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Crises locais eclipsam quadro de Covid grave mas estável na América Latina

Por Sylvia Colombo | Folhapress

Crises locais eclipsam quadro de Covid grave mas estável na América Latina
Foto: Secom / PMS

Embora existam sinais de estabilização da pandemia de coronavírus na América Latina, e, por vezes, até tendência de queda nos números, a região continua sendo uma das mais afetadas pela Covid-19 no mundo.

Entre os dez países com maior número de infecções, cinco são latino-americanos: Brasil (3º), Colômbia (5º), Peru (6º), México (8º) e Argentina (9º). E, entre os dez com mais mortos por 100 mil habitantes, cinco também são da região: Peru, Bolívia, Chile, Brasil e Equador.

Mas um outro lado da crise sanitária -as consequências econômicas, políticas e sociais desencadeadas pelas medidas de restrição- eclipsa o ainda grave quadro da pandemia na região. Revoltas contra a polícia surgiram na Colômbia; marchas antigoverno voltaram a ocorrer no Chile; a instabilidade eleitoral se acentuou na Bolívia; e, na Argentina, uma crise econômica severa já deu as caras.

Anunciado nesta semana, o PIB argentino registrou uma queda de 19,1% no segundo trimestre em relação ao mesmo período do ano anterior --a cifra é pior do que a registrada na histórica crise de 2002.

Dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão da ONU, apontam para quedas de 9,9% no PIB da Argentina, 10,5% no do México, e 14% no do Peru.

"O vírus está sendo uma tragédia para a América Latina, e não dá para comparar o desempenho dos países da região com o da Europa e o dos EUA, porque as condições são muito particulares", diz o cientista político Steven Levitsky, da Universidade Harvard.

Assim, a dificuldade para manter cidadãos em suas casas gerou caos social na Colômbia. Em Bogotá, a polícia matou o taxista Javier Ordóñez, que, segundo os agentes, teria resistido a uma ordem de prisão. O motivo: bebia na rua com amigos, o que viola as regras de distanciamento social.

Os gritos de "por favor, parem" e "agente, eu lhe suplico", registrados em vídeo que viralizou, provocaram protestos que deixaram ao menos dez mortos e centenas de feridos na capital colombiana.

Já o Chile, tomado por manifestações contra o presidente Sebastián Piñera há quase um ano, viu a pandemia como um intervalo dos atos. Agora, os protestos quase diários de 2019 voltaram a ocorrer com intensidade, e as cenas de policiais prendendo ativistas habitam o dia a dia outra vez.

Crises políticas também se agravaram devido à pandemia. A Bolívia deve realizar, enfim, sua eleição presidencial, após três adiamentos de um ciclo eleitoral que parece interminável. Do pleito que chegou a reeleger Evo Morales para, em seguida, vê-lo renunciar, até o dia da nova votação, em 18 de outubro, o país assistiu a choques entre o MAS (Movimento ao Socialismo, partido do ex-presidente) e a líder interina, Jeanine Añez, que envolveram até uma investigação de pedofilia.

No Peru, em vez da maior taxa de mortos per capita do mundo, o que chamou a atenção recentemente foi a tentativa de tirar Martín Vizcarra do poder. Acusado de corrupção, o presidente teve de ir ao Congresso se explicar. Escapou, mas ficou sob pressão.

Ainda que a liderança na taxa de óbitos tenha sido obtida com a ajuda da queda drástica nos índices europeus, o Peru já registrou quase 799 mil casos e 31.938 mortes, numa população de 31,9 milhões. A boa notícia é que a tendência dos números diários é de queda.

Neste ambiente, os únicos países da região que mantém uma boa performance desde o início da crise são Paraguai e Uruguai. O primeiro, porque sempre respeitou as medidas para conter a disseminação. E o segundo, devido a uma política intensa de testes e ao sistema de saúde sólido.

"A pressão para que as fronteiras sejam abertas, porém, são imensas. O turismo é uma parte importante do PIB uruguaio [15%, incluindo setores relacionados]", diz o cientista político Daniel Chasquetti.

A situação na América Latina pode ser ainda pior do que a conhecida pelos dados oficiais, uma vez que ONGs e veículos de imprensa já alertaram para a subnotificação, como no México e no Equador.

O maior símbolo dessa situação é Guayaquil, segunda maior cidade equatoriana, duramente atingida no início da pandemia. Corpos e caixões foram deixados nas ruas, muitos moradores morreram sem conseguir ir a um hospital, e enterros foram feitos às pressas, sem tempo para que testes fossem realizados para determinar a causa da morte.

Médicos independentes e organizações de direitos humanos acusam ainda as ditaduras da Nicarágua e da Venezuela de manipularem seus dados internos para esconderem a gravidade da situação.

"A Venezuela demorou a ter uma explosão de casos porque é o país mais isolado na região, mas já temos muito mais infectados do que dizem os relatórios oficiais", diz o infectologista Julio Mendez.

Até o momento, segundo levantamento da Universidade Johns Hopkins, a partir de dados de governos, a Venezuela registrou pouco mais de 70 mil infecções e 581 mortes.

Na Nicarágua, segundo dados do Observatorio Ciudadano, que recolhe informações de médicos e faz uma comparação com cifras de mortos por doenças respiratórias e enterros em anos anteriores, o país teve até quarta (23) 10.121 casos e 2.699 mortes. Na mesma data, o governo apontava 5.073 casos e 149 mortes.

"Os hospitais estão lotados, a pandemia continua sendo minimizada por Daniel Ortega [ditador da Nicarágua] e estamos com um problema cada vez maior de médicos e enfermeiros contaminados que tiveram de ser afastados", diz o infectologista Leonel Arguello.

A pequena quantidade de testes realizada na América Latina também dificulta a interpretação dos números. O Chile, latino-americano que mais faz exames de detecção da Covid-19 --164 a cada 1 milhão de pessoas--, está bem abaixo de Dinamarca (622/1 milhão), Reino Unido (341/1 milhão) e EUA (308/1 milhão).

Um dos grandes desafios do momento é conseguir permitir uma reabertura econômica enquanto o número de novos casos diários não cai de maneira significativa. Por outro lado, as quarentenas muito longas provaram-se difíceis de serem mantidas em uma região com alta informalidade e com Estados com pouca capacidade de obrigar as pessoas a permanecerem em casa.