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Entrevista

Cantor da Duas Medidas diz que banda é mais famosa no interior e questiona rótulo de Mauricinho: 'Sofremos preconceito'

Por Marcela Gelinski

Cantor da Duas Medidas diz que banda é mais famosa no interior e questiona rótulo de Mauricinho: 'Sofremos preconceito'
Fotos: Tiago Melo
Com seu jeito maroto, Lincoln Senna chegou tímido, meio acuado, mas logo mostrou para o que veio. Com um discurso consistente e cheio de frases de efeito, o cantor fala da pressa que as pessoas têm em julgar uma banda e como essa ansiedade a prejudica o cenário musical. Ele diz que não se importa com o rótulo de "banda de Mauricinho". “Preconceito se combate é com trabalho e com verdade”, pontuou. Lincoln ainda fala sobre seus exemplos de carreira e sobre o mercado artístico baiano. “Tem espaço para todos aqueles que fizerem com verdade e se mantiverem firmes”, acredita. 


 
Fotos e vídeo: Tiago Melo / Bahia Notícias

Bahia Notícias - A banda Duas Medidas é recente, mas já teve grandes oportunidades, como Festival de Verão, Sauípe Folia, Réveillon do Farol da Barra, entre outros. Como vocês apoveitaram essas chances para alavancar a carreira?
 
Lincoln Senna - Acho que todo artista pede e preza em sua carreira por um palco para manifestar sua arte. Então, a gente tenta buscar em todo momento e aproveitar essa oportunidade em todos os sentidos, principalmente dialogando com seu público e fazendo um bom trabalho. De segunda a segunda a gente pensa sempre em criar coisas novas. Então aproveitamos dessa forma, trabalhando, se empenhando e focando sempre.
 
BN - O som da banda é principalmente o axé, mas vocês tocam outros ritmos, como arrocha e ritmos mais românticos, como essa última música lançada no dia dos namorados. Vocês pretendem dar um rumo diferente no sentido de gênero musical?
 
LS – Acredito que quem se autodenomina acaba se limitando. E a gente busca a denominação axé, como o próprio precursor Luiz Caldas diz, porque o axé music é um grande caldeirão. Então, quando você vai fazer um estudo histórico do que é o axé music, acaba descobrindo que o axé é que permite esse diálogo entre ritmos. Daí também a explicação do próprio nome da banda, Duas Medidas. São duas medidas que se dialogam e se traduzem em ritmos musicais, em manifestação musical. Então, a gente acaba trazendo para nossa plataforma musical estilos que dialogam, mas nós somos axé music.


 

BN - Você não acha que essa mistura de gêneros dificulta a identificação da banda para o público? Isso não cria um problema na fidelização dos fãs?
 
LS – Nós temos dois jargões que a gente bota como nossa plataforma de filosofia. Um é: não ser nem melhor, nem pior, apenas diferente. E o outro é: se é para copiar e colar, a gente fica em casa. Eu sou formado em Educação Física e o sonho de meus pais era que eu seguisse o caminho dos estudos. Meu pai é professor. Eu tinha todo um projeto para lecionar no ensino superior e, de repente, eu faço um 180º e busco justamente música. Música que é algo incerto, é algo que muitas pessoas dizem que é sazonal. Então, é algo que sempre traz grandes surpresas, não tem uma rotina. Então, para escolher uma profissão como essa, eu acho que você tem que se manter livre o suficiente para fazer o que você ama. E se o que a gente ama é justamente ser plural, a gente não vai perder nunca essa liberdade. E graças a Deus, nesses quatro anos, a gente vem conquistando nosso espaço e eu acredito justamente nas pessoas terem um anseio pelo diferente. Não é pior nem melhor, apenas diferente. Nesse mês de junho nós temos 16 shows e somos uma banda de axé e a gente encara isso com muita humildade e, sobretudo, com muita responsabilidade, porque estamos em uma época que talvez só os grandes nomes da axé music estariam furando esse bloqueio e nós temos conquistado esse espaço. A gente atribui que seja por essa pluralidade. E, por um lado pode dificultar, mas meu pai mesmo me ensinou, não existe almoço grátis. Você perde algumas coisas e ganha em outras. Se tiver sua liberdade alicerçando isso tudo, melhor ainda. Estamos ganhando.
 
BN - Vocês são mais conhecidos aqui na Bahia, mais especificamente em Salvador. Pretendem expandir a carreira para o resto do Brasil ou é muito cedo?
 
