Com corte de gastos no radar do mercado e Congresso com pauta cheia, Lula tenta fechar acordo Mercosul-União Europeia
Por Edu Mota, de Brasília
A semana começa com muitas incertezas no radar da política e da economia nesta reta final do ano de 2025. Após o mal sucedido anúncio de medidas de corte de gastos pelo ministro Fernando Haddad, na semana passada, que gerou muita turbulência no mercado e a disparada da desvalorização do real frente ao dólar, o governo federal tenta virar o jogo com a aprovação rápida das medidas, que contam com a boa vontade dos presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco.
Os presidentes das duas casas do Congresso prometem a partir desta semana acelerar votações e trabalhar até mesmo de segunda a sexta para avançar não só os projetos recentes do governo para equilibrar as contas, como muitas outras matérias que atravancam a pauta do Legislativo. É o caso, por exemplo, da Lei de Diretrizes Orçamentárias, da regulamentação da reforma tributária, a questão da dívida dos estados, a liberação de jogos de azar no Brasil, a regulamentação da Inteligência Artificial, o próprio Orçamento da União para 2025, entre tantas outras.
Apesar do interesse dos presidentes da Câmara e do Senado em acelerar as votações, ainda há nos bastidores do Congresso uma crescente insatisfação com o bloqueio das verbas das emendas parlamentares. O bloqueio feito no mês de agosto pelo ministro Flávio Dino, do STF, ainda não foi liberado, e há um total de R$ 25 bilhões represados e que causam insatisfação não apenas em deputados e senadores, mas também em prefeitos.
Caso esse desbloqueio demore ainda mais, não é possível prever se as votações serão levadas à frente, por conta do interesse de diversas bancadas em retaliar o governo federal e também o Poder Judiciário.
Confira abaixo um resumo da semana nos três poderes em Brasília.
PODER EXECUTIVO
O presidente Lula abriu a semana em reunião logo cedo no Palácio do Planalto, para tratar do Programa Acredita, que visa a abertura de crédito para microempresas e microempreendedores individuais (MEIs). Participaram do encontro os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Wellington Dias (Assistência Social), Márcio França (Empreendedorismo) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário).
Também foram chamados para a reunião a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros; o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante; o presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Vieira; o diretor-presidente do Sebrae, Décio Lima; e o diretor-presidente da Empresa Gestora de Ativos S.A. (Emgea), Fernando Pimentel.
As 11h, o presidente tem audiência com o governador do Maranhão, Carlos Brandão. Na pauta do encontro pode entrar a ruptura política entre o governador maranhense e o ministro do STF, Flávio Dino.
Apadrinhado por Dino na política, Brandão não foi convidado para o casamento do ministro, que aconteceu neste domingo (1º). Brandão vem se queixando de "fogo amigo" dos aliados do ex-governador Flávio Dino na Assembleia Legislativa do Maranhão.
Já na parte da tarde, as 14h40, Lula se reúne com o seu secretário especial para Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Marcos Rogério de Souza. As 15h, a agenda do presidente Lula contém uma reunião com a vice-Presidente Executiva da BYD e CEO da BYD nas Américas, Stella Li. O encontro será no Palácio do Planalto.
O último compromisso da agenda do presidente Lula nesta segunda é uma reunião, as 16h, com o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias.
Ainda nesta segunda ou na terça (3), o presidente Lula deve se reunir com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para alinhar os últimos detalhes da proposta de corte de gastos anunciado pelo governo semana passada. Lula e Haddad devem definir a parte do projeto que reestrutura a carreira dos militares.
Em encontro no último sábado (30) no Palácio da Alvorada com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e os comandantes das Forças Armadas, general Tomás Paiva (Exército), almirante Marcos Olsen (Marinha), e brigadeiro Marcelo Damasceno (Aeronáutica), os militares pediram um período de transição de sete anos para a implantação da nova regra de idade mínima de 55 anos para a passagem à reserva. A tendência é de que os militares tenham sete anos, partir de 2025, para se adequarem à nova regra da idade mínima de 55 anos para passarem para a reserva.
Por esse entendimento, a partir de 2032 todos os militares teriam que cumprir a idade mínima de 55 anos para deixar a ativa. Na reunião com os comandantes militares, Lula se comprometeu a conversar com Haddad sobre os entendimentos do encontro para a formulação da proposta.
