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Luis Ganem: Uma música solúvel

Por Luis Ganem

Luis Ganem: Uma música solúvel
Foto: Divulgação

Sabe açúcar? Ultimamente na música as coisas andam assim. Algo brilhoso de sabor adocicado, mas que se dissolve em água ou qualquer outro líquido. Trocando em miúdos, não resiste, dissipa rápido. Esse movimento de algo pouco durável na música venho percebendo de forma menor, desde antes da pandemia, mas teve suas proporções aumentadas, assim que o tal do “novo normal” chegou à vida de todos.

 

Mas como assim Ganem? Do que você está falando? Pode estar perguntando agora você, leitor desta coluna. 

 

Simples, nada mais perdura a ponto de se conhecer – no sentido mais completo de obra, de onde veio, pra onde vai – o criador a partir da criatura. Não existe mais durabilidade de novas músicas que chegam ao mercado – salvo um ou outro, que consegue quebrar esse formato, com algo mais palpável. Fora isso, a igualdade do descartável tem assumido um lugar de certas proporções que se terá muita dificuldade no futuro da música para retroagir com esse formato. 

 

Lógico, o que digo aqui não significa que seja o correto e que não deva enxergar com a lente do futuro, mas confesso que é um grande exercício tentar entender o ponto que chegaremos dentro em breve.

 

Produzir o sucesso musical mudou muito, mas muito mesmo. De um tempo pra cá, os lançamentos tradicionais, ou pouco modificados, ficaram restrito a artistas consolidados ou já conhecidos. A poesia erótica musical – sim, existe poesia no erotismo, ao menos na minha visão – invadiu com força o cenário, tomando espaço e lugares que antes eram somente de moderados e/ou tradicionais. A juventude atual não enxerga a linguagem sexual como algo repugnante ou restrito, curtindo música e vendo essa nova vertente com uma normalidade nunca vistos em letras e clipes, que não passariam nem em um solfejo num passado remoto.

 

Completando esse quadro, a tal juventude que consome música, seja qualquer formato comercial, em sua maior percentagem, está abaixo dos vinte e cinco anos. O senso social que propõe existir limites só é visto por quem já passou dessa idade há muito tempo. Hoje, sexo e suas nuances é algo conversado abertamente sem tabus e o acesso a esse universo é algo possível a todos, todos mesmo. 

 

Isso tudo tem criado esse novo formato açúcar de se fazer música. Construções, às vezes, muito menos harmônicas que o Axé e o pagode – pasmem de quem reclamava desses ritmos, envoltos em muitos ruídos, e com uma batida pra lá de bacana (ou seria sacana?) – e sensual, como queiram, tem inundado redes sociais afora, embalando filmetes brilhosos de expoentes anônimas a profissionais liberais das mais variadas áreas.

 

Fico aqui imaginando, como será reconstruir – se é que isso será possível – um mercado musical como o axé por exemplo, com a nova música consumista sendo levada a outras estruturas e outras esferas de letras. 

 

É solúvel? Descartável? Imediata? Abstrata? Ao que parece, sim. Mas ao que parece também isso tudo aí e um pouco mais vai embalar festas e paredões, de agora em diante. 

 

E por incrível que pareça, essa música solúvel hoje está valendo ouro. Está aí algo que se antes era aplicado somente na história, serve ou sempre serviu – não sei, também para as artes e no caso aqui para a música: de que a evolução não propõe extinguir o que já existe, mas sim acomodar a novos pensamentos e novas formas de ser enxergar a mesma coisa sob outro prisma, imprimindo para elas um novo significado.