas acredita que “no fundo ele precisa de uma oportunidade para mostrar a bondade dele” na trama. Para inspirar o papel, no entanto, Leto foi bastante cuidadoso e procurou não dar um aspecto pejorativo, já que na realidade ele sempre observou por entre as ruas de seu bairro aqueles que sofreram e ainda sofrem ao cair no mundo das drogas. 

 

O marco de fazer parte do elenco de uma novela da Rede Globo tem significado não só para ele como também para pessoas próximas. Inspiração para quem tem a mesma realidade da periferia que o ator viveu, Lucas acredita que é fundamental transmitir a mensagem de “fazer as pessoas acreditarem que elas podem chegar onde quiserem” e, assim, se tornarem pessoas bem sucedidas no que sonham em trabalhar. 

 

Essa fase atual da novela Bom Sucesso está se desdobrando em consequência do plano que foi pensado pelos traficantes de invadir a casa do Alberto (Antonio Fagundes) e seu personagem foi bem central nessa parte. Quando você soube que tinha sido aprovado no teste, você esperava que seu personagem teria tanta importância na trama?
Não tinha e não sabia o que esperar. Nunca tinha feito teste para novela e nunca tinha me aproximado da televisão. Eu sempre estudei e fiz teatro, estava estudando Cinema em São Paulo. Então quando eu recebi o convite para entrar na novela eu não esperava esse boom do personagem. Nem que ele fosse estar envolvido na trama principal e que os atos dele fossem ter várias consequências para os protagonistas. Fico muito feliz, mas muito surpreso também. 

 

"Bom Sucesso" é uma novela que está sendo abraçada pelo público, com audiência acima da média, comentários positivos da crítica. A que atribui esse sucesso? 
Acho que é a soma de vários fatores. A novela tem uma história muito bonita. Ela aborda questões muito sérias, temas que precisam ser falados e eles são falados de maneira sutil sem um grande alarde, porque se não a mensagem não é passada, as pessoas não abraçam. Todo mundo está trabalhando muito bem e feliz, muito orgulhoso de estar participando desse projeto. Os mais velhos tendo generosidade com os mais novos, abraçando quem está chegando... isso é muito lindo de ver. Então quando está todo mundo fazendo um negócio feliz o resultado é esse. Acho que o Paulo [Halm] e a Rosane [Svartman] [autores da novela] são gênios. E a gente é a “orquestrazinha” deles. 

 

E como é trabalhar com grandes nomes, como Antonio Fagundes e Grazi Massafera?
Ainda está caindo a ficha. No início da novela tivemos um processo muito bonito de preparação, que não é normal, não comum em novelas. A gente ficou bastante tempo em preparação para unificar o grupo e todo mundo se sentir junto de verdade, então todo o processo foi muito importante para o que está acontecendo hoje, inclusive esse é um dos fatores para a novela estar nesse lugar que ela está. Desde que eu cheguei na preparação eu vi Antonio Fagundes do meu lado, Grazi Massafera sentada no chão, no mesmo plano, sem essa diferenciação. Eu fico muito grato, agradecido. É só gratidão estar junto desse pessoal e pegar tudo, o olhar, e aprender, só observando o que eles têm para passar. 

 

É a sua estreia na TV. Decorar o montante de textos que você tem é tranquilo ou está tendo dificuldade?
A gente está recebendo o texto com bastante antecedência, então graças a Deus não é um problema de memorizar o texto. Vamos estabelecendo estratégias ao decorrer do tempo para receber e memorizar. 

 

Pelo menos com seu personagem, você tem improvisado nas cenas?
A gente tem lugar para o improviso, sem fugir do conceito da cena, respeitando o que eles escreveram. A gente faz outras versões e eles aprovam. Tem sido um trabalho coletivo. 

 

E a rotina? Vocês gravam quantas vezes na semana? Tem menos dias ou algum tipo de "intensivão"?
Eu aprendi lá que a gente trabalha com "arcos". Com vários "arcos" e várias histórias que se iniciam e terminam. Tem semanas que eu gravo muito, aquela coisa que você passa a semana toda, e tem semana que eu gravo menos. Aí dá para dar uma fugida e comer um acarajé. 

