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davi fiuza
"A carne mais barata do mercado é a carne negra/ Que vai de graça pro presídio/ E para debaixo do plástico/ E vai de graça pro subemprego/ E pros hospitais psiquiátricos". Imortalizada na voz de Elza Soares, a canção "A Carne" é uma triste realidade do povo brasileiro. E, em meio a esse problema, uma chaga se mantém aberta: a violência policial. O tema tem sido recorrente em protestos e denúncias ao longo das últimas décadas no Brasil — e na Bahia. Casos emblemáticos, muitas vezes marcados por abusos de poder, seguem ecoando nas ruas e nas memórias da sociedade baiana. Esses episódios trágicos revelam um padrão de violência que ameaça a vida dos baianos.
No caso mais recente, um policial militar fora de serviço disparou contra dois homens que estavam rendidos, um dos quais morreu no local e o outro ficou gravemente ferido. Gabriel Santos Costa não teve a chance de ser socorrido, foi encontrado já sem vida por policiais que foram até a localidade. Já Haziel Martins Costa foi encontrado ferido e socorrido para uma unidade de saúde próxima ao local.
O crime aconteceu na Rua Corte Grande, no Alto de Ondina. Na madrugada do primeiro dia de dezembro. O policial militar Marlon da Silva Oliveira, principal suspeito de executar o jovem, foi preso, na noite do último domingo (8), ao se apresentar à 1ª Delegacia de Homicídios.
Se engana quem acredita que este é apenas mais um caso isolado, esse caso vem se somar a uma série de episódios semelhantes que, ao longo dos anos, continuam a expor a falha do sistema de segurança pública em garantir direitos básicos de proteção e segurança para a população.
No ano de 2023, foram registradas 1.702 mortes por ações policiais na Bahia em 2023. Este é o segundo ano consecutivo em que a Bahia supera os índices registrados no Rio de Janeiro e São Paulo, dois dos três estados brasileiros com maiores populações. As informações fazem parte da pesquisa Pele Alvo, da Rede de Observatório de Segurança, divulgados no dia 7 de novembro.
A Rede de Observatórios de Segurança monitora a situação em nove estados brasileiros: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo. Dentre esses, a Bahia foi o único estado a registrar mais de mil óbitos no ano passado.
Os dados deixam claro que a violência e a injustiça tem cor, e a carne mais barata do mercado segue sendo a negra, a população negra representou 94,6% do total e 99,5% são homens, com uma vítima a cada sete horas. Segundo o estudo, a polícia baiana é a que mais mata, sendo responsável por quase a metade dos casos (47,5%) de pessoas negras mortas em ações policiais de todos os nove estados estudados. A juventude também faz parte do perfil mais vitimado: 62,0% dos mortos tinham entre 18 e 29 anos e 102 jovens de 12 a 17 anos foram mortos por agentes de segurança.
A violência policial na Bahia carrega uma história marcada por episódios que abalaram a sociedade e levantaram questionamentos sobre o uso excessivo da força e a impunidade. Ao longo das décadas, casos emblemáticos expuseram a fragilidade na relação entre as forças de segurança e a população, especialmente nas comunidades mais vulneráveis.
Relembre, a seguir, um desses episódios que deixaram cicatrizes profundas no estado e continuam a ecoar na memória coletiva como símbolos da luta por justiça e direitos humanos.
Davi Fiuza
Nascido em 8 de outubro de 1998, Davi Fiuza é filho de Rute e irmão mais novo de Camila. Libriano, fã de Djavan, de Pablo e de Ivete Sangalo, o menino acabara de completar 16 anos quando foi visto pela última vez por sua família.
Davi desapareceu numa sexta-feira, 24 de outubro, que antecedia o segundo turno da votação para a eleição de presidente da República de 2014. De acordo com testemunhas, Davi foi abordado por viaturas da 49ª Companhia Independente de Polícia Militar na porta da sua casa, na rua São Jorge de Baixo, na Vila Verde, na Estrada Velha do Aeroporto. Depois dessa abordagem, nunca mais o adolescente foi visto.
