Lula amplia propaganda nas redes a 1 ano da eleição e foca soberania, IR e influenciadores
Por Mateus Vargas e Ranier Bragon | Folhapress
O governo Lula (PT) mudou a estratégia de comunicação a um ano da eleição de 2026, ampliou a verba para anúncios na internet e passou a apostar em influenciadores e modelos de vídeos virais, tendo como foco o discurso de soberania e de justiça tributária.
Dados parciais da Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência mostram que a pasta passou a direcionar cerca de 30% da verba publicitária para sites e plataformas digitais, contra 20% no ano anterior.
A nova estratégia de comunicação da Secom, elaborada pelo ministro Sidônio Palmeira, contrasta com a orientação anterior, de Paulo Pimenta (PT), que defendia aumentar o investimento em rádios como forma de alcançar a população mais pobre e distante das capitais --ele deixou o cargo em janeiro.
O novo ministro nomeou Mariah Queiroz para a secretaria de Estratégias e Redes. Ela trabalhava na comunicação do prefeito de Recife, João Campos (PSB), um dos políticos de maior projeção nas plataformas digitais.
Ao menos 20 influenciadores digitais foram contratados para participar de campanhas desde agosto. A aposta é tentar replicar modelo de vídeos que viralizam na internet, como o de "gatinhos" explicando propostas do governo.
Em propaganda publicada na última semana nas redes "gov.br", por exemplo, o apresentador João Kléber transporta o seu "teste de fidelidade" --quadro popularesco que visava provocar e "flagrar" eventuais adúlteros-- à disputa entre os governos Lula e Donald Trump, aliado à família Bolsonaro.
No vídeo, o apresentador diz estar nas ruas de São Paulo para saber "se o povo é fiel ao nosso país" ou "vai dar aquela escapadinha para o lado de fora". Ele pergunta para uma série de pessoas se elas preferem Pix ou cartão de crédito, novela brasileira ou mexicana, futebol brasileiro ou americano.
João Kléber encerra o vídeo afirmando que o "povo é fiel ao nosso país" e diz que o governo também protege o Brasil.
Nos bastidores, petistas dizem que o tarifaço de Trump caiu no colo do marketing lulista, permitindo ao governo e ao partido retomarem em parte a defesa da soberania e das cores verde e amarelo, usadas como mote do bolsonarismo havia anos.
Em julho, a página do governo fez publicação em alusão às declarações de Trump em defesa de Bolsonaro. A peça da Secom apresenta uma montagem com fotos de "gatinhos" que falam sobre a "soberania nacional".
"O país dos cães pode até ter um cachorro mandão, pode negociar com os gatinhos, sugerir parcerias, latir de vez em quando. Mas não pode, por exemplo, querer decidir o que os gatinhos vão fazer no país dele, muito menos meter o focinho nas decisões da justiça felina", diz o vídeo.
A publicação foi feita no momento em que se aproximava o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que condenou o ex-presidente Bolsonaro pela trama golpista.
A questão da justiça tributária tem como principal mote o projeto que ampliou a isenção do Imposto de Renda a R$ 5.000 e que elevou a taxação de quem tem renda mensal superior a R$ 50 mil.
"Numa vitória histórica do povo brasileiro, os deputados mantiveram a compensação pelos super-ricos, que passarão a contribuir de forma mais justa", diz texto governista em menção à aprovação da proposta de forma unânime na Câmara dos Deputados.
A Secom afirmou, em nota, que a participação dos influenciadores e produtores de conteúdos nas campanhas reflete os novos hábitos dos brasileiros na hora de buscar informações, "com aumento marcante do tempo dedicado à navegação nas redes".
"Essa ação está em absoluta conformidade com a legislação vigente sobre a comunicação pública."
A pasta diz não negociar diretamente com os influenciadores. Afirma ainda que eles são contratados pelas agências de publicidade, sendo pagos com verbas de produção das campanhas.
Em geral, as agências colocam um teto de R$ 20 mil por vídeo de cachê por vídeo produzido por influenciadores, segundo autoridades que acompanham as negociações. Questionada, a Secom não informou quanto cada influenciador recebeu.
No caso da peça "Teste de Fidelidade ao Brasil", a Secretaria diz que a participação de João Kléber foi ofertada "de forma bonificada" pelo Kwai, "a partir da compra de espaços que já seria feita dentro da plataforma para exibição de conteúdo promocional".
Os dados parciais de execução de publicidade da Secom apontam que o Kwai recebeu ao menos R$ 7 milhões em anúncios, sendo a terceira empresa digital mais beneficiada pelas verbas federais.
O ranking da propaganda online da Secretaria é liderado pelo Google, que também distribui os anúncios no Youtube. A empresa recebeu ao menos R$ 26 milhões, dentro de R$ 235 milhões distribuídos pela pasta neste ano a todos os meios --incluindo TVs, rádios, jornais e outras mídias.
No ano passado, em cerca de R$ 370 milhões de propagandas da Secom, o Google recebeu R$ 10 milhões.
A mudança de estratégia do governo fez a empresa pular de sexto para segundo veículo mais beneficiado em todos os meios de 2024 para 2025, atrás apenas da TV Globo, que recebeu R$ 54 milhões neste ano. O canal nacional da TV Record é o atual terceiro veículo mais beneficiado, com R$ 25 milhões em anúncios da Secom, segundo os dados ainda parciais da pasta.
Parte dos influenciadores que gravam para o governo não é remunerada. Há casos em que a Secom pede e eles assinam documentos cedendo os vídeos.
Autoridades que integravam gestões anteriores da secretaria dizem que havia receio de contratar influenciadores por causa da dificuldade de explicar ao órgãos de controle os critérios de seleção e remuneração.
Mesmo com a nova estratégia, a propaganda em TV ainda consome cerca de metade da verba de anúncios da Secom. Depois da internet (cerca de 30%), os principais destino são rádios (10%), mídia exterior (como painel e outdoor, com 8%), jornais (1,1%), revistas (0,18%) e cinema (0,14%), de acordo com os valores disponíveis.
Os percentuais ainda podem se alterar, pois a divulgação dos detalhes dos gastos do governo em propaganda é lenta. Mas outras bases de dados também apontam que disparada da propaganda nas redes.