 


Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

 

Você ficou emocionado quando a novela terminou congelada com o seu rosto? Qual foi a sensação?
Quando essas coisas vão acontecendo, vai caindo a ficha. Eu não esperava que fosse terminar congelado com meu rosto, com o rosto do Waguinho. Até agora eu não sei explicar o que é sentir isso, porque de certa forma era um lugar muito distante para um menino de Pernambués alcançar. Ainda penso dessa forma. Quando eu acreditei que eu era dono do meu próprio destino e que eu podia chegar em qualquer lugar que fosse, inclusive em uma novela, eu já aceitava a possibilidade de acontecer, mas foi uma surpresa. Estava saindo de casa, assistindo a novela e parou no meu rosto. "Meu Deus! Parou no meu rosto! Congelou no meu rosto!". Fiquei muito feliz, minha família no grupo do WhatsApp e eu ligando para todo mundo, gritando. É muito gratificante você ver o seu trabalho ser reconhecido e ocupando um lugar que eu não esperava ocupar. 

 

Você fala dessa saída de Pernambués. O Danilo Mesquita, que também é baiano, contou que passou muita dificuldade quando chegou ao Rio de Janeiro. Ele chegou até pensar em desistir, porque não tinha dinheiro para se manter por lá. Como foi esse processo? Você chegou a passar por alguma dificuldade nessa transição?
Graças a Deus parece que uma coisa foi levando a outra. Eu tinha ido para São Paulo fazer o projeto "Mônica Jovem" e lá eu fiz o teste para a novela. De lá eu fui para o Rio de Janeiro, fiquei em cartaz com o musical "Ivone Lara" e no Rio recebi a resposta do teste que fiz em São Paulo. De certa forma eu não tive nenhuma dificuldade, porque eu sempre estava envolvido em um outro projeto, que foi ligando a outro projeto e um outro projeto e, assim, tive o privilégio de não passar por essa dificuldade. Sou uma pessoa capricorniana, então tenho uma coisa de segurança, sair do meu lugar quando eu posso, bem pensado, com uma estratégia, porque eu sei como é. Vários amigos meus que estão em outras cidades me contam uma realidade um pouco diferente disso. Que é comum, infelizmente é comum, principalmente na nossa área artística, que vai fazer alguma coisa lá como ator e acaba tendo que trabalhar com uma outra coisa para se sustentar. 

 

Quem é o Waguinho? Como você pensou na construção dele como personagem?
Quem é o Waguinho? Eu acho que estou descobrindo o Waguinho até hoje. A partir das cenas que vão chegando eu vou descobrindo ele junto com meus amigos e colegas atores, a gente vai construindo, conhecendo mais esse menino. Mas eu acho que o Waguinho é um menino muito inconsequente, porque ele não teve uma base, não teve referências, não teve quem estivesse do lado dele, como eu tive. Acho que o que distancia o Lucas do Waguinho, além das oportunidades, é o afeto, são essas pessoas que me deram base para chegar onde eu cheguei hoje. Ter uma família, ter uma mãe e um pai presente, não ter as questões que ele tem, as dificuldades que ele teve. Pensei o Waguinho nesse sentido e aos poucos fui construindo esse menino, que é carente de um monte de coisa e que no fundo precisa de uma oportunidade para mostrar a bondade dele. 

 

Nesse momento na novela, Waguinho está recebendo apoio de muita gente. Traz uma discussão importante, que é essa questão da mãe ter que ir trabalhar e acaba deixando o filho um pouco de lado e diz que não pode se preocupar com ele, porque tem que sustentar o outro filho. Mas ao mesmo tempo, traz o personagem do padre e da professora, que acreditam nesse resgate. As últimas semanas trouxeram esse processo da casa de acolhimento, mas a Stefany (Ella Nascimento) apareceu oferecendo drogas e o Waguinho acabou tendo uma recaída. Qual você acha que será o caminho do Waguinho nos próximos capítulos? 
Acredito na redenção dele. O Waguinho já mostrou que tem uma bondade dentro do coração dele. Ele é capaz de fazer coisas boas e retribuir esse afeto que está sendo dado a ele pelo padre e pela professora, que nunca desistiram dele. A gente precisa de pessoas assim. É muito importante mostrar esse contraponto do professor Zeca [Elam Lima], que fala que tem que chamar a polícia quando ele está em estado de doença, que é a droga. E a mãe dele, que pelos motivos dela, acaba desistindo dele também. Acho muito importante mostrar esse contraponto, essas pessoas e essas diferenças de pensamento. Acho que o Waguinho tem um caminho muito bonito, eu acho que ele já fez maldades suficientes. Mas eu ainda não sei o que esperar. A gente sabe o que vocês sabem basicamente. 

