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Entrevista

Hilton Coelho avalia vitória nas urnas após campanha modesta - 15/10/2012

Por Evilásio Júnior / Rodrigo Aguiar / José Marques

Hilton Coelho avalia vitória nas urnas após campanha modesta - 15/10/2012

Fotos: Glauber Guerra / Bahia Notícias

Bahia Notícias – Você foi o segundo vereador mais votado de Salvador, mais de16 mil votos. Como foi feita essa campanha, já que o PSOL tem poucos recursos?
 
Hilton Coelho – Foi uma campanha que nos deu um orgulho muito grande, porque foi feita coletivamente. A minha impressão é de que, nessa eleição, o poder econômico falou muito alto. A gente via por aí outdoors de alumínio, de metal, uma coisa parecendo “Guerra nas Estrelas”, muito ostensiva, e a gente faz uma campanha com as pessoas, com panfletinho na mão, e o conjunto da militância, inclusive eu, como militante, estava na rua conversando com as pessoas. E a gente tem um resultado desses. É algo fabuloso, que dá alguns sinais: primeiro, de que esse tipo de campanha, coletiva, pode enfrentar o poder econômico. Nós demos um pontapé inicial, mas é possível enfrentar o poder econômico com uma intervenção cada vez mais coletiva. E a militância do PSOL, da frente de esquerda, é uma militância decidida, mas ela não é tão grande assim. Inclusive, a ampliação dela pode fazer com que a gente faça uma disputa real na sociedade. A segunda coisa, é que outro estilo de política, do próprio representante, sai fortalecido também. Eu não topei com um vereador fazendo panfletagem de rua. Minto, que não foi bem de rua, eu encontrei, em um evento, apenas um vereador. Então, esse contato, de alguma forma foi evitado com o eleitor. E nós provamos que ele é eficaz. Parece uma coisa de formiguinha, mas eu estou falando que é coisa de formigueiro. Nossa campanha não foi de formiguinha não, foi de formigueiro. Outro elemento é a renovação da Câmara. Eu acho que a nossa candidatura representa um pouco isso, mas ela está dentro de um fenômeno geral que está materializado na renovação de 50% da Câmara. A gente está no meio disso, na ideia de que a Câmara precisa ser renovada. Para quem não achava, por exemplo, que fazer o que quisesse em relação à Louos [Lei de Ordenamento de Uso e Ocupação do Solo] não ia dar resultado, por exemplo, que a sociedade estava completamente afastada, que eles queriam fazer na madrugada e não ia dar em nada, eles pagaram o preço. Muitos deles pagaram o preço. No PDDU [Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano] também, vários dos principais expoentes na defesa daquele antigo PDDU, de João Henrique, pagaram caro na eleição anterior. Então, a gente mostra um potencial muito grande com o posicionamento crítico da sociedade, e devemos entrar com o mandato por aí.
 
BN – Você falou de renovação, mas em entrevista na Rede Tudo FM 102.5, disse que ela não podia ser desprezada, de mais de 50%, mas não era tão grande assim. O que você quis dizer com isso, exatamente?
 
HC – Eu quero dizer que são os mesmos partidos, que dificilmente eles vão fazer uma política diferenciada. No fundamental, vão manter a linha da Câmara anterior. Mas eles vão ser obrigados [a mudar] ou então vão pagar o preço. É isso que, inclusive, nós vamos chamar atenção para os vereadores. Se pagando um preço, quando se diz respeito a interesse público. Outros vereadores pagaram o preço, e eles podem passar a pagar o preço também. Mas o que eu quis dizer é isso, no fundamental, eles têm uma orientação política parecida. É uma moeda de dupla face: existe uma face da renovação, que é o sentimento da população, mas existe uma face de conservação também, como o debate político sobre as principais questões da cidade, que não está muito evidenciado para a população. Ela aposta em um novo que é meio velho. Entendeu? É isso o que eu quero dizer. Mas nós vamos cobrar que esse novo se comporte como novo mesmo. Esse é o nosso papel.
 
BN – Você deve o sucesso na sua votação também à campanha bem sucedida do PSOL em outras casas legislativas, como a do Rio, com Marcelo Freixo, e da Câmara Nacional, com Jean Wyllys e Chico Alencar? De certa forma, eles influenciaram na sua votação?
 
