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Luis Ganem: Tocando com Saulo

Por Luis Ganem

Luis Ganem: Tocando com Saulo
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

Alguém aqui que não é músico, nem trabalha no meio artístico, tem ideia de como é tocar em um trio ou com artistas da música baiana? Acredito que ninguém – e me incluo – tem ideia de como é tocar em cima de um trio, por mais de três, quatro, cinco, seis horas, levando consigo um bloco e uma multidão a reboque.

 

Pois bem, resolvi encarar esse desafio e conto um pouco agora como é tocar (ensaiar) com um grande músico. Neste caso, estou falando de Saulo Fernandes, a quem pude finalmente (explico melhor no final) ver tocar em um pequeno show de mais ou menos uma hora. E lhe digo: é algo que beira a loucura e a extenuação.

 

Pois essa minha labuta começou há mais ou menos um mês, desde que encontrei com Saulo no aeroporto. Ele, indo para algum lugar que não lembro onde – salvo engano, Rio de Janeiro –, e eu voltando de São Paulo. 

 

Naquele momento conversamos um pouco, falamos sobre 2023, do fato dele ter uma agenda lotada, sobre o carnaval e as novas parcerias que ele trazia na “manga” para o verão. Enfim, falamos de tudo um pouco que se pode falar em um saguão de embarque/desembarque de aeroporto. E, com a chamada do voo, lá foi ele embora com cara de sono – nos encontramos quase de madrugada. 

 

Quando no carro, já deslocando para casa, me veio a ideia de fazer um texto em que pudesse expressar o que sente na pele um músico ao tocar por horas seguidas sem parar: que aflições acontecem ali no espaço do palco/trios, apenas bebendo líquidos e mais nada – quase sempre. No meu pensamento e tendo falado há pouco com Saulo, pensei: por que não fazer esse texto através de Saulo, um amigo de tantos anos?

 

A saber, sou músico amador – não toco por profissão. Sou um entusiasta do piano, instrumento de paixão desde a adolescência e que, há mais ou menos uns oito anos, resolvi trazer de novo a meu cotidiano. Com isso, voltei a praticar as técnicas musicais essenciais para ser um bom músico, ou pelo menos um mediano.

 

Mas fomos lá ensaiar com Saulo. De primeiro, é importante ressaltar que ficaria sendo a sombra do teclado principal, faria os timbres que faltassem ao Diretor Musical (Adriano Gaiarsa) e mais nada – até porque não teria tempo hábil de aprender todos os arranjos e convenções. Resolvi por conta disso, e como regra básica de qualquer músico, saber quais músicas teria que aprender no repertório. Afinal, mesmo me considerando um músico de bom ouvido, seria preciso saber os tons de cada música pra não ficar parando e voltando toda hora.

 

Somente essa parte, para se ter ideia, é algo que demanda um tempo absurdo. Tocar com um grande artista exige detalhes em cada música, que muitas vezes passam despercebido pelo público em geral, mas que são quase uma assinatura de qualidade musical de cada membro do produto. Pequenos detalhes como, por exemplo, fazer um acorde invertido ou a nota em voicing, trazem um prazer pessoal de tocar e atestam para uma comunidade própria – a comunidade musical –, o nível de capacidade técnica que se possui. 

 

E enfim estava lá eu a tirar as músicas e encaixar nelas os timbres que faltavam. Os músicos da banda de Saulo já se conhecem pelo olhar e pelo sorriso. Os desacertos – não posso considerar uma nota subtonada ou esquecida um erro pela qualidade musical dos caras – são falados e sacaneados com os olhos. Todos se compreendem a partir disso.

 

Em um primeiro momento, confesso, já não aguentava mais. Digo pra você que a fome vem em alta, sendo a primeira sensação desagradável. A sede e o cansaço mental chegam devagar. Ali perto da primeira hora, eu já estava pensando em parar tudo, estava realmente disposto a dar um stop. Mas, pelo pleno entendimento, resolvi tentar um pouco mais para conseguir entender as emoções de ser um músico profissional. 

 

A coisa é tão séria e tão profissional que, quando o cansaço faz você começar a se perder nas notas, bate um grande desespero. Entenda que tudo isso que estou contando aqui é na condição de tecladista, ou seja: tocando sentado em um banco, tendo um teclado à frente. Agora imagine quem fica em pé, que são todos os demais membros da banda, inclusive o cantor! Nunca imaginei – mesmo estando na música desde sempre – o quão difícil fosse tocar profissionalmente, principalmente no carnaval, que demanda horas e mais horas tocando. Desde então, quem faz da arte musical, especialmente a baiana, tem mais ainda o meu respeito e admiração. Olha, foram tantas sensações vivenciadas, e isso apenas em ensaios, que fiquei imaginando o nível de responsabilidade na rua, em que não é possível parar e voltar a música. 

 

E o meu corpo todo doía! Cóccix doía, coluna doía, meus dedos e punhos, por mais que tivesse feito alongamento antes de começar o ensaio, doíam. Eu suava às bicas, a camisa estava ensopada. No decorrer dos ensaios (foram quatro), tomei whisky, conhaque, energético, café com energético, água com açúcar, refrigerante, comi com uma das mãos, comi chocolate, pedi pra trazerem comida… Enfim, fiz todos os testes que pudesse fazer e digo pra quem acha que é moleza: não é. E digo isso mesmo estando em um ambiente “controlado”, no qual poderia parar a qualquer momento.

 

E foi isso que exatamente fiz, quando não aguentei mais. Parei a gravação pro Youtube do ensaio de Saulo Fernandes feito pela produtora Macaco Gordo, e resolvi escrever esse texto para reverenciar os músicos da nossa terra.

 

Isso mesmo! Meu ensaio com o cantor Saulo Fernandes foi feito em minha casa, eu acompanhando o mesmo, em uma série denominada MACACO SESSIONS, da produtora baiana Macaco Gordo. Lógico, adoraria que fosse algo real pra ter essa sensação de forma mais realista, mas o fato de ter levado a sério, e feito meio que igual como seria ao vivo, me permitiu ter mais ou menos uma ideia dos desafios de se tocar em trios e palcos.

 

Nossos músicos são especiais. São realmente diferenciados. Hoje compreendo mais do que nunca a energia que existe em um aplauso. E posso agora afirmar que músico tem que ganhar muito bem, muito bem mesmo. Valorizado e muito, pois quem segura o “barco” são eles. Por isso que o ganho tem que ser algo proporcional ao dono ou donos das bandas. 


Se antes aplaudia os amigos músicos, depois da experiência em diante, acredite: mesmo que seja uníssono, baterei palmas entusiasticamente para todo e qualquer músico dessa terra.

 

Nossos Gigi, Cesário Leone, Gerson Silva, Adriano Gaiarsa, Cara de Cobra, Maguininho, Luciano Sustenido, Robson Nonato, Bajara, Ziê, Cezar Túlio, Tiago Nunes, Márcio Brasil, Rambo, citando alguns grandes músicos ainda em atuação do ritmo axé, dentre muitos outros desse e de outros ritmos e, ainda passando pelas estrelas da nossa música, merecem muito, mas muito mais do que nosso aplauso. Merecem nosso respeito.

 

Ah! Quem quiser me convidar pra fazer um som, estamos aí!