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Entrevista

Ex-TV Bahia, Jefferson Beltrão fala dos telejornais locais: 'Sinto falta de notícias'

Por Júnior Moreira

Ex-TV Bahia, Jefferson Beltrão fala dos telejornais locais: 'Sinto falta de notícias'
Foto: Paulo victor Nadal / Bahia Notícias

“Fiquei meio sem chão, já que estava na Rede Bahia há 27 anos. Porém, depois que aconteceu [a demissão] e eu pude me reencontrar posso dizer que foi a melhor coisa, pois expandi minha área de atuação. Hoje, tenho uma qualidade de vida melhor e dependo mais de mim”. Assim pensa Jefferson Beltrão, apesar de confessar que aceitaria trabalhar lá novamente. Há três anos, o jornalista passou por um momento delicado de sua vida – o desligamento da afiliada da Globo – e se reinventou. Para se ter uma ideia, atualmente ele é gestor, locutor e apresentador da rádio A Tarde FM, comanda um programa de entrevistas na TV Assembleia, promove e ministra cursos de oratórias e até virou empresário do ramo da papelaria. Atividades inviáveis, caso seguisse como editor-chefe e âncora do “BATV”.

 

Jefferson começou a trabalhar com comunicação em 1978. Aos 16 anos, integrou o time da rádio Vanguarda de Varginha, em Minas Gerais. Na época, sua vontade era concluir o antigo segundo grau e fazer Odontologia. Perseguindo o desejo, mudou-se para o Rio de Janeiro em 1980, foi reprovado no vestibular para Odonto e acabou novamente em outra rádio. “No meio do ano, por influência, resolvi fazer Comunicação Social com Jornalismo e não saí mais. Estou até hoje. No Rio, passei por alguns sistemas de rádios, como a Eldorado, do sistema Globo, Ipanema, Capital e Fluminense”. Quatro anos depois, recebeu o convite da extinta Manchete para trabalhar em Salvador. Por aqui, passou pelo Correio da Bahia, TV Aratu, Itapoan, Globo FM e Salvador FM. “Já são 33 anos aqui e acabei fortalecendo um pouco mais a minha relação com a Bahia”. Na entrevista, Jefferson ainda avaliou os programas jornalísticos das emissoras locais e admitiu que "sente falta de notícias" em alguns deles. Confira a entrevista completa:

 

Jefferson, ao longo da carreira, você conseguiu diversificar suas atividades, passando pela TV, impresso e rádio. Tem algum preferido? Ou aquele que considera mais difícil?

São experiências muito diferentes. Mas se existe uma paixão, talvez seja o rádio. Foi minha primeira atividade profissional e estou nele até hoje. São 40 anos de rádio e adoro. Bom, não diria o mais difícil, mas considero o que vai mais de encontro à essência do jornalismo: o impresso. Tanto que recomendo aos colegas não deixar de passar por uma redação de impresso, pois é a chance de trabalhar seu texto, de exercitar o jornalismo unicamente com a linguagem escrita. O esforço é maior. É a grande escola do jornalismo.

Desde 2015 você é apresentador de A Tarde FM. Qual o desafio de se fazer rádio nos dias atuais? Como prender o público que está cada vez mais disperso?

Você está tocando no ponto que é o grande desafio: como acessar essa rapaziada que está inserida nos meios digitais. Acho que um dos grandes recursos é você também estar nos meios digitais. Tanto que a gente tem apostado bastante nessa área, através dos sites, redes sociais. Fazemos questões de criar pontes entre o público e o meio digital. Outro ponto é acompanhar o próprio perfil desse público. O que eles desejam, o que querem... temos que ficar atento ao que eles pensam, quais sãos os comportamentos. Falo isso, mesmo entendendo que A Tarde FM é consumida por um público mais adulto.

 

Conseguem chegar no público adulto para o qual vocês pensam a rádio?

Conseguimos. Ao todo, 70% dos nossos ouvintes são formados por pessoas de 40 anos para cima. Então, pegamos bastante o público adulto. Isso se deve, inclusive, ao fato de termos uma proposta de programação mais adulta mesmo. Não abrimos tanto espaço para esses ritmos mais batidos, que têm a ver com o público jovem. Exploramos músicas dos anos 70, 80 e 90 e obviamente as atuais, mas prezando o público mais voltado para uma programação de qualidade. Sem aquele viés meio popular. Não tocamos axé, pagode, ritmos mais populares.

 

Além disso, você tem atuação com a formação de novos profissionais. Acredita de fato no jornalismo após todos esses anos de carreira?