LS - Nós abrangemos realmente todo estado da Bahia. São muitas cidades do interior. Porém, onde a gente acha que é menos conhecido é em Salvador e é onde a gente menos toca. A gente atribui que nesses quatro anos o que conhece das Duas Medidas é por um grande trabalho feito nos primeiros anos. Talvez as pessoas que trabalhem em shopping, academia e afins é que conheçam justamente o trabalho que nós fazíamos no início da nossa carreira. Então, no começo, quando tínhamos os ensaios na antiga Maddre, nós juntávamos os cinco e saíamos de loja em loja em todos os shoppings, em todos os pisos, oferecendo nosso trabalho. Oferecíamos o CD, convidávamos para assistir ao ensaio. E isso nós fizemos durante muitos anos. Quando saíamos dos shoppings, o que fazer com o tempo ocioso, se lá fechava às 22h? Nós íamos para os hotéis. Ficávamos até 4h trabalhando silenciosamente aos olhos da mídia. E pela manhã, nós panfletávamos e distribuíamos nossos CDs nas academias. Então, isso é que eu acho que fez com que nossos ensaios no domingo estivessem sempre cheios. E a gente sabia que enquanto personagens da música éramos meros coadjuvantes. Éramos protagonistas de nosso trabalho durante toda semana. Então, o que as pessoas conhecem da gente aqui em Salvador foi esse período em que nós passamos por aqui, trabalhando corpo a corpo. Em Feira de Santana é que eu poderia dizer que fincamos a nossa bandeira, que é a nossa casa realmente. Ganhamos como Revelação no ano passado. Este ano, o que emocionou a todos nos bastidores, nós disputamos como Melhor Banda de Axé. E a gente reconhece que o momento que a gente vive não é para disputar com grandes nomes que temos até como referência. Mas já que foi dada essa largada, estávamos ao lado de Timbalada, Chiclete com Banana, Asa de Águia e ficamos entre os primeiros. Então, a gente é conhecido muito mais em outros municípios do que na nossa própria cidade.
 
BN – Vocês têm alguma banda que utilizam como exemplo de carreira?
 
LS - Nós temos banda e temos também outros setores que transcendem a música. O nosso clipe “QQ ISSO BB”, por exemplo, apesar de nós sairmos nus no final do clipe, você percebe que não tem nenhum teor de sensualidade. A gente acaba se travestindo de mulher e eu acho que para o imaginário das mulheres que assistem  isso não conquista. Acho que o óbvio seria aparecer todo mundo bonito, arrumado. E ali a gente manifesta justamente o que nós queremos com a arte, com a música. E é ir além da música. A gente quer fazer do palco físico, que é onde tem o show, e do palco virtual, que é o que vocês assistem através da internet, a manifestação da nossa arte. Então, nós temos como referência não só a música, mas o Bando de Teatro Olodum, o teatro que acontece muito no Pelourinho, que a gente faz muito trabalho de pesquisa, laboratório. E musicalmente falando, temos nossos artistas made in Bahia. Acabamos de conhecer Saulo Fernandes e é tão bom quando você admira um ídolo e o ser humano corresponde com toda a personificação que você faz. Ele deu muitos conselhos pra gente, então é um cara que nós admiramos muito. Admiramos muito aqueles que vão contra a maré. Admiramos Tomate, o Harmonia do Samba enquanto musicalidade e conceito de família.

BN - O que você acha do crescimento de tantas bandas pequenas na Bahia? Acho que tem mercado pra todo mundo ou o público vai começar a selecionar?
 
LS - Vou usar um clichê e dizer que o sol nasceu para todos, realmente. Mas tem uma frase que é do personagem Rocky no filme, com Sylvester Stallone, e que a gente lembra muito na hora de fazer nossas orações antes de subir no palco. “Nada vai bater mais forte do que a vida e vai vencer não quem bater mais forte que ela, mas quem se mantiver na posição e não desistir”. É mais ou menos assim a frase. Então, o sol nasceu para todos, tem público para todos. Mas aquele que se mantiver na posição em busca de seu sonho, o público automaticamente vai selecionando e reconhecendo a sua verdade. Se você estiver procurando fazer um trabalho de qualidade, com respeito ao próximo, mas sobretudo você se mantiver forte, você vai conquistar o seu espaço. A Duas Medidas tem quatro anos e existem outras bandas que surgiram com a gente. E nós vemos muitos colegas que desistiram de seus sonhos, porque realmente é muito complicado. Quem vive da música tem que pagar suas contas. Mas tem uma coisa que uma vez me perguntaram em uma rádio. “Como é que vocês se sentem de ver bandas que surgiram depois de você, passando por vocês como um foguete?”. A vontade que eu tive foi de falar que, enquanto veículo de comunicação, não é legal quando você fomenta uma disputa, semelhante ao capitalismo selvagem. E a resposta que eu dei foi que a gente fica feliz quando vê colegas que vão conquistando seu espaço, independente de surgir antes ou depois. Mas a gente não quer ser foguete, que sobe e ao chegar na última camada, acaba perdendo fôlego e cai. A gente não quer ser chuva de verão. Então a gente quer sempre fazer um trabalho consistente, respeitando. Tem espaço para todos, mas para aqueles que fizerem com verdade e se mantiverem firmes.
 