Também nesta semana o presidente Lula encaminhará ao Senado Federal a mensagem com a indicação dos três novos diretores do Banco Central. Os indicados são: Izabela Correa, na vaga de Carolina de Assis Barros; Gilneu Vivan, na vaga de Otávio Damaso; e Nilton David, na vaga de Gabriel Galípolo.
Caso as indicações sejam aprovadas pelo Senado Federal em 2024, os indicados passarão a exercer o cargo de diretor do Banco Central do Brasil a partir de 1° de janeiro de 2025. Os indicados precisam ser sabatinados na Comissão de Assuntos Econômicos e passar por votação no plenário do Senado.
Já na quinta (5), Lula estará em Montevidéu, para participar da 65ª Cúpula do Mercosul. Participaram do encontro os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, membros do bloco, além de representantes convidados de Bolívia e Panamá.
Essa será a primeira viagem internacional desde o acidente doméstico de Lula, em outubro, que o tirou da reunião da cúpula dos Brics. A expectativa principal da Cúpula é a assinatura do acordo entre o bloco sul-americano e a União Europeia. A expectativa é que a proposta, travada há 25 anos, avance durante o encontro.
O texto do acordo UE-Mercosul prevê a redução de taxas para produtos do Mercosul na Europa em até uma década. Por outro lado, o bloco sul-americano reduzirá 92% das taxas para produtos europeus em 15 anos. O presidente Lula é o principal defensor da proposta, que enfrenta forte resistência principalmente da França, que inclusive já aprovou um projeto para rejeitar o acordo.
No calendário da divulgação dos indicadores econômicos, o IBGE divulga, nesta terça (3), os dados do PIB do Brasil no terceiro trimestre. A expectativa é de crescimento, no segundo trimestre, o Produto Interno Bruto brasileiro avançou 1,4%.
Já na quarta (4), o IBGE divulga a Síntese de Indicadores Sociais: Uma análise das condições de vida da população brasileira em 2024.
PODER LEGISLATIVO
A partir desta segunda (2), serão apenas três semanas de atividades do Congresso Nacional até a chegada do recesso parlamentar, que provavelmente se iniciará em 20 de dezembro. Pela legislação, o recesso parlamentar só pode se iniciar se for votado ainda neste ano a proposta do Orçamento da União de 2025.
O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), já antecipou que pretende realizar sessões plenárias de segunda a sexta-feira para votar a extensa pauta que aguarda apreciação nas duas casas do Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), também afirmou que pretende seguir na mesma linha para acelerar votações de projetos.
Em relação aos projetos anunciados pelo governo para promover os cortes de gastos, Lira e Pacheco disseram que pretendem priorizar essas propostas, e disseram acreditar ser possível finalizar a votação ainda neste ano. Arthur Lira disse, inclusive, que a Câmara tem um "compromisso inabalável" com o arcabouço fiscal e que as medidas de corte de gastos contarão "com todo esforço, celeridade e boa vontade da Casa".
Nesta semana já devem ser votados no plenário da Câmara os dois primeiros projetos do pacote de corte de gastos do governo. Nesta terça (3), o presidente da Câmara deve reunir o colégio de líderes para alinhar a votação desses projetos e tratar também da PEC que integra o plano e que deve ser enviada ao Congresso nesta semana.
Um dos projetos apresentados pelo governo prevê o bloqueio das emendas parlamentares ao Orçamento, um pente-fino no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e no Bolsa Família. O projeto também enumera regras para conter o crescimento dos gastos com salários e benefícios previdenciários, de acordo com a regra fiscal.
O segundo projeto determina que entre 2025 e 2030 o reajuste real do salário mínimo ficará limitado aos limites do novo arcabouço fiscal, ou seja, também poderá crescer entre 0,6% a 2,5% acima da inflação. Essa proposta enfrenta resistência principalmente da oposição, e pode ser modificada de acordo com a posição dos líderes.
Pode avançar também nesta o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025. O relator da LDO, senador Confúcio Moura, apresentou na semana passada o seu relatório e foi aberto prazo para apresentação de emendas. Nesta semana, diversas comissões da Câmara e do Senado se reunirão para discutir as emendas que apresentarão ao Orçamento de 2025.