HC – Com certeza. Eu acho até que a gente já conversou sobre como esse processo vai evoluindo. O PSOL fez uma demarcação muito clara em determinado momento, que tem que ser uma coisa bem explosiva. Isso foi aquela saída dos companheiros do PT, e o posicionamento de Heloísa Helena, com todas aquelas frases de efeito de Heloísa Helena, chamaram atenção da sociedade para dizer que algo novo estava surgindo. E tem um segundo momento que é com a candidatura de Plínio [de Arruda a presidente], que é um momento mais programático do partido. A partir desse momento a gente vê certa transição. Uma afirmação programática de algo que já vinha se processando nas regiões, mas que vai se fortalecer, que é, primeiro, ter programa mais bem definido para o Brasil, com a questão da dívida pública, o problema agrário, a questão ambiental. Esses são traços do PSOL nacionalmente e, por outro lado, também em uma dimensão regional, que foi um pouco a nossa candidatura aqui para prefeito, em 2008. A gente fez uma leitura sobre a cidade, sobre o processo de privatização da máquina pública, e pegamos uma questão que podia simbolizar bem isso, o Plano Diretor. Isso criou uma imagem de um segmento que é a esquerda realmente, decididamente socialista, mas que não é inconsistente. Porque todo discurso contra a esquerda dizem que ela não teria consistência. Que ela é bem intencionada, mas não tem consistência. Nossa campanha em 2008 quebrou um pouco essa crítica da falta de consistência, porque nós apresentamos uma questão que era central para a cidade, que ninguém estava querendo olhar, por motivos óbvios. Todos eles estavam comprometidos com isso. Agora, nessa campanha, eu acho que houve uma novidade também, que foi Hamilton Assis. Hamilton, claro, não teve uma explosão de votos, porque o eleitor tem suas táticas também. Boa parte do apelo que as pessoas atendem, para uma tática em um processo eleitoral, é em como é que a gente vai incidir concretamente no eleito. Eu não acredito nesse discurso de “não perder o voto”. Não é isso. As pessoas votam, inclusive, em candidatos que têm menos expressão, mas que estão no páreo. Elas querem influenciar concretamente. É um compromisso que elas têm, um olhar delas sobre a realidade, que não é o nosso, de um segmento da população. Além de pensar em um resultado mais imediato, ela pensa assim: “o que é que eu vou construir para o futuro?”. Significa que nós precisamos consolidar algumas lideranças, mesmo que não ganhem. Foi o que as pessoas fizeram na eleição da gente, em 2008. Eu acho que teve um pouco isso. Precisávamos apostar em uma liderança, então não foi aquela enxurrada de votos, mas foi uma votação expressiva, que plantamos e viemos colher agora. Boa parte dessa votação que a gente teve para prefeito se repetiu pra deputado e agora pra vereador. Hamilton representou uma candidatura que colocou algumas questões para a cidade, como o desvio do metrô de Cajazeiras e Subúrbio para a Paralela; o problema da Copa, que já está sendo utilizada como argumento para tudo – e depois da eleição vai ser para tudo mesmo, desde ações violentas em bairros populares até a exclusão do mercado informal –, até a questão da mobilidade urbana; a questão da ocupação do solo, do PDDU [Plano Diretor de Desenvolvido Urbano] da Copa. Hamilton pautou essas questões. Ele teve uma importância muito grande no processo eleitoral, e mesmo que as pessoas não tivessem votado em massa nele, esse reconhecimento na rua é algo muito forte. Nós vamos contar com a liderança de Hamilton também, a partir de agora, com um reconhecimento da população do papel dele, a partir de agora, para defender a cidade também, não apenas no mandato.
 
 
BN – Hamilton teve mais ou menos 34, 8 mil votos, quase 35 mil. Hilton teve 16 mil votos. Só que a votação expressiva de Hamilton, dentro do contexto, e, principalmente, de Hilton para vereador, não se refletiu nos outros candidatos a vereador da Frente de Esquerda. O seu suplente é Milton Junior, que teve pouco mais de dois mil votos. Você acha que ainda assim não houve um erro de tática para ao invés de um só vereador, que vai ter uma atuação mais difícil, fazer um segundo?
 
