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Mandatos coletivos têm como desafio amplificar 'voz coletiva' e 'representatividades'

Por Mari Leal / Jade Coelho

Mandatos coletivos têm como desafio amplificar 'voz coletiva' e 'representatividades'
Foto: Divulgação/Montagem BN

Além dos ocupantes das 43 cadeiras da Câmara Municipal de Salvador (CMS), o Legislativo da capital baiana poderá contar com uma figura até o momento nova no contexto baiano: a do co-vereador. Nas eleições municipais de 2020, os conceitos de chapa e mandato coletivo ganharam força e adeptos. Os eleitores soteropolitanos têm algumas opções de candidaturas em grupos, que se baseiam no entendimento de que a política é um espaço de coletividades e de representatividade.

 

Nas Eleições 2020, disputam na capital baiana pelo menos seis propostas de mandatos coletivos. No Psol são cinco chapas, a “Poder Animal” representada pela advogada Gislane Brandão, a “Bancada Diversas” estampada na urna pela policial militar Edneia Matos, a “Pretas por Salvador” que tem como nome à frente a advogada Laina Crisóstomo, "Somos Resistência" de Hamilton Assis e "Guerreiras" com Dona Mira Alves. Há ainda a “Bancada de Todas as Lutas”, que tem como representante oficial a Miss Brasil Gay 2017, Petra Péron, filiada ao Partido dos Trabalhadores (PT) (reveja). 

 

Como legislação não permite, do ponto de vista formal, uma candidatura coletiva, há uma escolha de um participante que é registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o mandato é exercido de forma coletiva. O eleito divide o gabinete e mandato com uma rede de pessoas, que juntas decidem as deliberações em grupo. Dessa forma, o representante abre espaço para ações e posicionamentos mais plurais, que tendem a neutralizar interesses particulares.

 

O cientista político e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Jorge Almeida, associa o crescimento de propostas de mandatos coletivos ao cenário de descredibilidade e insatisfação aos tradicionais partidos políticos, principalmente por parte dos movimentos sociais. 

 

Ele faz menção a fatos ocorridos no século XIX para explicar que é um movimento já visto antes. “Do ponto de vista histórico, os primeiros partidos que surgiram justamente desses setores populares, prometendo a mesma coisa. Uma maneira de se contrapor aos partidos antigos que eram na verdade só pequenos grupos de elite”, lembra o professor.

 

As candidaturas coletivas apostam nesse tipo de mandato como uma nova forma de representação, participação e exercício democrático. O cientista político concorda que a estratégia é positiva para a democracia, e que surge como maneira de dar uma alternativa a um fato que classifica como “corriqueiro”. 

 

“A grande maioria dos candidatos se elegem fazendo apego a determinados setores, e depois abandonam essa base, e as promessas de campanha”, analisa Jorge Almeida. Para o professor, o exercício de mandato coletivo é uma maneira daqueles que estão apoiando a candidatura exercerem maior controle sobre o mandato, para que se cumpra o que promete na campanha.

 

“É a possibilidade de uma candidatura com mais enraizamento social, mais compromisso com a sociedade civil, compromisso com o projeto político, do que simplesmente vontade individual de um candidato”, sugere o professor. 

 

Na visão dos integrantes da chapa “Poder Animal”, com oito integrantes, a vantagem do mandato coletivo está na discussão de ideias a partir de universos diferentes. Apesar de todos defenderem a mesma causa, os co-candidatos acreditam que discutir soluções em coletividade é o ponto forte do projeto. “Assim vamos obter melhores resultados para melhor representar o desejo da população e da cidade”, complementam.

Parte dos integrantes da chapa "Poder Animal" | Foto: Divulgação


A ideia é reforçada por Petra Péron. Segundo ela, “a ideia é exatamente uma junção de vários setores para furar essa barreira institucional e tentar mudar a realidade dessa Casa [Câmara Municipal de Salvador]”.

 

“Por sermos oito pessoas de diferentes lugares, bairros e segmentos, a gente acaba ‘atomizando’ essas pautas que nos construíram. Setores da cultura, promoção dos direitos humanos, a pauta LBGT, antirracista”, destaca Petra. 

 

DIVISÃO DE TAREFAS E REGISTRO OFICIAL 
As propostas de mandato coletivo - ou compartilhado - não são reconhecidas oficialmente pelo Tribunal Superior Eleitoral. Para a Câmara, seja municipal ou federal, existe um único legislador. A principal diferença nessas iniciativas é a forma como se constrói e distribui os trabalhos e obrigações parlamentares. 

