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Entrevista

“Hoje não é aceito esse tipo de coisa”, diz presidente da CAR sobre abate clandestino de animais na Bahia

Por Francis Juliano

“Hoje não é aceito esse tipo de coisa”, diz presidente da CAR sobre abate clandestino de animais na Bahia
Foto: Fernando Duarte / Bahia Notícias

O diretor-presidente da CAR [Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional], Jeandro Ribeiro, lida de perto com a maioria dos produtores rurais baianos. Segundo dados do IBGE, 77,8% das propriedades rurais do estado são da chamada agricultura familiar, termo que veio substituir as produções de pequeno porte.

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, Jeandro Ribeiro contou quais são as prioridades da gestão. Ele também citou o abandono dos programas de cisternas feito pela gestão federal anterior e criticou o ainda comum abate clandestino de animais no estado.

 

“Infelizmente quem presenciou um abate clandestino, sabe que é algo muito doloroso. Em tempos como hoje, não é mais aceito esse tipo de coisa”, disse. O presidente da CAR ainda deu orientações para a abertura de cooperativas e franquias com selo da agricultura familiar e comentou sobre o polêmico abate de jumentos, em Amargosa, no Vale do Jiquiriçá. Veja abaixo a entrevista completa.

 

Foto: Fernando Duarte / Bahia Notícias

 

Primeiro, queria que o senhor explicasse o que é a CAR.

A CAR foi concebida há 40 anos. Primeira, ela foi vinculada à Secretaria de Planejamento da Bahia. Com o governo Wagner, passou a fazer parte da Sedi, a Secretaria de Integração Regional. Já com Rui, a CAR se integrou à Secretaria de Desenvolvimento Rural [SDR] por conta de um apelo do segmento da agricultura familiar. A CAR é uma empresa pública, musculosa, com jurídico próprio, e com capacidade de investir em torno de R$ 2 bilhões na agricultura familiar nos próximos três anos. É a principal vetora de políticas públicas para o segmento da agricultura familiar, seja do assentado e assentada da reforma agrária, dos povos e comunidades tradicionais.

 

Quais é a prioridade imediata da CAR?

A prioridade máxima é consolidar as políticas que vêm das gestões de Wagner, Rui e Jerônimo. Uma das prioridades são as agroindústrias. Após um mapeamento, nós identificamos 402 agroindústrias, aquelas que nós construímos ou que requalificamos ou que temos outras intervenções.

 

Essas agroindústrias se concentram em alguma parte do estado?   

Elas estão espalhadas em função da cadeia produtiva. Se você for ali para região da Bacia do Jacuípe, você tem a Coap ou a FrigBahia, que é um frigorífico de abate de caprinos e ovinos. Se você for pra região Norte da Bahia, que é a central da caatinga, a caprinocultura é forte, como também a fruticultura, com o maracujá da caatinga e o umbu. Ali você tem a Coopercuc. Se você for para região sudoeste da Bahia, tem o café de Barra do Choça, com a Cooperbac. Na Chapada, a mesma coisa. Você tem o café de Piatã com a Coopiatã, entre outras iniciativas.  

 

Como a CAR atua junto a essas cooperativas? 

A CAR, nessas duas vertentes que são o Bahia que Produz e Alimenta e o Parceiros da Mata, tem papéis que se somam. O Bahia que Produz e Alimenta vai muito atrás desses empreendimentos que já existem. A gente faz uma busca ativa e os editais permitem isso. A gente lança os editais, as cooperativas se encontram nos editais e apresentam suas manifestações de interesse. E aí vamos escutar. Eu acho que o grande mérito do sucesso dessas políticas públicas de agricultura familiar é porque a gente teve a capacidade de primeiro escutar a demanda real. Não chegamos com receita de bolo pronta para ninguém. 

 

Foto: Fernando Duarte / Bahia Notícias

 

Agora do lado do produtor, o que ele precisa fazer para conseguir montar um negócio? Qual o dever de casa dele?