HC – O PSOL fez a avaliação de que precisava dar uma visibilidade maior ao nosso nome. Isso ficou claro no programa eleitoral. A todo momento a gente estabeleceu essa relação para conseguir ser esse puxador de votos. A gente teve um problema, realmente, porque o PSOL ainda é um partido que tem pouca musculatura orgânica. Então, nós saímos de uma situação de 2008, em que a gente tinha 18 candidaturas, mas de verdade mesmo apenas 12 candidaturas, para uma situação de 53 candidaturas. Isso, para um partido como o PSOL, até de um ponto de vista burocrático, como você conseguir dar assistência jurídica a essa quantidade toda de candidaturas, e do ponto de vista político também, foi uma movimentação muito difícil. A gente se sentiu um pouco assim: em uma Kombi fazendo uma curva a 180 km/h [risos]. Mas é o que a gente se dispõe a fazer. A história da esquerda nunca foi uma história fácil, e quem é de esquerda hoje permanece tendo que enfrentar desafios muito grandes. Quem não enfrenta esses desafios é porque só tem o nome de esquerda. Na prática, não é. Está fazendo uma política da direita. Então, eu acho que nós tivemos esse problema, de conseguir fazer essa movimentação enorme – para nós é uma movimentação enorme – e colher frutos de maneira mais generalizada. Só que o balanço, no PSOL e na própria Frente de Esquerda, é um balanço positivo. Se a gente, por exemplo, tivesse fragmentado o programa eleitoral todo, a gente ia conseguir puxar uma quantidade grande de votos, que todo mundo avalia que a gente conseguiu puxar. Para deputado estadual, em Salvador, eu tive 20 mil votos. Imagine você transferir deputado estadual, que é uma eleição bem diferente – a eleição para vereador você briga casa por casa –, e você ter um aproveitamento de mais de 16 mil votos, é uma coisa significativa. Agora claro que nós temos que parar pra avaliar esse processo, aprender com os erros e saber que, a partir de agora, o PSOL vai ter outra visibilidade, inclusive para constituir e fortalecer lideranças, nos mais diversos espaços, seja no território, seja liderança de categoria. A gente vai pensar em um mandato que seja realmente da Frente de Esquerda, dessa totalidade de lideranças, para que a gente forme um conjunto novo. Nós temos experiências importantes. Vou dar um exemplo concreto: no Rio de Janeiro, Jean Wyllys se elegeu com uma votação muito pequena. Ele foi realmente levado por Chico Alencar. Aqui nós não conseguimos eleger outro, mas essa noção de que às vezes a gente precisa ter uma prioridade, para depois conseguir afirmar outras lideranças, é algo que está testado e aprovado, porque Jean Wyllys e Chico Alencar hoje são referências nacionais.
 
BN – Você não fica com medo de entrar sozinho na Câmara contra 42 vereadores, que, segundo o discurso do PSOL, servem às três grandes máfias de Salvador, a especulação imobiliária, o lixo e o transporte?
 
HC – Não, receio eu não tenho não, você fala do acúmulo político que a gente pode ter, não é?
 
BN – Não só isso, até receio de segurança mesmo.
 
HC – O receio de segurança, acho que em alguma medida, claro que não em absoluto, eu já comecei a superar com 16 anos de idade. Quando eu entrei no PT, entrei para um campo do PT que inclusive fez a chamada luta armada na época da ditadura militar. Quando eu comecei a militar, as pessoas diziam para mim assim: “olha Hilton, nós não sabemos se a gente vai ter um retrocesso”. Eram meados da década de oitenta. Quem é que tinha garantia de que a ditadura militar de fato ia acabar? Tinha até a chamada transição democrática, que a gente chamara de transição conservadora. Eu comecei a militar assim, correndo risco, e vai ser isso da vida. Sempre foi assim. A própria militância que eu fiz, que nunca foi uma militância muito institucional, uma relação com o pessoal do Movimento dos Sem-Terra, dos Sem-Teto, aqui em Salvador, sempre foi uma militância de risco. Eu acho que o militante socialista tem que se dispor a correr risco. O que a gente quer fazer é incomodar, e como diria alguém: “você não pode dizer o que convém, sem querer ferir ninguém”. Então, do ponto de vista da segurança, receio existe, mas nossa trajetória é marcada por trabalhar esse receio. Do ponto de vista do isolamento político, é uma coisa que realmente não me amedronta. Eu digo isso porque na Câmara de Vereadores, sem dúvida, a gente vai ser extrema minoria, mas, fora dela, a gente é extrema maioria. Quem é que em Salvador está contente com essa situação do metrô? Quem, em Salvador, no momento em tiver acesso ao debate sobre a situação do metrô e souber que o projeto original do metrô, tecnicamente definido, era para ir para Cajazeiras e para o Subúrbio – que isso que pode fazer com que a questão da mobilidade em Salvador dê um salto qualitativo, em Salvador toda, não é apenas nessas regiões não,  estou reproduzindo a tese dos técnicos, dos engenheiros –, sabendo que vão pegar 3 milhões para investir em um golpe de marketing da Paralela, não vai ficar indignado? Difícil, só os donos das empreiteiras, só esse pessoal. Então, a nossa leitura é assim: primeiro, nós vamos constituir um mandato muito forte politicamente, por esse apoio fora da Câmara de Vereadores, e nós vamos buscar esse apoio. Essa entrevista é isso, eu já estou buscando esse apoio.  Nós vamos buscar esse apoio fora da Câmara de Vereadores, e nós achamos, inclusive, que muitos vereadores podem botar o pé no chão, porque uma vez a sociedade olhando pra eles, eles vão ter que manter um mínimo de coerência. Os que não mantiverem, que paguem o preço. Para mim interessa pouco, porque eles não vão se explicar pra mim, como vereador, eles vão ter que se explicar para a população. Se depender de mim, eles vão se explicar para a população. Eles não precisam nem ter raiva de mim, porque eles vão brigar com a população.
 

