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Luis Ganem: Vale a pena fazer um EP - sim ou não?

Por Luis Ganem

Luis Ganem: Vale a pena fazer um EP - sim ou não?
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

Não vou começar meu texto dizendo que ‘já é carnaval cidade, acorda pra ver’. Nada contra a música do meu amigo Gerônimo – o compositor e cantor –, mas não vou começar com esse trecho da música, pois ele já é muito usado. Por mais que seja um ícone de versos carnavalescos, tal como a música de Nizan Guanaes, ‘We are the world of carnaval” – obviamente nada contra nenhuma das duas – dessa vez eu passo de fazer o jargão.

 

Mas, estamos no carnaval, e carnaval é música. Nem por isso quero falar sobre o título de melhor ou a mais tocada, ainda que, por óbvio, até o fim do meu texto eu vá expressar a minha opinião. O que quero falar mesmo é sobre o fenômeno do encolhimento de que a música baiana está acometida, já há alguns anos, por comodismo ou por falta de conteúdo mesmo.

 

Quero falar da falta de obras musicais completas. Quero falar sobre a falta de um álbum completo – já foi LP, depois CD, agora álbum ou o tal do moderno EP (extended play, com duas a cinco músicas e duração na casa de 30 minutos). É isso mesmo! Quero falar sobre o momento cômodo ou não, de não se ter mais uma obra musical completa como se tinha antigamente, como se a música que se produz nessa terra em tempos de Momo se resuma a apenas uma música empurrada goela abaixo, tendo que ser aceita de qualquer jeito. 

 

Comumente, a partir da introdução ao tema, esclareço nos meus textos como a coisa funcionava ou como era antigamente, fazendo o contraponto com o agora. Faço isso até como uma forma de poder exercer o meu ponto de vista para o tema por mim proposto. 

 

Já existiu um tempo na música baiana em que produzir um trabalho não era somente algo a ser feito em uma música ou faixa. Produzir uma obra musical completa era algo que demandava um razoável tempo na vida do artista. Em muitos casos, ao fim da folia – ainda na quarta de cinzas – já estava pensando o artista, grande ou pequeno, em preparar seu próximo disco – como era conhecido antigamente por conta de sua forma redonda e achatada. 

 

Nesse momento de outrora, fervilhava na Bahia uma gama extensa de compositores nos mais diversos ritmos, os quais eram procurados, assediados e até bajulados (os mais renomados) para que pudessem entregar algo novo, alguma nova música, aquele sucesso mais conhecido como a música do carnaval. 

 

Esse trabalho que estava sendo garimpado vinha em forma de um álbum completo. Quando digo completo falo de, pelo menos, doze faixas que eram disponibilizadas aleatoriamente, e que davam a oportunidade de se conhecer um pouco da virtuosidade do artista ou da banda, com os mais diversos formatos. 

 

O disco de um artista da Bahia, independentemente do ritmo que tocasse, vinha sempre recheado de andamentos. Da música lenta à mais acelerada, de um tudo se tocava e cantava.

 

E dava trabalho para levantar as músicas. Para se fazer isso, era preciso ir aos espaços onde a música acontecia – já falei sobre isso em outros textos. Do Beco de Gal na Vasco da Gama, passando pelos ensaios da terça do Olodum, na periferia de Salvador ou, ainda, através de amigos e achegados, conseguir músicas boas era extremamente trabalhoso. 

 

Era tanto trabalho correr atrás das músicas que se levava quase dois meses para isso. Essa recolha começava um pouco antes do carnaval, parava no período da folia, voltava logo após e só terminava no fim de março ou meados de abril por conta das tendências musicais que iriam ser apresentadas na folia, afinal, era preciso saber o que de novo estava sendo lançado e mesclar o ano que passou com o ano que viria e, isso demandava tempo. 

 

Isso sem contar as tendências que um artista ou outro lançava e que mudavam totalmente a linha de pensamento artístico daquele ano, o que também, a bem da verdade, não significava muito, pois a aposta do verão poderia estar escondida entre doze músicas de famosos ou não.

 

Hoje, ao que se vê, isso é obsoleto. Ao menos para a grande maioria do mercado, a tônica virou lançar duas músicas por ano, sem escolhas, empurradas como se o consumidor tivesse a obrigação de ouvi-las e aceitá-las como boas, sem o direito de escolher entre mais algumas, o que caracteriza a meu ver um empobrecimento cultural imenso. Afinal, pra que compor o tempo todo se a escolha recai em apenas uma música ou duas e mais nada?

 

Lógico, digo isso pela forma como o mercado se coloca, não querendo com isso acabar com o sonho de ninguém. Mas, é preciso deixar clara essa situação atual. 

 

O que já é diferente do sertanejo, que lança álbuns completos e não apenas singles. Ou quando lança o tal do single, o faz como faixa de um álbum ou trabalho mais completo. 


As tendências precisam mudar e é preciso que os mais conhecidos façam isso até como estímulo para os mais novos. 

 

Sou do entendimento de que é preciso continuar o garimpo de boas músicas, mesmo tendo sido criada a cultura da venda antecipada, do escritório agenciador de compositores e tudo mais. Gosto da tese de que o pouco é nada e que o muito é importante, sem essa de que tudo em excesso é sobra. 

 

Os melhores exemplos pra mim de que essa tendência pode e deve voltar são os lançamentos de EPs de Ivete Sangalo e Claudia Leitte – se não escutou, escute –, lançados salvo engano agora no fim de janeiro e que trazem uma mescla de músicas para todos os gostos e todas as escolhas. 

 

Ato pensado? Não sei. Só sei que, pra mim, pegou muito bem, mas muito mesmo. Pois talvez traga de volta uma tendência com viés positivo pra nosso mercado musical. 


Nosso mercado precisa ser reaquecido. É algo absurdo perceber a falta de produtividade musical/cultural da nossa música pela falta de procura. É preocupante perceber que não existe mais pluralidade na escolha e que é tudo fruto da mesma ideia dita de forma diferente. 

 

Não desqualifico o que é feito, pois pra mim tudo é música. Não crio apontamentos, mas óbvio que gostaria de ter a possibilidade de escolher algo entre o muito e não do que está aí. 

 

Aceitar do jeito que está, ou parecer descolado dizendo da falta de necessidade de se fazer mais é algo que não consigo. Não vou aceitar. Portanto, mais uma vez, fora do senso comum, penso ser necessário se repensar essa coisa de fazer uma ou duas faixas por ano e esperar apenas que se crie uma referência em rede social para que isso seja colocado como destaque de sucesso.

 

Quanto à música que mais gostei, ouvi todas. De meu amigo Bell, passando pelo gigante Léo, Escandurras, Xanddy Harmonia, Ivete Sangalo, Claudia Leitte etc., como disse, ouvi todas, apreciei todas, mas, gostei de uma que, por um acaso, ouvi despretensiosamente e que não está na lista que tem sido colocada para escolha.

 

A minha aposta por entender que a “possibilidade” de escolha entre as que estão fora da lista é algo salutar, mas, obviamente, dentro do meu feeling musical, é: ‘Se saia’ (Gigi Cerqueira, Ivete Sangalo, Radamés Venâncio, Samir Trindade), faixa do EP de Ivete Sangalo, que, pelo visto, não é a aposta nem a queridinha de ninguém, mas que se tornou a minha referência deste ano, por toda a alegria e espontaneidade que a sua harmonia e letra trazem.

 

Daí… não concorda? ‘Se saia’ e leva o trio, Motô!