A família denunciou que ele foi encapuzado com a própria roupa, por policiais. Ele teve mãos e pés amarrados e colocado no porta-malas de um dos carros que não tinha a plotagem de identificação da Polícia Militar. No momento da ação, o menino conversava com uma vizinha na Rua São Jorge de Baixo, que fica na comunidade de Vila Verde.
Desde o dia do desaparecimento do filho, a mãe disse que percorreu delegacias, Instituto Médico Legal e até locais de "desova" de corpos para tentar encontrar indícios dele, mas nunca teve pistas do garoto. A família de Davi nunca teve oportunidade de se despedir dignamente do menino.
Em entrevista ao Bahia Notícias, Camila Fiuza, irmã mais velha de Davi, afirmou que não sabe como a família lida com o desaparecimento do irmão porque a situação foi “empurrada goela abaixo”. “A gente não sofre só porque ele morreu, mas é porque não sabemos o que aconteceu com ele”.
“Não tem um dia que eu não pense nisso. Porque não teve esse ritual, não nos foi dada a oportunidade de nos despedir, foi nos negado o direito de enterrar o corpo do nosso ente. E é um direito humano poder enterrar o corpo dos nossos entes”, adicionou.
Camila contou que há algum tempo decidiu ir ao cinema assistir ao filme “Ainda Estou Aqui” e ficou “muito emocionada”. “Porque pensei que parece que a ditadura ainda não acabou, a sensação que tenho é essa. As pessoas falam que foi um tempo horrível, tenebroso. Só que a ditadura ainda existe na favela”.
A jovem não deixou de ressaltar que a polícia parece ter um alvo claro quando se trata de violência. “Infelizmente a maioria das pessoas assassinadas pela polícia, que são vítimas da violência brutal, no nosso país são pessoas negras e meu irmão foi morto exatamente por ele ser um jovem negro”.
“Se meu irmão fosse branco, a justiça já tinha sido feita”
Apesar do inquérito policial ter indiciado os 17 policiais que participaram da abordagem, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) ofereceu denúncia contra sete deles, por sequestro e cárcere privado, em 2018.
A Polícia Militar instaurou apenas um processo administrativo disciplinar para apurar a conduta dos PMs indiciados também em 2018, quatro anos após o desaparecimento de Davi.
“O que mais dói essa covardia. 23 policiais pegaram ele, apenas sete foram indiciados. Levaram meu irmão e não tem nenhuma resposta do estado, nenhuma. O estado tirou ele de casa, torturou e matou e não deu nem um acolhimento para gente”, acusou.
Camila defende que os familiares destas vítimas recebam acolhimento e tratamento para conseguirem viver apesar da fatalidade e, cabe ao governo disponibilizar ferramentas para que isso seja possível.
“Pelo menos tratamento psicológico para as vítimas de violência policial, porque isso vai se perpetuando de geração em geração e essa ferida nunca é curada. O mínimo é um representante do estado entrar em contato com as famílias, conversar e receber as famílias. A gente não percebe essa preocupação, esse empenho, nós somos tratados como animais”.
Quando questionada sobre sua esperança de saber exatamente o que aconteceu, Camila contou que é difícil se manter esperançosa diante de tanta “atrocidade e injustiça”. “As famílias que perdem seus entes queridos, acabam ficando à mercê, sofrendo. Não sabem o que aconteceu, o que fizeram com o corpo do seu familiar e não sabe nem o que vai acontecer com você. Além de ter levado meu irmão e sumido com meu irmão, é como se tivesse acabado com a vida de todo mundo”.
“A gente tá sobrevivendo. Não esquece, continua lutando”.
Na entrevista, Camila citou também a execução dos dois meninos no Alto de Ondina. Segundo ela, sua família não torce apenas para que eles obtenham justiça, mas que outras vítimas possam ter justiça pelos seus entes.
“É necessário que tenha justiça e que tenha também reparação do estado. Não basta simplesmente prender o policial ou tirar farda, sendo que isso é perpetuado em gerações. Não adianta passar maquiagem e dizer que teve injustiça. Beleza, vamos prender, mas isso vai continuar acontecendo”, alegou.
"Imagine passar 10 anos esperando por uma resposta".