 
BN – Você acha que, de certa forma, a rigidez no conteúdo programático do PSOL impede o partido de crescer? Por exemplo, no caso de Rose Bassuma, que não pôde entrar no partido porque é contra o aborto. Você acha que essa rigidez é necessária para o projeto de vocês?
 
HC – A gente vive em um contexto muito difícil, uma ideia de que as ideologias terminaram, você não tem mais ideais. Tudo é pragmatismo. Eu não vi uma palavra que ficasse tão em moda no atual período histórico como pragmatismo. As pessoas estão falando em pragmatismo como um valor positivo. Então, eu acho que existe a questão ideológica. A sociedade brasileira precisa de um segmento política que diga assim: “Olha, eu tenho princípios, eu não fico cedendo às coisas que eu penso, porque é importante para a população, porque eu preciso ocupar um ‘espaçozinho’ eleitoral”. O PSOL faz parte de um segmento de esquerda que acredita na eficácia do seu programa político, não é só uma questão de a gente estar convencido, a gente acredita na eficácia desse programa. Claro que ele é um programa difícil de ser posto em prática, mas ele tem eficácia. Eu vou dar um exemplo concreto aqui. Sabe onde se colocou em prática uma proposta que é central do PSOL hoje? No Equador. [O presidente] Rafael Correa buscou a metodologia, inclusive foi ajudado pelo mandato de Val Valente, deputado federal do PSOL, que mandou os assessores para passar a metodologia que a esquerda brasileira, não foi só o PSOL não, foi o PT, levou anos e anos para Elaborar, sobre a forma de se avaliar o problema da dívida pública. Então, o governo do Equador pegou isso e fez toda uma leitura da dívida pública. Ficou revelado que era um acinte repassar para os banqueiros mais de 33% do que vinha sendo repassado no Equador. O mesmo problema central no Brasil, a questão da dívida pública. O governo fez isso, adotou a metodologia, inclusive do ponto de vista político, para tomar decisão, porque o governo fez auditoria, depois fez um plebiscito para a população decidir: nós vamos enfrentar os banqueiros internacionais ou nós vamos ficar na nossa? Considerando que é um país, inclusive, com muito pouco poder de fogo internacionalmente, o Equador não pode nem se comparar com o Brasil. Sabe qual foi o resultado? Mais de 90% da população votou que deveria enfrentar os banqueiros. Depois, o governo bancou a proposta. O segundo resultado: os banqueiros não ofereceram nenhuma resistência, não precisa nem dizer o porquê, ficaram morrendo de medo de o debate se ampliar para a América Latina. E a terceira coisa é o resultado prático. Em dois anos o Equador entrou com a chamada zona livre do analfabetismo, que é a leitura que a ONU faz sobre a situação do analfabetismo no país. Aqui no Brasil, o governo não cria nem expectativa com relação ao fim do analfabetismo, apesar de a economia brasileira ser muito maior que a do Equador, apesar de a gente ter uma rede de universidades fabulosa, reconhecida internacionalmente.
 