Acredito. Acho que o jornalismo está passando por uma fase em que aumentou a obrigação de exercitar a uma atividade séria, correta, precisa e responsável. Somos bombardeados com notícias duvidosas, em grande parte pela possibilidade de qualquer pessoa poder produzir informações. Então, tornou-se, na minha opinião, muito mais importante a necessidade de fazer um jornalismo sério para contribuir para o crescimento das pessoas, que é o grande propósito do jornalismo. Você lida com informação e com interesse das pessoas. Acho que o jornalismo está na melhor fase, no sentido de mostrar, de deixar claro que ele é capaz de fazer um trabalho sério.

Mas, como você disse, tem essa questão de todo mundo poder produzir conteúdo e se dizer jornalista...

Acho essa questão positiva total. De fato, é uma quebra de paradigmas em relação ao que se vinha presenciando, não só para quem passa a produzir conteúdo, mas para o próprio jornalista, né? Nesse esforço de apurar, de produzir conteúdo e tudo mais. De ter também inúmeras ferramentas que facilitaram o acesso à informação. Com a tecnologia não tem volta. Porém, penso que com essa facilidade toda, o jornalista - que em tese preza pela veracidade daquela informação – precisa redobrar o esforço, já que ele está rodeado de várias outras informações. A essência se mantém, que é o esforço de permanecer correto, preciso, claro e ágil. Apenas as ferramentas se tornaram mais fáceis. O profissional tem muito mais riquezas para explorar todo o conteúdo.

 

Com todo esse acesso e mundo conectado, muitos dos novos profissionais de comunicação têm carregado a vontade de ser "jornalistas celebridades", com a vida muito exposta nas redes sociais, por exemplo. Cenário diferente da época em que você começou. O que pensa sobre isso?

Respeito. É o direito de qualquer um de conquistar fama através de sua atividade profissional. Só que, para mim, o maior patrimônio que o jornalista pode ter é a credibilidade. Penso que é ela que o credencia como alguém confiável, que vai merecer a minha audiência e aplauso. Tudo bem você se projetar nas redes sociais, mas credibilidade não é sinônimo de fama. Chamo atenção para esse detalhe. Credibilidade você conquista ao longo da carreira. O exercício de respeitar a ética profissional tem muito mais condições de torná-lo conhecido, respeitado e famoso. Claro que você tem que estar atento às redes sociais também. Claro que podem dar margens a alguns riscos, mas são ferramentas disponíveis para serem aproveitadas da melhor forma possível. Admiro profissionais que fazem bom uso dessas ferramentas e acabam se projetando também. Porém, nós jornalistas não devemos esquecer do cuidado de prezar pela nossa credibilidade.

 

Acredita que as emissoras estão objetivando tanto apresentar profissionais com perfis mais populares e deixando o caráter essencial do jornalismo em segundo plano?

É uma questão bem delicada para ser trabalhada pelas emissoras de TV. Muitas vezes, por conta de querer usar uma linguagem mais próxima do público e focar em um assunto com o viés mais popular, talvez corra o risco de deixar de dar a notícia. Às vezes, sinto falta de notícias quando assisto a esses programas que têm a pegada mais popular. Uma coisa é abordar um determinado assunto e ficar trabalhando todas as suas possibilidades, outra coisa é não sair do assunto quando você percebe que acabou. Então, quando começa a explorar demais um determinado assunto, acho que o jornalismo deixa de ser um prestador de serviço e passa a ser um pretenso paladino da justiça. Fica aquela coisa apelativa, meio sensacionalista. Acho que o jornalismo pode ser uma ferramenta para exercitar a cidadania, a condição de fiscal da sociedade, uma posição de quem está ali para contribuir com determinado assunto. Agora, quando você traz para si a responsabilidade, como se você fosse aquele representante do povo, acho que perde um pouco a proposta essencial do jornalismo e fica algo meramente de apelo popular. A gente não pode subestimar a inteligência do público. Porém, acho correto que as televisões optem por uma linguagem popular, pois é uma tendência natural de falar a linguagem do público, de se aproximar cada vez mais dessas pessoas. Contudo, você pode fazer isso com credibilidade, critérios e profissionalismo. Você não precisa fazer isso perdendo a precisão e qualidade.

 

Com essa busca pela popularização "exacerbada", onde você acha que vai o telejornalismo baiano vai parar?

Espero que fique cada vez mais profissional. Acredito também que a tendência é se adequar a esse público. É assim que a gente faz comunicação. Foi-se o tempo em que os veículos eram meramente referências de comportamento. Hoje, são espelhos e reflexos da própria sociedade. O esforço de saber como seu público se define é obrigação nossa e sempre existiu. Atualmente, com os recursos que temos, a aproximação é inevitável e, quando isso se acentuar, espero que não haja a diminuição do ser profissional. Não abro mão de manter a essência.

