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Luis Ganem: Kateretetê

Por Luis Ganem

Luis Ganem: Kateretetê
Foto: Divulgação

Quinta-feira, 20 de fevereiro, cinco da tarde. Sentado na cadeira do playground estava a pensar com meus botões a promessa que tinha feito de, neste ano, acompanhar em algum dia um dos artistas da Bahia que tem trabalho independente no carnaval – estes artistas normalmente saem em projetos do poder público: prefeitura ou governo do estado. E lá estava eu no ‘play’ – como dizem nessa terra – esperando o meu artista escolhido para esse intuito chegar, no caso a minha artista. A cantora Kattê.

 

Não, caro leitor, você não leu errado! Agora é Kattê com dois ‘Tês’ mesmo. De começo pode soar estranho, mas como foi explicado durante a conversa tudo tem uma justificativa.

 

Pois bem, de volta ao que eu dizia, quinta-feira, cinco da tarde. Impreterivelmente como pediu a produção, estava na porta de onde mora a cantora aguardando para sairmos. Kattê estava atrasada terminando seu cabelo no salão. Além da artista, o nosso transporte também resolveu atrasar, o que em se tratando de carnaval da Bahia é normal.

 

A chegada de Kattê sempre é uma festa. Fora quando pisam no seu calo ou quando a coisa sai da normalidade, é raro ver sua testa franzir em sinal de indagação. E mal chega com a sua risada característica já vai dizendo: “vamos gordo, temos que ir”.

 

É importante ressaltar que há pouco mais de dez anos, houve uma aposta musical nela. Na época, à frente da banda VoaDois, na qual dividia os microfones com o cantor Freddy Moura, ela começava a ficar conhecida no mercado, já sendo quase uma certeza pelo timbre de voz diferenciado, quando de uma hora pra outra o produto a partir de “interesses distintos dos cantores” se dissolveu enquanto dupla, ficando ela à frente da banda durante algum tempo, até o produto ser findado de vez.

 

De volta a nossa van, conversando com a cantora, vou conhecendo um pouco mais do seu momento presente. Atualmente morando em São Paulo, tendo se mudado há pouco mais de um ano, a loira de voz marcante escolheu a capital paulista para recomeçar seu projeto musical. Mesmo sabendo das dificuldades do recomeço, principalmente em terras estranhas, resolveu se aventurar, movida por uma forte intuição, que como mesmo ela diz, “vem desde criança”. 

Foto: Roberto Luis

A partir da cidade paulista e em contato com a maioria das produtoras de shows e eventos, começar a desenvolver sua carreira acabou ficando menos complicado do que imaginava. Ela conta que no seu mais recente evento, cantou a convite com Marilia Mendonça, o que foi muito bom para sua carreira pois foi um convite que partiu dos organizadores do evento, em uma lembrança da sua arte. Confesso que entre as conversas com ela, vou alteando os meus pensamentos em como ela é retada, no nosso melhor baianês. Sair de Salvador, indo morar em Sampa, ela e Deus, é algo que sabemos que foi tentando por muitas, e poucas tiveram êxito, muito poucas.

 

A conversa corre animada na van. Das lembranças do começo da carreira, até a história de dias atrás quando dela correndo na orla de Salvador teve que engrossar a voz e fazer a posição básica do boxe – punhos cerrados à frente do corpo – para assustar um gaiato tentando assediá-la, tudo é assunto pra risada. Por falar em trajeto, nossa artista mesmo conversando comigo não deixa passar nada. No caminho, num pequeno vacilo do motorista, Kattê do alto da sua potente voz grita um: “motô, esse caminho está errado! Volta, pois por esse aí vai ser mais demorado”. O erro do ‘motô’ é aproveitado para se comprar água de coco em uma barraca de rua. Percebo nessa hora os limites que existem para um artista independente e as dificuldades de se checar e rechecar um show, mesmo tendo contratado profissionais para supervisionar seus eventos em Salvador e no interior do estado.

 

Nossa van finalmente chega ao trio. Esperamos alguns minutos para descer, enquanto a equipe checa camarim e palco. Ajustes checados, lá vamos nós. A preocupação da artista no camarim beira a de uma empresária. Do seu fone de retorno, microfone, passando pelos painéis de LED, tudo é checado por ela, ao mesmo tempo que faz o aquecimento da voz, finaliza a maquiagem, escuta um som no fone de ouvido, responde a Whats, atende a imprensa... Enfim, incansável e sabedora de ser a única responsável pelos caminhos da sua carreira, Kattê tem a exata noção de que se algo der errado, recai somente sobre ela. 

 

Som pronto, trio passado, lá vamos nós para o circuito. De começo até as pessoas reconhecerem quem ali estava – por mais que o painel LED mostrasse – vejo pessoas impressionadas com aquele vozeirão. De pronto ela já entra com uma música que diz: ‘Kattê chegou o povo pirou / Kattê chegou o povo pirou / Uh tererê sou do bonde da Katê’. Pagode groovado – como dizem os músicos – e com isso, quem estava parado começou a dançar de verdade. Pensei até que poderia ser impressão da minha parte pois na frente tinha uma banda de renome e atrás uma revelação do pagode baiano. Mas como tinha estado no começo da tocada para ver a tal banda de renome, tive a certeza que o som da cantora estava agradando. 

 

No que se seguiu o circuito mais uma coisa ficou evidente: Kattê se sente em casa em tocar para o povão. Todos os becos da avenida foram homenageados quando da sua passagem, com uma música. Ainda na van, ela havia me dito que gosta de tocar para o povo, que se sente em casa. Lógico, dito isso, disse que sabe da importância de tocar também para os camarotes e para as pessoas que não ficam no chão. Fico pensando no funil musical que esse mercado impõe. Certos conceitos prévios acontecem da noite para o dia, e prejudicam carreiras e sonhos. O espírito perverso de quem quer atrapalhar aliado ao rolo compressor do dinheiro, acabam por destruir tudo que possa vir atrapalhar. Isso sem falar nos modismos modernos e de ritmos antes desinteressantes, mas que se tornaram moda com a juventude de então. Com uma estrutura minimalista, investindo do próprio bolso na sua carreira, a mesma não pareceu se abater com as diversidades. Pelo contrário, diante de todos que questionaram sua musicalidade, vi que aos poucos foi provando sua capacidade.

 

Voltando ao trio, no trajeto o pagode também rolou em alta. Olha, tá aí algo que ela me surpreendeu e muito. Gostar e saber cantar pagode. Na van lá no começo do trajeto, me contou também que começou no pagodão e que somente depois veio para o axé. 

 

No mais, tudo acabou correndo dentro dos conformes. Artista sem se ouvir no fone de retorno, voz cansada e rouca ao fim do percurso, homenagens no decorrer do circuito, fãs, atrasos, repetição de músicas, beijos sem fim, enfim, um emaranhado de emoções finalizadas em apenas uma frase, que ouvi dela quando tudo acabou: “Gordo, eu estou muito feliz”.

 

Pude daí perceber que nossa “Kateretetê” ainda tem muito o que mostrar.

 

Ah!!! Já ia esquecendo. O nome dela mudou porque ela sempre teve vontade e daí resolveu fazer. Ser dona do próprio nariz tem lá suas vantagens também.

 

Bom carnaval!