À frente da Banda Simpatia, Carla Visi valoriza o axé dos anos 90: ‘Tem que ter resistência’
por Bárbara Gomes

A banda veio com uma proposta de relembrar o tempo áureo do axé. Como vocês pretendem manter essa essência dos anos 90?
Carla: Na verdade manter não é difícil, o difícil é convencer às pessoas de que esse modelo é um modelo legal que pode tocar nas rádios. Porque a música popular, não a popular brasileira, mas a música popularesca, a comercial, ela muda muito porque é de moda. Mas o axé tem características muito fortes da música afro-baiana, que precisa naturalmente fazer parte da mídia, do repertório das rádios; está presente nos calendários, nos eventos, na Bahia. É uma música nossa. É como se dissessem que em Pernambuco não se toca mais Frevo. Seria um absurdo! Pode-se depois, com muitas discussões, dizer que o Axé se tornou muito comercial, mas a gente tem todas as bases para fazer uma música boa.
Bolão, Carla Visi e Rudney / Foto: Fernando Duarte / Bahia Notícias
Vocês acham que as misturas de ritmo e as letras, ou melhor, a falta de letra contribuiu pra uma crise no axé?
Bolão: Pelo meu ponto de vista, eu que fiz parte da banda no passado e estou de volta agora, com uma visão de quem tá vendo de fora, porque passei 16 anos em São Paulo, a leitura que eu faço é que aqui na Bahia as pessoas evitaram fazer a música baiana e tornaram mais pop. Fugiu das raízes. Há um movimento de tornar menos baiano e mais pop, enquanto o mundo quer ser a Bahia e a Bahia tá querendo ser pop. Simplesmente ignoraram de fato as nossas raízes musicais. O tambor da Timbalada, do Olodum, do Ilê Ayê se perderam exatamente aí! A nossa proposta é fazer a boa e velha música, com os tambores da Bahia, com a interpretação de Carla que sempre foi marcante; um conteúdo musical muito forte, bons músicos e arranjos. Não sendo muito elitista, nem medíocre demais. Tem uma linha tênue que é perigosa e a gente sempre trabalhou em cima dessa linha muito bem.
Qual banda na atualidade vocês consideram que soube manter as raízes do axé e pode ser uma referência?
C: Todas as bandas do fim da década de 90 que estão tocando até hoje são ótimas referências. Na verdade, a dinâmica do mercado que é extremamente cruel. Não é só a necessidade do artista se manter na mídia. Agora a onda é o arrocha.. Aí toca. Não, agora é o sertanejo. Isso termina pro artista, que está no auge do sucesso, sendo uma cobrança muito grande. Para manter uma característica, identidade e não ser influenciada por esses modismos. Tem que ter muita fibra, muita resistência pra não ser influenciado pelos modismos. Mas como nós estamos na Bahia e temos um compromisso cultural como artistas, não somos apenas fama e sucesso. Não é só fazer música para obter dinheiro. Aí entra outra linha tênue, que é entre a fama, o sucesso e a qualidade. O Cheiro de Amor deu sua contribuição por muito tempo. Eu gosto do nome crise no axé, por que é um momento oportuno de criar, você tira o s e fica crie. Eu vejo hoje no cenário da música baiana muita gente talentosa, mas que precisa apenas que haja. Não só o apoio empresarial, não. Mas consciência para valorizar essa música. Sempre tivemos músicas de duplo sentido, de poesia pobre, mas hoje carece um certo cuidado. E eu acho que cabe a todos nós artistas, e falo também como jornalista. Não precisamos descer tanto pra manter o público.
Quem incentivou a juntar todo mundo e colocar a Banda Simpatia para tocar?