 

Esse debate é bem atual. Essa questão do "bandido bom e bandido morto". Será que se ele conseguir essa redenção, a situação muda e vira "bandido bom é ex-bandido"...
É o que a gente espera. O que a gente pensa. Ninguém é completamente corrompido. Ninguém está cancelado na vida de conviver na sociedade. A gente precisa acreditar que as pessoas têm uma potência e podem crescer e fazer coisas boas. É isso que o personagem da Francisca [Gabriela Moreyra] e do padre [Guti Fraga] esperam do Waguinho. Ele tem capacidade de mostrar. Não sei agora, não sei se já neste momento ele vai se regenerar, não sei se já nesse momento ele terá a virada, mas é isso que eu, Lucas, espero para o personagem. 

 

Desde o início da novela, o Waguinho tem uma relação conflitante com a Alice (Bruna Inocencio), do ciúmes do melhor amigo e tudo mais. Mas tem a virada, quando ele impede que ela seja estuprada durante o assalto. Você acha que o Waguinho nutre algum tipo de sentimento romântico pela Alice?
Acho que está cedo se há alguma coisa romântica, mas acho que a Alice é uma das poucas pessoas que tocam o coração do Waguinho de verdade e mostra que ele também é capaz, que só ele pode resolver o problema e a vida dele. Por mais que tenham pessoas maravilhosas ao lado dele, acho que a partir do momento que ele acreditar que pode sair dessa, ele vai sair. Ela é essa ponte que fala assim: "Você é capaz de mudar, mas você que vai fazer isso. Não vai ser o padre, não vai ser a professora. Se você acreditar que você pode sair dessa, você vai sair". Acho que a Alice tem esse lugar, não sei por que. 

 

Assim como o Waguinho, você também veio da periferia e conhece a realidade, apesar de não ter sido a sua experiência. Você conhece pessoas que viveram essa questão. Como você tem construído esse personagem para evitar estereótipos para evitar aquela imagem que todo mundo tem do jovem negro da periferia?
Como eu cresci na periferia, [apesar de ser] muito protegido pela minha família, não fiquei isento de ver a nossa realidade, de pessoas com a situação muito parecida com a do Waguinho. Acho que essa vivência já é muito importante para não levarmos esse estereótipo para a televisão, além da minha preocupação. Como é uma coisa muito próxima, acaba sendo muito difícil de fazer. Então, a preocupação sempre foi essa, de não representar essas pessoas de maneira equivocada. Conversei com mães que têm filhos em situação de drogas, conversei com pessoas que já foram dependentes de drogas e estou sempre aqui conversando com meus colegas e pessoas próximas para justamente não errar, não fazer um trabalho que não seja útil. Acho que é útil quando a gente mostra que essa pessoa, que foi para esse caminho, é uma pessoa comum. Uma pessoa que pode ser o que quiser também, mas que pelas circunstâncias foi para esse caminho que não é muito positivo, mas que ela também pode fazer o bem. 

 


Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

 

Você já comentou aqui que não chegou a ver essa realidade porque teve uma base familiar muito forte. Mas ao mesmo tempo ocupa um lugar de exceção, você está na TV Globo, está em destaque e cada vez mais conhecido ao fazer trabalhos muito sérios. Como você se sente nesse lugar? Se sente como um exemplo para os meninos de Pernambués que querem ser atores também?
É até difícil falar isso. Costumo dizer o que foi passado para mim. Tenho o mestre Zebrinha, que diz que a gente é o dono do nosso próprio destino e é isso que eu falo as pessoas que vêm até a mim. Meus colegas que falam que querem ser jogador de futebol, eu falo que sim, que você pode ser jogador de futebol. Você pode ser o que você quiser. Você não precisa ficar fadado a continuar no seu bairro, se você não quiser. Você pode alcançar lugares maiores. É isso. Fazer as pessoas acreditarem que elas podem chegar onde quiserem. Esse é meu pensamento hoje, mostrar que eu saí daqui, que eu tive a mesma base, o mesmo ensino, a mesma vivência que eles, mas posso ocupar todos os lugares que eu quiser. 

