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Entrevista

Jeandro Ribeiro, secretário estadual de Desenvolvimento Rural

Por Francis Juliano

Jeandro Ribeiro, secretário estadual de Desenvolvimento Rural
Foto: Paulo Victor Nadal / Bahia Notícias

À frente da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) o economista Jeandro Ribeiro vê na assistência técnica o presente e o futuro da agricultura familiar. Sem a ferramenta, “nada acontece”, como ele mesmo diz em entrevista ao Bahia Notícias. Para ele, tecnologia, metodologia e acompanhamento são partes de um processo que gera ganhos para agricultores do semiárido, da mata atlântica e do cerrrado, os três grandes biomas do estado. Segundo ele, se foi o tempo em que se pensava pequeno no setor. Reforça a tese como exemplos de empreendedores em Ibicaraí e Uauá com produções a partir do cacau e do umbu, respectivamente. “Essa caracterização de agricultura familiar ser coisa de 'pobre e coitadinho' começou a mudar”, declarou. Na entrevista, o secretário ainda projeta o total investido no setor, detalha como ocorre o apoio aos agricultores e orienta sobre os primeiros passos para quem quer investir na agricultura familiar. Confirma a entrevista completa abaixo:

 

 

O senhor tem poucos meses à frente na secretaria e pode ser que vá até o final do ano. Dá para fazer alguma coisa nesse período?
O fato de eu estar à frente da secretaria nesse momento não esconde o fato de que eu sempre estive lá junto com Jerônimo [Rodrigues]. Isso facilita muito o trato interno com a equipe. Existe um diálogo muito franco e aberto lá. E a gente lançou no dia 18 de junho o Plano Safra da Agricultura Familiar. Apontamos ao governador que, ao final dos quatro anos, ele vai investir cerca de R$ 1,2 bilhões nos vários temas que permeiam a agricultura familiar. O que a gente está fazendo é dar sequência a isso. No final das contas, a gente fecha esse ciclo do governador com uma entrega que consolida uma estratégia de fortalecimento da agricultura familiar.

 

Nós estamos no meio de setembro. O que foi previsto para secretaria neste ano já foi feito ou há ainda muito a se fazer?
Está sendo executado. Vou dar dois exemplos sobre o que estamos fazendo. O primeiro é a assistência técnica. A gente projetou chegar ao final de 2018 com 140 mil famílias de agricultores familiares recebendo assistência técnica. Ou seja, a gente chega ao número de 140 mil famílias com assistência técnica direta, sistemática, continuada e com contexto, chegando na mulher, no jovem, e assim a gente fecha o ciclo de 2018. Outro tema é de inclusão sócio-produtiva através de projetos produtivos e coletivos, casos do Bahia Produtiva e do Pró-Semiárido feitos através da CAR [Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional]. Somados os dois, a gente fecha 2018 com aplicação de quase R$ 400 milhões. Além disso tem investimento em água para produção, regularização fundiária, entre outras ações continuadas. Não dá para dizer que mudou algo quando Jerônimo saiu e Jeandro entrou. É um ciclo único. 

 

Em termos de assistência técnica, de que os agricultores baianos mais precisam?
Eu gosto de falar que a assistência técnica é o primeiro passo de tudo. Se você quer incluir de forma produtiva, se você quer levar desenvolvimento ao meio rural tem que pensar em assistência técnica. Das 140 mil famílias que estão recebendo assistência técnica de forma sistemática, com contexto, a gente teve que encontrar um mecanismo. E a Bahia tem três grandes biomas bem definidos, que são os biomas da caatinga, do cerrado e da mata atlântica. Com isso, a gente contratou organizações sociais, que já têm uma vida nas localidades, para prestar assistência técnica aos agricultores. E a assistência técnica é um grande vetor para conseguir crédito rural, seja de crédito de água para produção, de água para consumo, de seguro-safra, de apoio à comercialização, à agregação de valor. Se não tiver assistência técnica, nada disso vai acontecer. Tanto que tem uma ordem expressão do governador em que todo e qualquer investimento nosso começa com assistência técnica. 