B: Praticamente todos juntos, [Carla Visi destacou, neste momento, que foi convidada e Bolão foi quem idealizou o projeto]. Mas eu costumo dizer que homem sozinho não é nada, nem corno! Eu postei uma foto muito antiga da banda quando estávamos no Raul Gil. A gente se divertia demais naquela época e Carla lembrou disso. Então eu a convidei para fazermos um show, mas deixei a ideia esfriar um pouco para não chamar atenção. Aí fizemos uma reunião e Rudney assumiu o lugar de Vicente Santa que não pode estar nessa formação por problemas particulares. É a mesma formação de 1996, quando nós vendemos milhões de cópias. Os dois shows que vamos fazer é em comemoração a esse álbum.
Bolão (percussionista) / Foto: Fernando Duarte/ Bahia Notícias
B: Carla não saiu por que quis. [Isso é passado, interrompeu Carla]. Foi um interesse musical dos empresários que Marcia Freire voltasse. Foi uma decisão tomada por eles, achando que era o melhor para a banda. Como consequência, nós fomos saindo aos poucos.
Carla, você não parou de cantar nesses anos, mas as pessoas não tinham tanto acesso aos seus trabalhos realizados. O que você fez nesse tempo?
C: Fiz muitas coisas. Me tornei mãe, me formei na Faculdade Federal em Jornalismo, fiz pós-graduação em Gestão Ambiental. Além disso, viajei o mundo inteiro representando a música brasileira e mostrando a nossa música que é tão mestiça. Fiz alguns discos, em homenagem a Gilberto Gil; fiz um disco concebido para o público internacional, para uma turnê na Europa e no Japão e depois fiz um projeto específico chamado “Encanto Mestiço”; também tive a oportunidade de gravar um disco em homenagem à Clara Nunes. Tenho cantado mais samba, música afro-brasileira, levando para o mundo isso por que as pessoas gostam e valorizam. Eu me sinto muito feliz em poder representar essa cultura mestiça, como uma pessoa afrodescendente e relativamente culta, porque lá fora se cobra muito o conteúdo. Tem sido uma caminhada muito prazerosa.
Para a estreia da banda Simpatia, mesmo com tanta experiência ainda surge a ansiedade, ou até mesmo aquele conhecido “frio na barriga”?
C: Eu não tenho. Sou praticante de Yoga muito tempo. Mantenho uma certa calma. Na verdade, é um momento de celebração, então entendo que algumas pessoas tenham nervosismo, mas é um momento mais pra se comemorar que se temer. Eu faço música com tanto amor que o antes do show é mais complicado que o próprio show, que é um momento mágico. Antes tem que conciliar as coisas do dia a dia, tem filha pra pegar na escola e mil atividades. Mas a gente que é mãe, tem casa pra cuidar, conta pra pagar é mais difícil, mas quando chega no palco é a hora boa, a hora gostosa.
Rudnei: Eu tenho frio na barriga pra várias atividades na música, porque é sempre uma descoberta. Esse show, por exemplo, eu não sei como vai ser em relação ao público. Isso é novo! Não fiz parte da banda, mas acompanhei na época. Existe uma expectativa das pessoas em relação a gente. Isso dá um frio gostoso, não é nervoso.
Vocês também vão apresentar música nova para o público. Como tem sido a seleção do repertório?
C: As pessoas que estão aliadas a esse projeto são muito especiais. Temos muito carinho, então isso já é um motivo pra gente se reunir e tocar. Mas a provocação é a saudade de um público que me cobra até hoje. As pessoas querem ouvir “Vai sacudir vai abalar”, “Aviãozinho”, ˜Quixabeira˜. É muito importante a gente ressaltar que mantemos os arranjos não por preguiça, mas por exigência do público. O que selecionamos de novo são canções de amigos, mas mantendo a sonoridade do Axé. A música nova “Menino” tem uma coisa afro-brasileira, do samba de roda. Isso faz parte do nosso histórico. Nós temos todos os elementos, basta pegar e trabalhar como artesão, com carinho. Vamos continuar fazendo música com muito amor que é o que sabemos.
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