 

Você já recebeu alguma mensagem de alguém te agradecendo, se identificando?
Várias mensagens. Pessoal perguntando onde eu comecei a fazer teatro, por exemplo, porque sempre foi um sonho e agora ele vê que é possível. Eu fico muito emocionado, porque eu tive as minhas referências, que foi o Bando de Teatro Olodum, Lázaro [Ramos], Érico [Brás]... E referência é essencial, a gente precisa se enxergar para saber que pode chegar lá. Hoje eu fico nesse lugar, um pouco de medo de ocupar esse lugar e "o que eu posso fazer aqui". Acho muito importante que essas crianças e esses jovens se enxerguem para conseguir chegar lá e acreditar que podem chegar lá. 

 

Você quer que o Lucas seja reconhecido pelo quê?
Acho que pela arte que eu faço. Desde pequeno não sabia como chegar, mas eu já sabia que eu queria fazer teatro, sabia que eu queria fazer arte, já sabia que a arte poderia mudar as pessoas, que poderia mudar a minha realidade. Quero ser reconhecido por isso, por um agente modificador que usa a arte para isso. Para potencializar os meus próximos, os meus colegas, os adolescente de Salvador e do Brasil e conseguir ocupar lugares maiores no futuro. 

 

Você falou de sua formação do Bando de Teatro Olodum. Como foi esse processo para chegar até lá e qual a importância dessa formação para o trabalho que você faz hoje?
Desde pequeno eu já assistia eles. Já sabia que eles faziam teatro e muito parecido com a nossa linguagem, de quem vem da periferia. A partir deles eu vi que eu também poderia fazer aquilo. "Também posso fazer isso, olha eles na televisão fazendo 'Ó Pai Ó'. Olha o filme deles falando que nem a gente, agindo que nem a gente...". Sempre foi um grupo importante para mim. Quando eu comecei no teatro pouco depois, abriu a oficina deles que fazem de tempos em tempo, é uma oficina muito concorrida. Foram mais de 300 candidatos e passaram 30, e eu estava nesses 30. Eu não esperava passar, um menino mirradinho de 12 anos e várias pessoas super preparadas, dançarinos. É importante que eles trabalham essas diferenças de corpos, de tudo. Passei na oficina e fiquei mais 6 anos apresentando espetáculos dentro do grupo. Minha formação toda foi ali, de pivetinho até homem, foi com eles. São minhas referências políticas, minhas referências artísticas, ali eu comecei a me questionar sobre as coisas, a questionar o modo que a gente vive e acreditar que eu poderia mudar com a minha arte. 

 

Porque você decidiu acabar com o "Canal Flopou"? Ainda tem amizade com o Rafaela Azevedo e o Felipe Marcel?
A gente decidiu terminar o canal porque cada um começou a fazer uma coisa. Chegou naquele lugar que cada um foi para seu lado. Marcel ficou muito atarefado com o trabalho dele, eu precisava trabalhar. O canal precisava de muita atenção para editar, para gravar e cada um chegou a se encaminhar e decidimos que era o momento. 

 

Quais são os próximos passos na carreira? Já está pensando no que fazer depois da novela?
Pretendo continuar estudando cinema. Estou gostando muito de fazer televisão, estou muito feliz e aprendendo muito. É muito engraçado como é a arte, a interpretação, mas que é uma linguagem completamente diferente. Pretendo continuar estudando mesmo, focando e me especializando para fazer trabalhos cada vez mais fortes, mais orgânicos. 

 

Sobre a dublagem que você praticou quando trabalhou com a "Turma da Mônica" e que curtiu fazer, como anda isto?
Tenho muito vontade também. Como televisão é um sistema muito diferente, eu quero experimentar. Estava em São Paulo estudando exatamente isto, pretendo voltar a estudar e o que vier é só convidar bebê (risos). Quero fazer filme, quero fazer série, quero fazer tudo. Quero que todo mundo assista a novela para acompanhar essa história que está muito bonita, que fala da literatura, fala da vida e essa importância de viver de verdade e essas questões importantes que a gente toca todos os dias, como a história do Waguinho, a história da Nana e outros personagens.