As ações se somam. A primeira relação que a gente tem com o agricultor é a partir da assistência técnica de extensão rural. Nós entendemos a dinâmica e a diversidade que a Bahia tem. Aqui existem três biomas muito bem definidos, que são a Mata Atlântica, a Caatinga e o Cerrado. Não adianta centralizar isso. O que foi que nós fizemos? Estabelecemos parcerias com quem de fato conhece a realidade no campo e quem está lá. Então chamamos organizações não governamentais para ajudar a gente na assistência técnica. Em 2016, nós começamos uma relação também com os municípios. Nós chamamos os municípios baianos para participar dessa estratégia de assistência técnica. Nós chamamos na época de Parceria mais Forte. Então você me pergunta: o que que o agricultor tem que fazer? Ele tem que ser chamado pela assistência técnica. Ele tem que organizar a base de produção. Não adianta achar que vai ter uma casa de farinha, se não tem ali 90, 100 hectares de mandioca plantada e organizada para abastecer um equipamento. O agricultor tem que estar organizado em uma associação, em um CNPJ. A gente nunca vai conseguir chegar com o olhar cirúrgico da CAR individualmente, com João ou Maria ou Antônia. 

 

Uma cooperativa precisa do mínimo de quantos membros para conseguir se estabelecer?

Por regimento, 20 membros. Mas se você pega a Cooperbac, em Barra do Choça, ela começou com 79 cooperados e hoje tem 320. A Copag, em Várzea Nova, começou com 30, 40, e já tem quase 200 cooperados. São cooperativas que começam pequenas, a política pública chega nelas, e elas conseguem trabalhar essa política pública de forma eficiente junto com o estado e vai se alargando. A Copasa em Várzea Nova é a principal geradora de emprego do município após a prefeitura. Além de fazer o tradicional, como manteiga, iogurte, queijo, ela faz também o iogurte de café, de licuri, de umbu. 

 

Um dos problemas deixados pela gestão anterior do governo federal foi a falta de investimentos no programa de cisternas. Qual foi o impacto causado no produtor rural baiano de pequeno porte nesse período?

O semiárido tem as suas estações muito bem definidas. Por isso, se sabe que tem oito meses de estiagem, e tem três, quatro meses, de chuvas intensas. Então tinha que ter uma capacidade de armazenamento dessas águas. A ASA [Associação do Semiárido Brasileiro] trouxe essa tecnologia de captação de água da chuva, através do telhado das casas para uma cisterna. Sabendo que nós temos quatro meses de chuva, era preciso armazenar para a produção. Mas isso começou em 2012. E aí quando chega o governo anterior, todo o ciclo de manutenção dessas cisternas foi quebrado. Quebrou assim a manutenção das cisternas existentes na Bahia, seja as cisternas de placa, para consumo humano; e aquelas de captação de água para produção, que chamamos de cisternas de segunda água. Agora, como a demanda por água sempre aumenta, a ASA já apresentou, junto com os consórcios da Bahia, uma proposta ao ministro de Desenvolvimento Social, Wellington Dias (PT), e ele já sinalizou cerca de R$ 100 milhões para execução dessas cisternas para consumo humano. 

 

E tem uma questão aí que é a previsão de estiagem nos próximos meses, o que torna as cisternas ainda mais necessárias.

A gente já esteve com a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] junto com o governador Jerônimo há 60 dias, já prevendo esse cenário de estiagem. E a Bahia é um grande produtor de alimentos. Tem o maior rebanho de caprinos e ovinhos do país, o primeiro de cacau, o segundo maior produtor de maracujá, o quarto maior produtor de café arábica, então, em função disso, a gente também foi atrás de reserva alimentar para alimentação animal. Nós apresentamos uma demanda de 60 mil toneladas de reserva alimentar, ela já comprou 15 mil toneladas de grãos lá no Oeste da Bahia que está estocando e trazendo para os armazéns de Irecê e Ribeira do Pombal, por exemplo, e vai fazer aquisição no Norte da Bahia para ter uma capacidade de ofertar na época da estiagem o milho subsidiado, que nós fizemos em 2013. 

 

Foto: Fernando Duarte / Bahia Notícias

 

É notório que os preços de alguns alimentos têm subido muito, como é o caso do tomate, que chegou a custar R$ 15 o quilo, recentemente. A agricultura familiar forte pode favorecer a uma melhor regulação desses preços?

