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Baianos constituintes veem possibilidade de nova Constituição como 'bizarra' e 'equívoco'

Por Jade Coelho

Baianos constituintes veem possibilidade de nova Constituição como 'bizarra' e 'equívoco'
Promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988 | Foto: Arquivo Câmara

Deputados constituintes da Bahia não veem com bons olhos a possibilidade de uma nova Constituição levantada pelo líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). As avaliações da proposta passam por “um equívoco muito grande”, “falta de bom senso”, “bizarra” e “estapafúrdia”, comentários de ex-parlamentares e até de uma deputada federal que segue na ativa, ouvidos pelo BN.

 

O texto final da “Constituição Cidadã” foi aprovado em 22 de setembro de 1988 e foi promulgada em 5 de outubro daquele ano. O documento se tornou o principal símbolo do processo de redemocratização nacional, depois de 21 anos de regime militar no Brasil.

 

A Assembleia Nacional Constituinte, convocada em 1985 pelo presidente José Sarney, trabalhou durante 20 meses. Na Bahia, 41 deputados participaram da elaboração da Carta Magna, entre eles Lídice da Mata, pelo PCdoB, Manoel Castro e Benito Gama, ambos pelo PFL.

 

Antes de ser promulgada, a Constituição passou por quase dois anos de intensos debates e por diversas votações acirradas. Na foto, a votação da anistia fiscal às microempresas, em setembro de 1988. | Foto: Arquivo Congresso Nacional

 

Ricardo Barros sugeriu que o Brasil deveria seguir o exemplo do Chile e reformar a Constituição em vigor no país. Os chilenos foram às ruas e aprovaram, em plebiscito, a abertura de uma assembleia constituinte.

 

Benito Gama, hoje no PTB, argumenta que não há como comparar o Chile com o Brasil. Para o deputado, o líder do governo e os defensores de uma nova Constituição cometem um equívoco ao justificar a proposta a partir desse fato. “Duas coisas totalmente diferentes”, ponderou, ao lembrar que no Brasil a Constituição de 1988 foi o marco final do processo de redemocratização.  

 

“A Constituição tem erros e acertos, tem alguns problemas, mas nenhum que não seja superado pelo próprio ordenamento constitucional de hoje”, defendeu Benito, em justificativa também presente nos discursos de Lídice e Castro.

 

Gama ainda defende que uma constituinte no momento vivido pelo Brasil “levaria o país ao pior dos mundos”. O deputado destaca que por mais que o Congresso tenha legitimidade pra propor, a Casa tem “se mostrado incapaz de fazer pequenas reformas, imagine fazer uma reforma na Carta Maior”. Para ele, os caminhos para mudar são outros, e baseados no debate e discussões, “e não por oportunismo”.

 

Manoel Castro, afastado de atividades partidárias já há alguns anos, minimiza a possibilidade de uma nova constituinte acontecer. Ele destaca a pandemia da Covid-19, uma crise sanitária sem precedentes no Brasil e da qual ainda não conhecemos todos os efeitos, para defender que não é o momento para discussões deste tipo.

 

“Não faz nenhum sentido, diante disso, tentar tomar decisão dessa agora”, refletiu Manoel Castro, que sugere que é preciso administrar as sequelas da pandemia para depois se pensar em qualquer tipo de mudança. “Qual é o sentido de mudar? Isso não é adivinhação, não é um jogo para ver se dá certo ou não”, completou.

 

Uma das justificativas apresentadas por Ricardo Barros é de que a Constituição de 1988 prevê muitos direitos para os cidadãos e estabelece poucos deveres.

 

A ainda deputada Lídice da Mata (PSB) considera as declarações do líder do governo como “decepcionantes” e acredita que mostram um claro desconhecimento sobre a Constituição e o que é um plebiscito. “Não existe isso. Os deveres estão muito claros e consolidados na Constituição Federal. São definidos pelo Código Penal e Civil, que dão limites a cada cidadão do que ele pode e não pode fazer. Além disso há as leis complementares, ordinárias”, refutou.

 

Lídice foi uma das duas únicas mulheres que representaram a Bahia no processo constituinte. A deputada apresentou 196 emendas e teve 32 aprovadas, e ainda foi membra da Subcomissão do Sistema Eleitoral e Partidos Políticos e da Comissão da Organização Eleitoral, Partidária e Garantias das Instituições. Na visão dela, as falas de Ricardo Barros parecem mais com uma “ameaça às instituições democráticas” do que qualquer outra coisa.

 

Ao todo 26 mulheres, todas deputadas, foram constituintes | Foto: Arquivo Congresso Nacional

 

Os três deputados constituintes ouvidos pelo BN destacaram a importância do diálogo para o processo, e concordam que o momento vivido pelo Brasil não é ideal para uma nova constituinte.

 

A CONSTITUIÇÃO DE 88

O presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, recebe emendas populares para o texto da Constituição | Foto: Arquivo Congresso Nacional

 

Durante o processo de formulação da Constituição, cinco milhões de formulários foram distribuídos para que cidadãos e entidades representativas encaminhassem sugestões. De acordo com a Câmara dos Deputados, 72.719 opiniões de brasileiros foram recebidas, além de outras 12 mil sugestões dos constituintes e de entidades representativas.

 

O texto final trouxe mecanismos para evitar abusos de poder do Estado e direitos fundamentais foram garantidos em várias áreas. Entre eles, a grande revolução na Saúde, com a criação e consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS). Nesta quarta-feira uma medida publicada pelo governo federal que abria brecha para privatização das Unidades Básicas de Saúde (UBS) repercutiu em todos os cantos do país, preencheu o noticiário e as redes sociais (leia aqui).  No fim do dia o Planalto revogou a medida (leia aqui).

 

Com o SUS, União, estados e municípios passaram a ser responsáveis por um sistema integrado de atendimento à saúde, em que é garantido o acesso a todo e qualquer cidadão no Brasil, seja brasileiro ou estrangeiro. O sistema tem entre seus princípios a universalidade, que prevê que todas as pessoas têm direito ao atendimento médico, hospitalar e à atenção à saúde, independentemente classe social, nacionalidade, gênero e raça. A equidade, para tratar com especificidade e maior atenção as pessoas mais vulneráveis. E a integralidade, em que se entende que o cuidado à saúde não se resume ao hospital ou consultório. Antes do SUS, apenas os cidadãos filiados ao antigo Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) tinham acesso aos hospitais públicos.

 

A Constituição de 1988 também tornou a educação um dever do Estado, e trouxe garantias aos cidadãos de pleno acesso à cultura. Além disso, definiu como obrigação do Estado a proteção das manifestações nacionais tradicionais, como a indígena, a popular e a afro-brasileira.

 

Deputado Ulyssees Guimarães com o primeiro exemplar da Constituição no dia 03 de outubro 1988 | Foto: Arquivo Congresso Nacional