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Luis Ganem: O Jesus Sangalo que conheci, e que todo mundo deveria conhecer

Por Luis Ganem

Luis Ganem: O Jesus Sangalo que conheci, e que todo mundo deveria conhecer
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

A vida é cheia de reparações. Se formos parar pra ver, sempre e a qualquer tempo estamos rearrumando a ordem das coisas, ou pelo menos, em tese, tentando. E nessa coisa de rearrumar, é preciso sempre rever o passado. Como bem disse o escritor irlandês Edmund Burke, “um povo que não conhece a sua história, está condenado a repeti-la” – no que concordo em gênero, número e grau.

 

Com isso e, falando em história, Fábio Almeida, ex-empresário de Ivete Sangalo, trouxe alguns dias atrás na entrevista que deu ao podcast Bargunça, parceiro do Bahia Notícias, a possibilidade de se revisar um pouco a história de Jesus Sangalo, tendo como pano de fundo as declarações do aludido entrevistado sobre as acusações imputadas a Jesus quando da saída dele do grupo IS. Importante mais uma vez ressaltar que esse texto aqui é muito mais sobre um amigo, do que sobre fatos ocorridos em outrora. Até porque a fala de Fábio Almeida trouxe, de pronto, um avivamento da amizade que comunguei com Jesus até a sua partida.

 

Conheço os Sangalo da adolescência, mais precisamente do Edifício Sparta. Esse que está situado no bairro da Pituba, na esquina da Rua Bahia com a Avenida Manoel Dias da Silva. Meu contato começa aí e se extingue, momentaneamente, também aí. Por circunstâncias da vida, depois de alguns anos, esse hiato é desfeito quando do reencontro em pontuais momentos de minha passagem pelo mundo artístico, e também quando nos esbarrávamos em um restaurante que gostávamos muito. Virava e mexia – no restaurante –, ou ele estava com a irmã ou sozinho. Sempre que podíamos, batíamos alguns papos (às vezes descontraídos, às vezes tensos), mas sempre com a cordialidade habitual de ambos.

 

E assim foi até que, num desses reencontros, por um acaso no Shopping Barra, em uma tarde de sábado, nos cumprimentamos e, por vontade mútua, acabamos mais uma vez conversando informalmente sobre vida, negócios e dia a dia. Daquele reencontro inusitado fez ressurgir ou surgir – como queiram– uma amizade que iria durar até a sua partida. 

 

E essa amizade só fez se fortalecer, pois por pensarmos sempre em negócios, acabava que quase todos os dias nos falávamos. 

 

Vendo a entrevista do agora ex-empresário Fábio e, dentro dessa amizade com Jesus, lembro que não foram poucos os momentos em que dado às lágrimas, falava da injustiça do julgamento público a que tinha sido submetido, e como se ressentia de não ter sido ouvido. Nesses momentos, sozinho com ele ou na companhia de seu também grande amigo, o produtor e empresário artístico Cícero Meneses, escutávamos e nos compadecíamos.

 

O que mais me impressionava naquilo tudo é que sempre via que a conta da culpa imputada não fechava. Quem conviveu com ele percebia a vida comedida e regrada, comparando ao período anterior a seu afastamento.

 

Mas como disse, não estou aqui para fazer apontamentos, nem cabe, mas sim para homenagear meu amigo, e contar algo que pra mim corrobora com a figura dele, nas inúmeras histórias que ouvi.

 

Vou contar uma que, pra mim, é fantástica. O ano é 2010. Ivete vinha em alta já há alguns anos no mercado musical brasileiro – nunca saiu, diga-se de passagem. Mas um inquieto Jesus achava que faltava algo. E esse algo, como ele mesmo dizia, era Ivetinha – nome falado com sotaque carregado do menino juazeirense – tocar no Madison Square Garden. Mas pra isso, tinha que convencer gravadora, artista, conseguir a data no Madison, angariar parcerias e muito mais.

 

Enfim, tudo muito difícil para pessoas que pensam reto. Mas lembrando da história, vejo que meu amigo Cetáceo (nos chamávamos assim, nunca entendi o porquê) não só pensava no resultado, mas também em como conseguir esse resultado. 

 

E foi com essa premissa de êxito que ele resolveu naquele momento – como me contou  – bater na porta da então TAM, hoje LATAM, para falar com alguém da presidência ou coisa assim sobre o projeto Madison. Isso sem marcar horário ou ter relação com a empresa – além do fato da banda e artista voar com eles em shows pelo Brasil, como qualquer outra produtora.

 

Mas o fato é que lá foi ele na cara de pau conversar. Recebido foi, e vendeu de forma clara a intenção da TAM ser a empresa parceira do maior acontecimento da década (e que ainda continua sendo um marco, na minha visão), que era o show de Ivete em Nova York.

 

De pronto, a diretoria ali presente ficou toda entusiasmada, mas logo com o valor pedido o entusiasmo deu lugar a uma frustração, quando perceberam que não teriam como bancar a jornada. Lembro bem que perguntei a Jesus se, quando ele tinha ido conversar, não sabia que o valor pedido iria ser negado – me permito não comentar de forma explicita, mas era alto. 

 

Como resposta, tive um “sim”. Ele sabia que iria ser negado, mas como tática comercial primeiro ele iria deixar todo mundo feliz com a proposta, depois triste com o valor, e finalmente feliz com a solução que ele apresentaria.

 

Queria poder comentar aqui qual foi o formato final, mas posso garantir que, literalmente, foi coisa de gênio. Lembro dele dizendo algo como: “Cetáceo, o povo da TAM sorria de um lado a outro”.  Enfim o que Jesus queria era dar o que eles precisavam, mas primeiro teria que dar o “doce”, puxar e devolver, pra todo mundo ficar feliz.

 

E assim aconteceu um dos DVDs mais importantes da música baiana, e da carreira da irmã, e que teve seu investimento retornado praticamente no decorrer da gravação. Falando isso, como uma alegria, um brilho nos olhos e bastante emocionado, para deleite de poucos ouvintes, eu entre eles.

 

Lembro bem da publicização desse megaevento com Ivete Sangalo fazendo uma performance de comissária de bordo da empresa aérea na viagem para Nova York. Algo inusitado para passageiros. 

 

Jesus partiu e deixou saudades. Jesus ajudou muita gente, mas muita gente mesmo! Foi amigo dos muitos que dele precisaram, e foi lepra pra alguns quando precisou. 

 

Falei com ele pouco antes da sua partida em uma ligação feita pelo mesmo, com ele gritando: “CETÁCEO”. Lembro que atendi respondendo da mesma forma. Tivemos nesse momento uma breve conversa de videofone. Era uma despedida. Era mesmo.

 

Jesus faz falta. Que bom que o empresário Fábio Almeida pôde tocar nesse assunto, e reafirmar o que Cetáceo falou até partir: que nunca roubou nada. Que bom aqui também poder contar um pouco da história dele, um pequeno ato, diga-se de passagem, diante de tudo que fez.

 

Finalizando meu texto, é como se estivesse vendo ele dizer com sua ironia: “esse Cetáceo é uma onda, todo emotivo”, com um sorriso irônico franzindo a testa.

 

Saudades, amigo Cetáceo. Saudades.