BN - Você acredita que vão resistir a essa seleção natural?
 
LS - Nós já passamos por muitas provas e o mérito todo de nós termos chegado até aqui é da música. Nós não temos um trabalho forte de rádio. Você não ouve a Duas Medidas na rádio e quando chegamos em outras cidades da Bahia, de outros estados, ficamos impressionados. Como é que chega nossa música lá, se ela não é trabalhada sequer na rádio onde nós moramos? Ela chega lá é através de um grande advento chamado internet, de uma grande plataforma chamada rede social e que permite que o nosso trabalho se projete em lugares que a gente nem imagina. Então eu acho que já estamos sobrevivendo a essa seleção natural. Com o respeito ao nosso público, por muito amor ao nosso trabalho e é isso que a gente quer da vida. Acho que o importante é ter o foco estabelecido. Seleção natural é para os fortes e somos fortes o suficiente para seguir o nosso sonho.
 
BN - Algumas pessoas os consideram uma banda de mauricinhos. Você concorda?
 
LS – Acho que é Nietzsche que fala "amo todos aqueles que, inclusive, pensam diferente de mim". É muito gostoso você ser palco de discussões. Esses caras são mauricinhos, são playboys, são homossexuais? Eu acho que é bacana quando você está no meio da discussão. Não que a gente queira buscar a polêmica, porque a gente não pediu para ser chamado de mauricinho, não é verdade? Mas todos nós sofremos e praticamos preconceito. Todos nós somos pratos e comemos nos pratos. Com relação ao playboy, eu acho que até eu me julgaria assim. Eu não entrei na Duas Medidas na formação. Quando eu vi os caras tocando, eu falei: “Que banda de mauricinho”. Só que a realidade é outra. Então, o preto, o branco, o bonito, o feio. Se o cantor é negro, falam: “Esse cara não vai conseguir porque é negro”. Se o cara é branco, falam: “Esse Parmalat vai conseguir alguma coisa?”. Então todos nós somos vítimas de preconceito. Eu não concordo com o rótulo de mauricinho porque eu conheço a minha realidade. Eu sei que eu ralo pra caramba. Eu sei que muitas vezes eu poderia estar com minha noiva, que eu tenho nove anos de relacionamento. Nas datas mais comemorativas eu poderia estar viajando e não estou. Eu não tenho vida social porque eu escolhi isso como trabalho. E eu vou conseguir isso como trabalho. O preconceito se combate é com trabalho e com verdade. E principalmente com amor, porque tudo se combate com amor.

BN - Como vocês tentam atingir o público massa? Ou a banda não tem esse objetivo?
 
LS – Nosso público é o ser humano. Quem tiver dentro do peito uma bomba chamada coração, que bombeie sangue e faça você pulsar pela vida. A gente confunde muito as pessoas porque quem vai para nosso show acha que vai encontrar algo plastificado. Mas a gente faz tudo com muito suor, muito dendê baiano, muito quadril que balança, é muito corpo que fala. Nosso corpo fala a todo momento. Então nosso público alvo é o ser humano, é quem tiver predisposto a ser feliz, a romper a barreira de qualquer preconceito de coisas novas. É o mundo. A gente quer conquistar o mundo, não sendo pior, não sendo melhor, mas sendo diferente.
 
BN - Eu vi que vocês já lançaram nove CDs promocionais, sendo que um tinha 14 músicas autorais. Você pretende lançar um álbum de carreira mesmo, 100% autoral? É um projeto futuro?
 
LS – Pensamos sim. Já está sendo planejado e eu espero estar aqui novamente para contar essa história. Está chegando nosso momento, sim, de produzir um CD autoral. E tenha certeza, não vai ser pior, não vai ser melhor, vai ser diferente, porque a gente busca justamente sermos nós mesmos.