 

 

E como ocorre a prestação desse serviço para os agricultores? Os técnicos marcam um dia e vão na localidade? Como se dá o processo?
A primeira etapa da assistência técnica é fazer um grande diagnóstico e entender a realidade daquele cidadão e daquela cidadã. Porque não adianta chegar com um pacote tecnológico no local e apontar para o agricultor e dizer: “cumpra isso”. Não adianta chegar lá e dizer “vou aqui podar uma planta de cacau do jeito que eu entendo”. Se o agricultor não entender que aquilo é correto e que ele vai ganhar sair ganhando, ele não faz.

 

Há muita resistência da parte do agricultor em absorver novas técnicas de plantio, manejo?
Não existe mais porque a gente aproximou as duas partes. Nós descentralizamos o serviço de assistência técnica através das organizações sociais. Chamamos também as prefeituras para dialogar sobre esse serviço importante. Em um diagnóstico feito em 2017, quando teve a renovação de 342 prefeitos na Bahia, a gente percebeu que as prefeituras tinham um número grande de profissionais da área agrária que não eram usados na assistência técnica. Agora, a gente está estabelecendo uma relação financeira com as prefeituras. Eles prestam assistência técnica e nós apresentamos a tecnologia, a metodologia, que deve ser empregada. Assistência técnica é uma ação cara, mas vale a pena. 

 

Depois de fazer o diagnóstico da área, como ocorre o acompanhamento da produção do agricultor? Alguém está lá do lado dele dando suporte?
Tem um exemplo sobre isso que nós percebemos depois do censo agropecuário do IBGE de 2017. A gente fez uma grande intervenção, casada com assistência técnica, de difundir tecnologia de convivência com o semiárido. Uma delas foi a palma forrageira. Distribuímos quase 40 milhões de mudas de palma forrageira associada à assistência técnica a partir de uma demanda deles. Eles queriam uma palma com mais resistência ao semiárido, e a assistência técnica fez a parte dela. E quando a gente pega os apontamento das crises hídricas sucessivas nos últimos dez anos na Bahia, a gente vê que se não fosse esse trabalho certamente haveria uma redução dos rebanhos caprinos e ovinos na Bahia, o que não aconteceu. Então, essa ação integrada de água para produção e palma forrageira conseguiu manter e até elevar esses rebanhos que são típicos do homem sertanejo. 

 

 

Tem uma crítica que se faz a programas de agricultora familiar de que eles não fomentam a criação de empreendedores. Há ainda uma visão de que agricultura familiar é feita praticamente para subsistência do trabalhador rural?
Hoje isso é um equívoco. Essa caracterização de agricultura familiar de “pobre e coitadinho” começou a mudar porque a gente tem 14 anos de políticas públicas voltadas para esse setor. Quem imaginava um agricultor familiar, um assentado de reforma agrária, produtor de amêndoa de cacau, hoje ser um produtor de chocolate? Ninguém sonhava isso 14 anos atrás. Hoje é realidade. Tem o exemplo de Osaná, que mora em um assentamento em Ibicaraí e que faz gestão em uma cooperativa, a Bahia Cacau. Ele produz chocolate que vai para as prateleiras de supermercados da Bahia.

 

Agora, essa não é a realidade da grande maioria dos agricultores familiares.
Porque é um desafio. A gente está falando da Bahia que é o estado com maior número de agricultores familiares. São cerca de 700 mil famílias, pouco mais de 3 milhões de habitantes. São três biomas com grande densidade no estado. Se você pergunta: “Jeandro, qual o número de atendimento de famílias nas políticas públicas?” Eu vou ter que fragmentar. Só no Garantia Safra são 350 mil famílias por ano. É a turma que tem vulnerabilidade na seca. Se você perguntar quantos DAPs [Declaração de Aptidão Pronaf] são emitidos na Bahia. Isso é variável, mas vai em uma média de 630 mil DAPs emitidas. O DAP é um documento que só a assistência técnica pode ofertar junto com os sindicatos aos agricultores familiares. Esse documento caracteriza que a pessoa é da agricultura familiar e pode acessar às políticas públicas voltadas para o setor. 

