Alta de insumos deve gerar onda de pedidos de reequilíbrio em contratos de obras públicas
por Nicola Pamplona | Folhapress

A escalada dos custos dos materiais de construção deve gerar uma onda de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro em contratos de obras públicas no país, atingindo as já combalidas finanças de municípios, estados e da União. Com dificuldades para obter determinados insumos, construtores alertam também para o risco de paralisação ou atraso em obras.
"A pandemia nos trouxe várias surpresas e, dentre elas, um expressivo aumento nos preços de materiais de construção, que superam de longe o aumento médio da inflação", diz o presidente da Comissão de Infraestrutura da CBIC (Câmara Brasileira da Construção Civil), Carlos Eduardo Lima Jorge. "A consequência é o desequilíbrio econômico-financeiro dos contratos."
Entre janeiro e agosto, o índice de preços da construção civil medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) acumulava alta de 2,86%, quatro os 0,70% acumulados do IPCA no mesmo período. Bastante usado em reajustes de contratos do setor, o INCC (Índice Nacional de Preços da Construção Civil), medido pela FGV, subia 3,39% no ano.
A alta reflete a desvalorização do real ante o dólar e um desarranjo nas cadeias produtivas, que consumiram estoques enquanto as atividades estiveram paralisadas pelo isolamento social e hoje enfrentam demanda aquecida, tanto por grandes obras quanto para pequenos reparos impulsionados pela adoção do home office e pelo auxílio emergencial.
Empresários argumentam que os indicadores oficiais não refletem fielmente a disparada dos custos de insumos essenciais, já que consideram uma grande variedade de produtos e levam tempo para captar as variações. Alegam que aço e PVC, pro exemplo, já subiram mais de 30% em algumas regiões.
"Os índices de inflação refletem a variação média em todo o conjunto de insumos, mas estamos falando de um, dois ou três insumos específicos que tiveram altas absurdas", argumenta o advogado Fernando Vernalha, que representa construtores em processos sobre contratos da administração pública.
O processo de reequilíbrio econômico-financeiro consiste em reavaliar os custos da prestação do serviços para, em caso de alterações significativas nas condições previamente estabelecidas, definir um novo valor para o contrato. Os empresários defendem aumentos nos valores para cobrir a alta de custos.
Vernalha diz que a legislação coloca no contratante o risco de alterações inesperadas nas condições dos contratos. Ele frisa, porém, que a diversidade dos contratantes, que envolvem desde municípios pequenos a ministérios, e restrições impostas pelos órgãos de controle tornam mais difíceis as negociações.
"De um lado o gestor público fica pressionado pelos órgãos de controle. De outro o contratado fica pressionado pelo preço inexequível", diz Marcos Moura, da Construtora Metro, do Paraná. Sua empresa venceu em julho licitação para uma obra de saneamento, mas ele diz que elevações posteriores de preços já criam dificuldades para a execução.
O contrato nem foi assinado e a questão do reequilíbrio econômico-financeiro já é tema de negociações com o contratante. "O mercado está oscilando sempre para cima e a gente não tem perspectiva de quando isso vai para", afirma Moura.
O mercado avalia que os preços ficarão em novos patamares mesmo após a crise, como parte de um processo de recomposição de margens da indústria. Moura compara a situação atual com o período de choques inflacionários nos anos 1980 e 1990. "Com a estabilidade dos últimos anos, a gente conseguia ter previsões mais palpáveis de custo", diz.
A elevação dos preços dos materiais de construção entrou na mira do governo, que teme impactos da alta na recuperação da economia após o período mais duro da pandemia. Decisão semelhante já havia sido tomada com relação aos alimentos, que vêm pressionando o bolso principalmente da população de baixa renda.
Além do impacto para o consumidor, a elevação dos materiais de construção tem efeitos sobre os custos das obras públicas, seja pela simples correção pela elevada inflação do setor, seja pelos gastos adicionais com o reequilíbrio econômico-financeiro dos contatos.
O setor de construção defende o estabelecimento de métricas para a análise de equilíbrio econômico-financeiro nos contratos com a administração pública, que garantiriam mais segurança para o contratante e para o contratado.
Vernalha lembra que o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Trtansporte) já criou as suas, depois que a alta no preço do asfalto levou construtoras à Justiça em 2018. Ele admite, porém, que no caso atual a situação é mais complicada porque envolve diversas esferas administrativas.
"A situação hoje não é confortável para contratantes nem para contratados", diz Moura. "Não dá para iniciar uma obra sem saber o valor final dela. É um como um voo no escuro."
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