BN – Você falou que faltam princípios partidários, que o pragmatismo é muito utilizado. Agora existem também princípios pessoais. Voltando à questão de Rose Bassuma, Heloisa Helena também é contrária à legalização do aborto, mas é uma das fundadoras do PSOL, nesse processo de saída do PT. Você acredita que para fazer parte do partido é necessário que você abdique de certos princípios pessoais?
 
HC – A posição de Heloisa Helena, assim como a de Plínio de Arruda, é uma posição diferente da de Rose. Rose não apenas defendia a criminalização do aborto, como participava de campanhas nacionais. A posição de Heloisa Helena e de Plínio era essa – porque essa questão do aborto é muito delicada, é uma questão existencial –, mas qual era a posição deles: “a minha posição é essa, mas a do partido é essa”. Não dá para você ir de cara, de frente, estar à frente de uma campanha. Mas o problema de Rose não foi só isso não. Tem isso, mas tem um conjunto de elementos, de pragmatismo político que vem da história, que precisam ser considerados. Já dizia o velho Marx, dizia o velhinho: “as pessoas não são o que dizem que são, elas são o que fazem”. Então a gente precisa avaliar a história das pessoas, senão a gente é pego de surpresa. Qual foi o resultado? A entrada de Rose Bassuma foi precedida pelo debate da entrada do próprio [Luiz] Bassuma. Se dependesse dele, ele estaria no PSOL. Ele foi barrado e se tentou colocar Rose Bassuma. O que foi que aconteceu? Depois Bassuma foi para o PMDB. Qual a garantia que a gente ia ter, para uma pessoa que tem essa história de Bassuma, de que lá na frente ele não ia fazer isso com o PSOL? Fazer todas as autocríticas do mundo e dizer que mudou de ideia, porque ele saiu falando isso em relação a várias questões, e depois que não ia mudar de posição e ia descartar o PSOL. Porque que a gente vai arriscar esse patrimônio de coerência política que a gente construiu? Entendeu? Então, a gente precisa se respeitar, porque senão ninguém vai respeitar a gente não.
 
 

 
BN – No Legislativo, qual será a sua meta? Somente denunciar o que há de errado na Câmara, utilizar o espaço para fiscalizar as instituições, ou pretende fazer alguma coisa propositiva na Casa?
 