Todas as comissões permanentes podem oferecer emendas coletivas à proposta orçamentária. São 17 colegiados do Senado, 30 da Câmara dos Deputados e cinco do Congresso Nacional, além das Mesas Diretoras do Senado e da Câmara. Cada colegiado pode propor até oito emendas, sendo quatro de apropriação e quatro de remanejamento.
No Senado, Rodrigo Pacheco já divulgou a agenda da semana com sessões de votação no plenário de terça a quinta (5). Na terça, por exemplo, serão votados o PL 3449/2024, que trata da tributação simplificada das remessas postais internacionais; da PEC 3/2020, que trata do regime de competência para legislar sobre defesa e segurança cibernética e fixar a competência comum dos entes federados para zelar pela segurança cibernética dos serviços públicos; e o PL 1754/2024, que regulamenta a condição de segurado especial dos associados em cooperativas.
Para a sessão da próxima quarta (4), Pacheco pautou o PL 3149/2020, que altera a legislação sobre a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio) para nela incluir os produtores independentes de matéria-prima destinada à produção de biocombustível; o PL 2234/2022, que trata da exploração de jogos e apostas em todo o território nacional; e o PL 5637/2020, que altera a lei para prever sanções aos prestadores de serviços turísticos que cometerem infrações associadas à facilitação do turismo sexual.
A sessão de quinta (5), de acordo com a pauta definida por Pacheco, prevê a votação do PLP 124/2022, que trata das normas gerais de prevenção de litígio, consensualidade e processo administrativo, em matéria tributária; do PLP 125/2022, que estabelece normas gerais relativas a direitos, garantias e deveres dos contribuintes; do PL 2338/2023, que regulamenta o uso da Inteligência Artificial no país; do PLC 64/2016, que busca assegurar o apoio técnico e financeiro às iniciativas de regularização fundiária de assentamentos urbanos do Programa Minha Casa, Minha Vida.
Na Comissão de Constuição e Justiça, o presidente Davi Alcolumbre (União-AP) pautou a discussão da PEC que prevê o fim da propriedade exclusiva da União sobre terrenos de marinha, conhecida como PEC das Praias. O polêmico tema, entretanto, terá que dividir as atenções com o primeiro projeto de regulamentação da Reforma Tributária, que pode ter o relatório entregue e lido nesta semana.
PODER JUDICIÁRIO
Os ministros do Supremo Tribunal Federal vão retomar, na próxima quarta (4), o julgamento das ações que discutem a responsabilidade das plataformas de internet pelo conteúdo postado por usuários nas redes sociais. Estão sendo julgadas ações que tratam da responsabilidade civil das plataformas da internet por conteúdos de terceiros e a possibilidade de remoção de conteúdos ofensivos sem determinação judicial.
A principal controvérsia analisada pelos ministros do STF diz respeito ao artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exige ordem judicial prévia e específica de exclusão de conteúdo para a responsabilização de provedores, websites e gestores de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros. Na semana passada, após a conclusão das sustentações orais das partes interessadas admitidas no processo, o ministro Dias Toffoli iniciou a apresentação de seu voto.
Segundo Toffoli, o Marco Civil da Internet foi uma conquista democrática da sociedade. Mas, dez anos depois, é necessário atualizar o regime de responsabilidade dos provedores para se adequar ao modelo atual. O julgamento na próxima quarta prosseguirá com a conclusão do voto de Toffoli. Em seguida, o ministro Luiz Fux apresentará seu voto.
Já em plenário virtual, está marcado para começar na próxima sexta (6) o julgamento do recurso apresentado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro para afastar o ministro Alexandre de Moraes do julgamento dos inquéritos sobre a tentativa de golpe. A defesa de Bolsonaro alega que, por ser vítima no processo, o ministro não poderia relatar, participar e julgar o caso.
O recurso da defesa de Bolsonaro já havia sido recusado pelo presidente do STF, ministro Luis Roberto Barroso, em decisão monocrática no mês de fevereiro. À época, a Procuradoria Geral da República entendeu que a ação não possuía um alvo específico e sim, um ataque às instituições, e portanto Alexandre de Moraes poderia participar do julgamento.