Tem muita especulação também nisso. Agora, a agricultura, de forma geral, é uma atividade de risco, principalmente nas culturas de ciclo curto. Você pode fazer um roçado grande, aí vem uma chuva forte e leva tudo. Na Bahia, se você pegar a curva de todas as culturas perenes, como com cacau, leite, café, as curvas são ascendentes. Mas as culturas temporárias, elas oscilam, como no exemplo da chuva forte. A gente lembra que no ano passado quando teve aquela chuva de final de ano, os preços dos alimentos subiram muito. Jaguaquara, que é um grande produtor de alimentos, sofreu bastante. O nosso Ceasa pode ser esse ambiente regulador e evitar tanta oscilação de preço. 

 

Uma problemática no interior também são os abatedouros, já que muitas cidades têm os abates clandestinos. Como resolver essa questão?

É uma problemática que existe de fato. Nós precisamos unificar os interesses das cidades. A Bahia tem 417 municípios, sendo que 350 deles têm até 40 mil habitantes. Você não pode ter um frigorífico para um município de 40 mil pessoas. É impossível. Agora, vou dar um exemplo que está funcionando. Itiúba tem um frigorífico que teve o início da construção há 12 anos. Vimos que o equipamento estava lá sem uso. Reunimos todos os prefeitos da região, não só o de Itiúba, e falamos: "se vocês querem colocar esse frigorífico para rodar, vamos precisar da participação de todo mundo". Tanto nosso do estado, com o aporte de mais de R$ 4 milhões, como também dos municípios, não só na gestão como também no combate ao abate clandestino, colocando a vigilância sanitária em cima. Então, é preciso unificar as prefeituras e combater o abate clandestino. Nós temos um belo exemplo de frigorífico também em Pintadas. É um frigorífico que é a legislação permite ser multiplanta, abatendo caprinos, ovinos e suínos, ou seja, médios animais, como também bovinos, que são animais de porte grande. 

 

Agora, como convencer o produtor rural que é melhor ele usar um matadouro regularizado do que continuar fazendo o abate clandestino?

Infelizmente quem presenciou um abate clandestino, sabe que é algo muito doloroso. Em tempos como hoje, não é mais aceito esse tipo de coisa. E no abate regularizado, que é feito de acordo com a legislação, há um sofrimento menor para o animal, além das questões de higiene. 

 

Foto: Fernando Duarte / Bahia Notícias

 

Como você tem acompanhado o caso de abate de jumentos em Amargosa?

Ali foi uma agenda feita com os chineses e há uma demanda por carne de jegue. Na missão que o governador fez na China, ele visitou esses parceiros. Nesse abate há também tecnologias. Não é pegar jegue em beira de estrada, como muito gente acha que é. Não é assim que funciona, muito pelo contrário. Então, isso está sendo feito da forma como a legislação exige, e é um mercado que gera divisas para o estado da Bahia. 

 

Entre as críticas ao abate de jumentos é que não há uma cadeia produtiva, o que pode causar até a extinção da espécie. 

Mas está tudo dentro da legislação. Ninguém iria apoiar um projeto que causasse dano à saúde pública nem sofrimento ao animal. 

 

É verdade que a agricultura familiar baiana já tem franquias, ou seja, se alguém quiser abrir um negócio com a marca, ela pode fazer isso?

A ascensão da agricultura familiar é notória e hoje ela virou uma marca, que gera saúde, gera consciência limpa e não há emprego de mão de obra equivocada na produção do alimento. Você sabe que está comprando produto com qualidade, produto com uma história por trás dele. Hoje, a gente tem um empório da agricultura familiar no Ceasinha, no Rio Vermelho [Salvador], que virou uma marca. Então, a Unicafes [União Nacional das Cooperativas de Agricultura Familiar e Economia Solidária] está preparando para apresentar para gente essa franquia. A pessoa que queira levar a marca do Empório para o interior, basta obedecer o conceito que está na loja, que é belíssima. Nós já temos uma em Juazeiro, que é administrada pela Central da Caatinga, temos essa aqui em Salvador, e já já teremos uma terceira em Senhor do Bonfim e a próxima vai ficar ali no eixo de Ilhéus-Itabuna e Vitória da Conquista. E, provavelmente, teremos outra em Feira de Santana. 

 

Então, o negócio tem se expandido?

Porque o mercado está pedindo. O consumidor está pedindo produtos da agricultura familiar. Está pedindo um iogurte de licuri, um iogurte de umbu ou de café, uma cerveja artesanal de maracujá da caatinga, uma cerveja de mel de cacau, está pedindo um café de qualidade, um morango de qualidade.