Foto: Rute Fiuza / Arquivo Pessoal
O Bahia Notícias entrou em contato com a Polícia Militar da Bahia para saber sobre os números preocupantes do estado com relação à violência policial. O órgão enviou uma nota afirmando que "a Polícia Militar da Bahia (PM-BA) reforça seu compromisso com a transparência, a legalidade e o rigor na apuração de quaisquer denúncias relativas à atuação de seus integrantes".
"Toda e qualquer conduta que se desvie dos protocolos técnicos e operacionais da corporação é investigada de forma isenta, e as medidas cabíveis são adotadas de acordo com o que prevê a legislação em vigor. A PM-BA segue firme em seu compromisso de proteger a sociedade baiana, sempre respeitando os direitos humanos e atuando em conformidade com os princípios que regem o Estado Democrático de Direito", completou.
A mãe de Davi Fiuza, adolescente de 16 anos que desapareceu após uma operação da polícia militar na localidade de Vila Verde, na Estrada Velha do Aeroporto, em 2014, discursou na ONU sobre a violência das forças de segurança que atinge a população jovem negra de Salvador.
“Sou Rute Fiuza, membro do coletivo de familiares de vítimas do terrorismo brasileiro. Meu filho tinha 16 anos quando foi tirado de sua casa por 23 policiais militares no estado da Bahia, em outubro de 2014 […]. Nós mães temos sido silenciadas pelas forças de segurança com constantes ameaças a nossas vidas e as vidas de nossos jovens negros,” afirmou.
A mãe do jovem fez um pedido ao governo nacional por elucidações e mais segurança aos profissionais da Justiça. “Quero que o estado brasileiro diga onde está o corpo dele para que tenha um funeral digno. E que o estado garanta a segurança dos defensores públicos no âmbito da justiça racial. Estamos falando de um cenário de 82 mil pessoas desaparecidas, em plena democracia.”
Rute criticou duramente o modo como a população negra é encarada pelas forças policiais no Brasil. “No país há uma política de extermínio de jovens negros. Nunca foi divulgada informação onde está o corpo de meu filho e, assim, convertido meu luto em luta por justiça, do mesmo modo que as mães dos jovens dizimados nos massacres do cabula e da gamboa,” completou.
RELEMBRE O CASO
Segundo a família da vítima, Davi acabara de completar 16 anos no dia 8 de outubro, e dias depois houve a operação policial numa sexta-feira, dia 24 de outubro, que antecedia o segundo turno da votação para a eleição de presidente da República.
De acordo com testemunhas, Davi foi abordado por viaturas da 49ª Companhia Independente de Polícia Militar (49ªCIPM/São Cristóvão) na localidade de Vila Verde, na Estrada Velha do Aeroporto. Depois dessa abordagem, nunca mais o adolescente foi visto.
A Polícia Civil concluiu o inquérito em agosto de 2018 e apontou a participação de 17 policiais militares envolvidos na abordagem de Davi Fiúza. Sete deles foram denunciados pelo Ministério Público por sequestro e cárcere privado: Moacir Amaral Santiago, Joseval Queiros da Silva, Genaro Coutinho da Silva, Tamires dos Santos Sobreira, Sidnei de Araújo dos Humildes, George Humberto da Silva Moreira e Ednei da Silva Simões.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) indeferiu um recurso em favor dos cinco policiais militares suspeitos de envolvimento no desaparecimento do adolescente Davi Fiúza. O adolescente sumiu no dia 24 de outubro de 2014, após a abordagem realizada por policiais do Pelotão de Emprego Tático Operacional (Peto) e Rondas Especiais (Rondesp). O garoto tinha 16 anos à época.
Segundo o G1, a Defensoria Pública do Estado pediu, em liminar, que os agentes não fossem para júri popular, sendo julgado peal Justiça Militar. Os denunciados por suposto sequestro e cárcere privado são Genaro Coutinho da Silva, Sidnei de Araujo Humildes, Ednei da Silva Simões, Tamires dos Santos Sobreira e George Humberto da Silva Moreira.
A defesa dos PMs alegou constrangimento ilegal, apontando incompetência do Juízo criminal para declarar a morte presumida da vítima sem decretação de ausência e a falta de provas suficientes para transferir o caso à Vara do Tribunal do Júri.