HC – A gente tem projetos e já começamos a discutir coisas bem concretas. Por exemplo, Salvador tem um problema grave de moradia popular. Construíram alguns conjuntos habitacionais e populares, inclusive com recursos do Minha Casa, Minha Vida, que são apenas casas. Você não tem escolas, creches, posto médico. Então, existe a proposta de nós colocarmos um projeto que vincule, como contrapartida do município, já que o município é responsável pela escola fundamental, pelo posto médico, pela creche, vincule como contrapartida do poder municipal a construção das escolas, do posto médico, enfim, dos conjuntos habitacionais populares. Enfim, a gente quer fazer alguma coisa relacionada à Copa também, porque existe um recurso que vem para a Copa que não é pequeno e que pode ficar aí pouco definido e sem controle social e a gente sabe como é que as coisas acontecem aqui na Bahia e em Salvador. Então temos um projeto relacionado a isso, que parte dos recursos que vêm para a Copa cheguem nos bairros populares, seja através da revitalização do espaço escolar, da área de esporte do espaço escolar, seja no apoio às iniciativas comunitárias de esporte. Então tem muita coisa nesse sentido que a gente está discutindo. Agora, muita coisa do nosso mandato realmente vai ser de fiscalização com, na nossa leitura, muita decorrência concreta. Vou dar um exemplo aqui: a prefeitura gastou nesse mês para fazer uma consultoria na secretaria de Educação que ajudou a elaborar o Plano Plurianual de Educação. Nesse plano, se você olhar, tem solução para quase tudo na educação do município. Por exemplo, um problema gravíssimo na educação do município hoje é a merenda escolar. O menino chega na escola e o professor diz 'olhe, volte porque hoje não tem merenda escolar, o prefeito não deu'. Então tem conjunto de medidas no Plano Plurianual para resolver esse tipo de problema, que inclusive pode racionalizar os recursos da prefeitura. Só que a prefeitura não coloca em plano, o plano plurianual. Ou seja, você contratou uma consultoria, fez todo um planejamento, elaborou um documento só para dizer para a prefeitura o que não deve ser feito? Só para ficar ali parado? Outro problema gravíssimo: Salvador hoje não tem um conselho de fiscalização das áreas do Fundeb [Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica], por motivos óbvios. No momento que você tem conselho, algumas coisas começam a vazar dos esquemas que foram montados ali. A secretaria de educação, nós sabemos disso e pode colocar aí, é mestre dos esquemas de corrupção. Você passa o ano todo com a educação à míngua no município, aí chega o final do ano é megaevento para professor. Formação no Othon Palace e etc. Por quê? Para poder gastar o dinheiro apressadamente com projetos que você não pode controlar muito o que vai para o que aí fica financiando os esquemas todos. Temos que cobrar a criação desse conselho, seja para fazer com que sejam retirados os obstáculos para que venham mais recursos para a educação do município, porque a falta do conselho legalmente cria problemas e acaba criando obstáculos para o dinheiro vir, seja para que esse recurso seja administrado a partir do interesse público. Nós vamos cobrar. Recursos para a Educação devem ser administrados o ano todo, a partir de objetivos que se tenha para atacar os problemas reais da educação. Então, a fiscalização não apenas é um momento que você evidencia que você tem outra política e que o adversário que está na prefeitura tem uma outra política. Ela pode ter decorrência concreta na melhoria da qualidade de vida da nossa população a partir da intervenção da máquina pública. Eu estou falando na educação, mas é a mesma coisa na Saúde por exemplo, nas mais diversas áreas. São várias coisas que se a população discutisse de maneira sistemática ia ver que existem possibilidades de resolver as coisas. Nosso mandato vai ter esse perfil. Vamos ter projetos, alguns deles de proposições nossa, mas vamos ter uma linha de fiscalização muito dura, para que os interesse público seja preservados. Estamos muito confiantes de que isso pode acontecer se a gente fizer o mais difícil, mas é o que é mais consistente, que é o que a gente fez nesse período eleitoral: contato direto com a população para que ela siga na política. Vamos fazer um mandato andarilho. Não se assustem se encontrarem um grupo do PSOL todo com chapéu de palha e andar pela cidade para conversar com a população e envolver ela na participação.
 
BN  – Na época da greve dos policiais, você participou bastante de assembleias e uma vez você falou a nós sobre Marco Prisco, na época em que saiu aquele áudio no Jornal Nacional em que ele falava sobre queima de carretas. Na época, você disse que “não era bem assim”, que um rapaz “dizia que ia queimar, mas não queimou”, que não tinha prova de que isso foi concretizado. Eu quero que você faça uma avaliação de Marco Prisco como líder da greve dos policiais e dissesse o que achou da eleição dele para a Câmara.
 