 

Qual sua opinião sobre o atual momento do telejornalismo local?

Você tem muitos produtos que prezam pela precisão da informação, mas na grande maioria você percebe essa pegada popular. Acho que algumas dessas televisões fazem isso muito bem e outras que estão investindo mais agora, estão aprendendo.

 

Falando de fato da TV Bahia, há um consenso que antigamente ela era para o público A/B, hoje tenta ser para o público C/D, mas ainda não conseguiu e ainda perdeu seu público de origem. A impressão é que não se sabe para qual público ela fala atualmente. O que você pensa sobre isso?

A percepção ficou evidente de um tempo para cá, com a ida de Jéssica Senra para o "Bahia Meio Dia" criando algo totalmente popular. Penso que é exatamente esse o desafio da TV Bahia: fazer dessa proposta algo que tenha relação com seu perfil tradicional. A TV Bahia, e a Globo em geral, tem muita competência para isso. Temos inúmeros casos que não nasceram na Globo, mas quando foram para lá ganharam uma roupagem mais "qualificada", a exemplo do Chacrinha, Faustão e Ana Maria Braga. A Globo tem um padrão de qualidade que vem se preservando ao longo dos anos. Tudo bem, não vou entrar no mérito se é um padrão bonito ou feio, mas ele existe e continua sendo líder de audiência em geral. Acho que a TV Bahia está aprendendo e apanhando. É um momento de transição, em que está passando pelo formato engessado para o mais solto, porém ainda buscando um ponto.

Você acha que se adaptaria a esse formato que a TV Bahia está buscando?

Acho. Até porque é uma necessidade de adequação ao mercado. Talvez, sentisse dificuldade de fazer algo muito popular, muito apelativo, pois não venho dessa escola. Porém, se for para fazer algo popular, mas com qualidade, elegância, equilíbrio e responsabilidade, iria me empenhar ao máximo.

 

Salvador é uma das únicas praças do Brasil em que há problema de audiência para uma afiliada da Globo. Por que acha que isso acontece?

Desde quando vim para a Bahia percebo que o público de Salvador é iminentemente popular. Não é à toa que as rádios populares são líderes de audiência há anos. Acredito que é em função da cultura do baiano, do soteropolitano, que é muito peculiar, específica em relação ao resto do Brasil. Às vezes, aquela coisa muito certinha não dá certo aqui. Tem que ter uma quebrada, uma certa irreverência. Não significa que você não possa fazer um produto sério, mas é preciso quebrar um pouco essa formalidade para dar certo. Talvez, seja uma das explicações.

 

Você foi editor-chefe do BATV até 2015, quando foi desligado. Olhando hoje, por que acha que isso acorreu?

Era um movimento que já vinha acontecendo com várias afiliadas. Eu entendo. O grupo achou por bem me incluir no enxugamento do corte de pessoal. Acredito que foi uma decisão que hoje avalio como a melhor. Interessante, pois no primeiro momento não esperava, fiquei meio sem chão, já que estava na Rede Bahia há 27 anos. Porém, depois que aconteceu [a demissão] e eu pude me reencontrar posso dizer que foi a melhor coisa, pois expandi minha área de atuação. Hoje, tenho uma qualidade de vida melhor e dependo mais de mim. Respeito e agradeço toda a experiência que tive lá. Saí sem ressentimento e tenho certeza que muito respeitado pelas pessoas com quem trabalhei.

 

Aceitaria voltar para a TV Bahia hoje?

Sou um profissional. Se surgir um convite, certamente vou avaliá-lo e, se for do meu interesse, não teria ressentimento nenhum. Eles foram corretos comigo quando decidiram me desligar. Temos uma relação harmoniosa e saudável até hoje.

 

Qual o recado que deixa para essas pessoas que desejam fazer jornalismo mesmo diante de um mercado de trabalho tido como “complicado”?

Olha, desde que fiz faculdade ouço dizer que é o mercado é cruel, está fechado e não oferece as melhores oportunidades. Acredito que o mercado quer sobreviver, as empresas de comunicação querem bons profissionais e é o profissional que faz a sua reputação. O que posso dizer é o seguinte: se é o que você quer, se é o seu foco, seja persistente, correto, responsável e humilde. Você vai errar pelo caminho, mas são as grandes oportunidades de crescimento. Você precisa ter paixão com propósito e procure sempre se qualificar. Se existe um diferencial hoje chama-se qualificação. Muitas vezes, a gente embarca nessa aventura sem saber o que vai acontecer daqui a dez anos, o que é natural, mas não significa que você não precisa de planejamento, plano B. Saber lidar com as crises é uma necessidade nossa.