Na negativa da liminar, o vice-presidente do STJ, ministro Og Fernandes, declarou que as razões para a decisão do tribunal estadual foram claramente indicadas no acórdão, tanto em relação à possibilidade de declarar a morte presumida sem anterior declaração de ausência quanto à suficiência das provas no processo alegadas pela defesa.
No início, um inquérito policial indiciou 17 PMs por participação na abordagem. Depois, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) ofereceu denúncia contra sete deles, por sequestro e cárcere privado, já em 2018.
Caso Davi Fiuza: exibição de filme e debate sobre letalidade policial ocorrerão na UFBA nesta quarta
Nesta terça-feira (24), completaram nove anos do desaparecimento do jovem Davi Fiuza que, de acordo com familiares, foi levado da porta de casa por 23 policiais militares em formação, no dia 24 de outubro de 2014, na localidade de Vila Verde, na Estrada Velha do Aeroporto.
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Para reforçar o debate sobre letalidade policial nesta quarta-feira (25), a partir das 18h30, acontece no Auditório do PAF-V (campus de Ondina) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), a exibição do documentário Sem Descanso, seguida de um debate sobre a letalidade da polícia. O filme tem direção de Bernard Attal que, juntamente com familiares de Davi, vai estar presente no encontro. A participação é gratuita.
O documentário se passa em 2014 e conta a história de Geovane Mascarenhas, um jovem nascido na periferia de Salvador, que foi preso pela polícia militar e nunca mais foi visto. A obra apresenta a investigação do caso, com um debate sobre as raízes históricas e sociais da brutalidade policial.
CASO DAVI FIUZA
De acordo com a família da vítima, Davi tinha acabado de completar 16 anos no dia 8 de outubro, e dias depois houve a operação policial numa sexta-feira, dia 24 de outubro, que antecedia o segundo turno da votação para a eleição de presidente da República.
De acordo com testemunhas, Davi foi abordado por viaturas da 49ª Companhia Independente de Polícia Militar (49ªCIPM/São Cristóvão) na localidade de Vila Verde, na Estrada Velha do Aeroporto. Depois dessa abordagem, nunca mais o adolescente foi visto.
A Polícia Civil concluiu o inquérito em agosto de 2018 e apontou a participação de 17 policiais militares envolvidos na abordagem de Davi Fiúza. Sete deles foram denunciados pelo Ministério Público por sequestro e cárcere privado: Moacir Amaral Santiago, Joseval Queiros da Silva, Genaro Coutinho da Silva, Tamires dos Santos Sobreira, Sidnei de Araújo dos Humildes, George Humberto da Silva Moreira e Ednei da Silva Simões.
A mãe de Davi Fiuza, adolescente de 16 anos que desapareceu após uma operação da polícia militar na localidade de Vila Verde, na Estrada Velha do Aeroporto, em 2014, discursou na ONU sobre a violência das forças de segurança que atinge a população jovem negra de Salvador.
“Sou Rute Fiuza, membro do coletivo de familiares de vitimas do terrorismo brasileiro. Meu filho tinha 16 anos quando foi tirado de sua casa por 23 policiais militares no estado da Bahia, em outubro de 2014 {...}. Nós mães temos sido silenciadas pelas forças de segurança com constantes ameaças a nossas vidas e as vidas de nossos jovens negros,” afirmou.
A mãe do jovem fez um pedido ao governo nacional por elucidações e mais segurança aos profissionais da Justiça. “Quero que o estado brasileiro diga onde está o corpo dele para que tenha um funeral digno. E que o estado garanta a segurança dos defensores públicos no âmbito da justiça racial. Estamos falando de um cenário de 82 mil pessoas desaparecidas, em plena democracia.”
Rute criticou duramente o modo como a população negra é encarada pelas forças policiais no Brasil. “No Brasil há uma politica de extermínio de jovens negros. Nunca foi divulgada informação onde está o corpo de meu filho. E, assim, convertido meu luto em luta por justiça, do mesmo modo que as mães dos jovens dizimados nos massacres do cabula e da gamboa,” completou.
Curtas do Poder
Pérolas do Dia
Capitão Alden
"Estamos preparados, estamos em guerra. Toda e qualquer eventual postura mais enérgica, estaremos prontos para estar revidando".
Disse o deputado federal Capitão Alden (PL) sobre possível retirada à força da obstrução dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Congresso Nacional.