 

“Isso é um desafio de todas as candidaturas coletivas. Não tem nenhum registro. Nós [Bancada de Todas as Lutas] já estamos nos organizando para registrar em cartório um termo de compromisso, que não é só uma relação entre nós, co-candidatos, do ponto de vista das relações, atribuições e salário, mas sobretudo com a população soteropolitana. Trazer esse lugar que está somente no diálogo e transformar em algo concreto. Petra será diplomada, mas a ideia da gente é nomear todo mundo e o menor salário dessas nomeações vai ser o teto da bancada”, explica a candidata. 

 

Na chapa “Pretas por Salvador”, as três integrantes Laina Crisóstomo, Cleide Coutinho e Gleide Davis, são mulheres de religiões diferentes, que ocupam espaços políticos diferentes, e tanto na campanha quanto no Câmara afirmam que a “grande proposta é pensar nessa coletividade”. 

"Pretas por Salvador" | Foto: Divulgação
 

Elas explicam que organização dentro do Legislativo, com divisão de poder e espaços vão ser partilhadas, assim como a construção de projetos políticos partilhados. Na campanha a estratégia utilizada foi usar uma rede social comum do projeto, além de cada integrante usar a sua própria rede para defender suas bandeiras. “A gente entende que esse processo de partilha tem se dado a partir dos nossos lugares de fala, construir narrativa a partir desses locais”, explica Laina.  

 

Os oito do “Poder Animal” baseiam a campanha, ações e estratégias em decisões tomadas coletivamente e democraticamente. O grupo explica que, caso eleito, não haverá ocupação compulsória de cargos no gabinete, e que pretende dividir o salário de vereador. 

 

A VOZ DE MOVIMENTOS SOCIAIS

Outra relação geralmente observada, sobretudo em propostas que se concentram em viés progressista, o nascimento das candidaturas revela relação intrínseca com movimentos sociais, de bairros e formas diversas de representatividade. 

 

Ao confirmar a premissa, Petra, ao avaliar o contexto soteropolitano, avalia que “Salvador é uma cidade que tem a estrutura de desigualdade muito perversa e muito sofisticada. Os espaços de poder são compostos, na grande maioria, por homens brancos cis gênero, da elite soteropolitana, filho, neto de alguém. Sem dúvida nenhuma, [representamos] não só segmentos, mas, sobretudo de bairros, onde moramos e construímos nossa história, trabalhamos, namoramos, criamos relações afetivas. Esse distanciamento da política, essa democracia que nós temos como representativa tem falhas, tem limites. A nossa candidatura é dar voz e vez, atuar nesses espaços”.
 

Petra Perón, representante da "Bancada de Todas as Lutas" | Foto: Tom Schuber/Divulgação

 

A Bancada de Todas as Lutas agrega segmentos sociais como mulher trans; mulher negra, evangélica e da periferia; doula, agente comunitária, produtor cultural, ativista do movimento negro, líder comunitário e religioso de matriz africana. Com relação aos bairros, estão presentes Pau Miúdo, Cajazeiras, Itapuã, Bairro da Paz, Alto de Coutos e Engenho Velho da Federação. 

 

“A causa animal é o nos uniu, mas a gente está atuando dentro da causa animal também em diferentes vertentes. Tem o pessoal dos animais de rua, pessoal da produção animal, direito animal, a gente tem muitas vivências diferentes desse campo, e, por isso, um panorama mais amplo das necessidades da causa animal em Salvador”, dizem representantes da chapa “Poder Animal”, que conversou coletivamente com Bahia Notícias. 

 

Segundo os candidatos e candidatas, o processo “enriquece”. “Tem pessoas que nem filiadas ao partido são, mas que são simpatizantes da causa, militantes da causa, então também se juntam a nós nesse grupo. É uma coisa muita boa para o eleitor a possibilidade de ter uma chapa coletiva porque em um único mandato nós conseguimos agrupar um conjunto de pessoas que têm representação, são reconhecidas como militantes de diversas causas em uma única candidatura”, acrescenta a “Poder Animal”.

 

“A ideia é partilhar o processo de decisão, de poder, para além disso vários olhares a partir de uma mesma Salvador. Três mulheres pretas, em espaços geográficos diferentes em Salvador, para além disso a gente ocupa a militância de forma diversas, as três são pretas, mas Cleide é do movimento luta por moradia, eu sou do enfrentamento da violência contra a mulher, Gleide é de uma juventude periférica, a gente faz um debate numa perspectiva diversa”, ressalta Laina.