HC – Olha, ninguém pode acusar Prisco de não ser uma liderança autêntica dos policiais. Prisco foi uma liderança que se afirmou a partir da greve de 2001, eu fiz até um estudo como historiador sobre as greves de polícia, inclusive a de 2001, em um contexto de muita agressividade do carlismo que não conseguiu em grande medida se efetivar porque a greve foi muito forte em 2001 e a principal parte do grupo de demitidos da prefeitura de 2001 tinha esperança de voltar para a polícia, inclusive como liderança, para discutir uma outra concepção de polícia. Uma outra situação de segurança para a Bahia. Então, Prisco vem dessa trajetória. Por que estoura a nova greve de polícia? Porque no início do governo de Wagner, ele estabelece uma série de compromissos e vai terminar o segundo governo sem cumprir. Os policiais dizem: olha, não dá para terminar o segundo governo com esse cara colocando a gente em banho-maria. Essa é a primeira coisa que a gente precisa situar. E diferentemente do que poderia ter acontecido, o governo de Wagner não teve nenhuma humildade para reconhecer que houve uma trajetória de descumprimento de acordo, e foi na linha de repressão. Você vai confrontar dois corpos armados, no caso a Guarda Nacional com a Polícia Militar, é impossível não criar uma exclusividade nessa relação. Então a participação do PSOL veio, primeiro, a partir da leitura de que a gente entende que o problema da segurança pública na Bahia é um problema gravíssimo e que nós não vamos dar nenhum passo para melhorar a situação da segurança pública enquanto a gente não tiver o elementar, por exemplo a valorização dos profissionais. Então o governo de Wagner, por um lado, tem uma política conservadora, de não obstaculizar a matança da juventude negra que está acontecendo nas periferias de Salvador e, por outro lado, em um momento em que ele poderia responder para melhorar a situação da segurança pública na Bahia, ele tem esse comportamento. A posição do PSOL foi essa, nós precisávamos apoiar essa movimentação porque é o que existe de mais legítimo por uma segurança pública em outra perspectiva, de valorização dos profissionais. Não significa que nós éramos líderes de movimento dos policiais. Eu não posso assinar embaixo nem saber o que o comando do movimento estava fazendo. Eu não estou avalizando nenhuma posição de que os erros foram cometidos, porque choque de versões sobre isso aí tem uma porrada. O próprio [ex-presidente] Lula deu uma versão sobre isso na greve de 2001, foi muito interessante que eles colocaram, dizendo que muita coisa podia estar sendo feita pelo governo do Estado, daquelas ações ilegais. Porque a polícia, inclusive, tem um segmento especializado para desenvolver esse tipo de ação mesmo. Faz parte do trabalho deles em um determinado momento dissimular, criar determinadas situações. Enfim, a gente não sabe de onde veio. Sobre a eleição de Prisco: Ele é uma liderança que tem uma trajetória. Olhe que, para mim, seria muito fácil dar um discurso reto aqui, dizendo que “um cara do PSDB não vale nada”, mas eu não vou fazer isso. Porque nós precisamos ter coerência. Nem tenho nenhuma esperança de que Prisco vá ter uma relação de volta, já que ele passou pelo PSOL, mas eu tenho que reconhecer que ele é uma liderança. E ele é uma liderança que surge em um momento em que o governo fez um acordo em relação à GAP, por exemplo, e não está respeitando.
 
BN  – Que está transitado em julgado.
 
HC  – Pois é. Então, ele tem uma questão para trabalhar aí, que é a segurança pública no Estado e especialmente em Salvador, e eu espero que ele tenha um compromisso com a categoria e com a sociedade em geral. Que faça um bom mandato. Vamos ver o que vai ser.
 
 

 
BN – E em relação a 2014, o PSOL na Bahia tem alguém com força para eleger um deputado ou Hilton vai ter que sair novamente candidato?
 
HC – Eu confesso que não parei para pensar sobre isso porque eu acho que, nesses dois anos aí, vamos ter que fazer muita água rolar por debaixo da ponte. Isso depende muito de como vai ser o nosso mandato, se a gente vai ser vitorioso nessa estratégia de estimular a relação direta com a população. Depende de muita coisa. A gente vai trabalhar a liderança de Hamilton, que simbolicamente e politicamente para mim é uma liderança muito cara para o povo de Salvador, depende de muita coisa. Eu prefiro não dar palpite sobre esse tipo de coisa. É fazer, ter uma atuação incisiva, programática, referenciada em questões políticas e, quando chegar o momento eleitoral, a gente pensar como estão as peças no xadrez e se posicionar para dar um passo adiante. Eu, como militante, estou aí para tudo. Estou à disposição do PSOL para ser candidato a qualquer coisa, inclusive não ser candidato a nada. O nosso mandato é radicalmente coletivo, vai funcionar com plenárias, mesmo essa questão do funcionamento até a própria relação do mandatário com o gabinete. O compromisso que nós temos é que eu não vou ter alteração salarial. Eu trabalho hoje no Tribunal Regional do Trabalho, nós estamos arrochados, mas não posso dizer que eu não tenho um salário que não me dê o mínimo de dignidade. E isso vai ser o meu salário. Tudo do salário de vereador passado ao que eu recebo hoje vai ser revertido para a luta para a construção desse trabalho político. Isso foi um compromisso de campanha que, logo depois da eleição, eu já faço questão de retomar. Portanto, os rumos que a gente vai tomar politicamente, da afirmação da liderança, vamos discutir a partir dessa avaliação.
 
BN – Então você não vai pedir licença do seu trabalho de servidor público?
 
HC – Não, não. Eu vou pedir licença. Eu me afasto. Mas da totalidade do meu recurso que vem para o meu salário de vereador, eu só vou ficar com a parte que é o meu salário de servidor do Tribunal Regional do Trabalho. Na verdade, eu nem sei quanto é o salário de vereador hoje, mas o que passar vai ser revertido para o carro de som e o panfleto.