 

Você acha que os governos como um todo, e em especial o da Bahia, dão mais importância ao agronegócio do que à agricultura familiar?
De forma alguma. Você pode pegar o orçamento do estado da Bahia. E o governador criou uma secretaria específica para esta temática da agricultura familiar, que é a SDR. E como dito, foi empregado R$ 1,2 bilhão. Intervenção direta do estado. Com certeza, a Seagri [secretaria de agricultura no estado] não fez esse investimento no agronegócio. O que a gente tem são dois setores importantíssimos para a economia do Brasil e da Bahia. O agronegócio responde por 23%, 24% do PIB [Produto Interno Bruto] da Bahia. Já a agricultura familiar é uma economia local, regional. Se você perguntar, “o feijão produzido e consumido na Bahia movimenta que economia?”. Ele movimenta a economia de Cícero Dantas, de Paripiranga, de Adustina, daquela região do Nordeste 2 onde ele é produzido. Aquele agricultor que produz, ele vende ali e não vem para Salvador para gastar no shopping. Ele gasta lá mesmo. Se você pegar a produção de leite na Bahia, 80% dela vêm da agricultura familiar. Só que essa conta não aparece na balança comercial brasileira, porque é economia local. Ela fica restrita ao município e à região.  

 

 

Dois terços do estado da Bahia ficam no semiárido. Muitas vezes se fala que o agricultor não tem a mão do estado para impulsionar a produção dele. O que falta para o produtor rural perceber que ficar no sertão também é um bom negócio?
Olha, para responder isso é preciso uma boa reflexão. O que era a política voltada para o nordestino há 20 anos? Era frente de trabalho. O cidadão cavava e tapava buraco na terra para ter uma renda. O que começa a mudar nos últimos 14 anos para essa turma? Oportunidades. E você pode perguntar: “como oportunidades?”. Quando a secretaria de Educação constrói uma escola em um assentamento de reforma agrária em Prado [extremo sul baiano] de R$ 3,5 milhões, com 250 famílias, o que está se oferecendo é oportunidades. A mesma coisa é quando a gente chama uma cooperativa no alto do sertão baiano, que é a Coopercuc, em Uauá, para escrever uma história junto, isso é oportunidade. Em Uauá, a gente tem uma agroindústria instalada que custou para o estado R$ 4 milhões que processa vários produtos a partir do umbu, como geleia de umbu, compota de umbu, doce de umbu e cerveja de umbu. Só que isso não se faz da noite para o dia. Começamos a fazer isso desde 2007.

 

O problema do desemprego tem sido agravado nos últimos anos. Na Bahia há em torno de 1,1 milhão, segundo dados de agosto do IBGE. O que você diria para uma pessoa que quer começar um negócio a partir da pouca terra que tem? 
Primeiro, ele precisa entender a realidade onde vive. Não importa se ele está no semiárido ou na mata atlântica. Ele tem que entender que é preciso se organizar com outros agricultores, seja em uma associação, uma cooperativa e até um agrupamento. Outra coisa é que a gente tem diversas políticas públicas sendo ofertadas. Nos 27 territórios baianos, a gente tem uma estrutura da SDR para orientar o agricultor no que for preciso. Seja em Juazeiro, Senhor do Bonfim, Jacobina, Barreiras, Itabuna, Vitória da Conquista, entre outros. Agora, é preciso que o produtor acredite nele. Um depoimento de um agricultor de Buerarema [sul baiano] me chamou à atenção. Nós estivemos lá há 30 dias para assinar um convênio com a associação dele. Ele disse: “Todo mundo tinha desistido do meu sonho, menos eu. Eu quero agregar valor a minha produção de cacau. Quero pegar minha amêndoa de cacau, secar ela, triturar ela, descascar ela e vender o níbs [chocolate bruto]”. A gente está vivendo uma realidade de muitos desafios, mas de muitas oportunidades.

 

 

A Bahia vive uma estiagem rigorosa há quase dez anos. Há algum tipo de ajuda a produtores que perderam a produção?
O estado da Bahia é o único que participa no pagamento do seguro do agricultor familiar, o Seguro-Safra. Porque o agricultor tem de pagar R$ 17 para um fundo nacional que garanta uma indenização em caso de perda. Mas aqui na Bahia, ele paga R$ 8,50 porque os outros R$ 8,50 quem paga é o estado. Em 2006 quando a gente chegou eram 6 mil agricultores no Seguro-Safra. Hoje, são 350 mil. Antes, quando o agricultor perdia a safra, ele ficava a ver navios. Agora, ele tem esse seguro. E isso tem efeito cascata. Imagine 1 mil agricultores, cada um recebendo R$ 850. A gente está falando de R$ 850 mil na economia daquele município.