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Marca Bahia Notícias

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Brexit ameaça status da Premier League como campeonato mais forte do mundo

Por Folhapress

Brexit ameaça status da Premier League como campeonato mais forte do mundo
Foto: Divulgação

Em 1995, um caso envolvendo o meio-campista belga Jean-Marc Bosman fez o Tribunal de Justiça da União Europeia proibir cotas de cidadãos da União Europeia nos elencos de futebol. Isso criou um livre mercado da bola no continente que, desde 2016, tem data para acabar, pelo menos na Inglaterra.

 

Atualmente, clubes ingleses são livres para contratar quantos jogadores quiserem de outros países da UE, desde que cumpram as regras da federação local. Depois do Brexit, europeus podem passar, dependendo dos termos do acordo, a ser sujeitos às mesmas regras aplicadas aos jogadores de países do resto do mundo — como o Brasil.

 

Sem esses jogadores, a qualidade e o apelo internacional da liga sofreriam? "Se a Premier League não consegue manter sua vantagem competitiva (de ser o campeonato mais cosmopolita, populado pelos melhores jogadores), o Brexit comprometerá a posição e a proposta do futebol inglês. Se tiver menos atletas de alta qualidade, terá um impacto na qualidade do produto e, portanto, o apelo comercial do futebol inglês", afirma Simon Chadwick, diretor e professor do curso de Negócios Esportivos na Universidade de Salford.

 

"O impacto do Brexit de uma maneira geral é potencialmente muito grave, e poderia realmente ameaçar o status da Premier League, além de prejudicar aspectos básicos e centrais da vida moderna na Grã-Bretanha", pontua David Conn, jornalista do jornal inglês The Guardian.

 

O FUTEBOL E O BREXIT

Que a Premier League é um dos campeonatos mais ricos e disputados do futebol mundial não é novidade. Na temporada passada, os quatro finalistas das duas principais competições europeias, a Liga dos Campeões e a Liga Europa, vieram da Inglaterra. Para o período de 2019 a 2022, a liga inglesa arrecadou 9,2 bilhões de libras (R$46 bilhões) só com a venda dos direitos de transmissão.

 

Parte desse sucesso é resultado da quantidade de atletas de alto nível de outros países europeus que são contratados para jogar nos clubes do campeonato inglês. São vários os jogadores históricos de clubes ingleses que não nasceram nas ilhas britânicas. Thierry Henry, Cristiano Ronaldo, Gianfranco Zola... Atualmente, segundo dados do site Transfermarkt, 178 dos 503 jogadores nos elencos dos clubes na primeira divisão inglesa são de outros países da União Europeia.

 

O problema central que está sendo tratado nessa reportagem começa em 2016, quando o povo britânico votou, em plebiscito, que queria sair da UE. A decisão estava prevista a entrar em vigor no dia 31 de outubro de 2019, mas, no último sábado (19), o primeiro ministro britânico Boris Johnson mandou uma carta aos líderes do bloco pedindo uma extensão do prazo.

 

Se o pedido for aceito, provavelmente mudará a data para começar o processo de saída para dia 31 de janeiro de 2020. O 'Brexit' (fusão entre as palavras 'Britain' e 'exit', 'Bretanha' e 'saída', em inglês), terá efeitos consideráveis para muitas empresas britânicas. Os clubes da Premier League estarão entre elas.

 

CONTRATAÇÕES MAIS COMPLICADAS
O limite de estrangeiros em cada clube é importante, mas é bom lembrar que as regras de contratação são muito mais restritas para atletas de fora do bloco europeu. Owen Jones, advogado especialista em direito de imigração do escritório Sheridans em Londres, explicou como funciona o pedido de visto para os atletas não-europeus. "A FA tem que emitir um 'Governing Body Endorsement' (Endosso do Corpo Administrativo) que facilita a emissão do visto de trabalho, mas somente emite quando critérios estritos são cumpridos, especialmente em relação ao número de partidas que o atleta fez pela sua seleção."

 

Vários atletas da UE que jogam na Inglaterra agora provavelmente teriam sido rejeitados com o Brexit. É o caso de Riyad Mahrez e N'Golo Kanté, ambos bicampeões ingleses. Quando foram comprados pelo Leicester, campeão da Premier League em 2016, jogavam na segunda divisão francesa e sequer tinham estreado em suas respectivas seleções.

 

Vários atletas da UE que jogam na Inglaterra agora provavelmente teriam sido rejeitados com o Brexit. É o caso de Riyad Mahrez e N'Golo Kanté, ambos bicampeões ingleses. Quando foram comprados pelo Leicester, campeão da Premier League em 2016, jogavam na segunda divisão francesa e sequer tinham estreado em suas respectivas seleções. O brasileiro Douglas Luiz, convocado na última sexta-feira pelo técnico Tite para os amistosos de novembro da seleção, passou por isso: em 2017, ele jogava pelo Vasco quando foi contratado pelo Manchester City. Teve seu visto negado por não ter cumprido uma cota de convocações. Foi obrigado a passar duas temporadas emprestado ao pequeno Girona, Espanha, e só conseguiu o visto de trabalho britânico em julho desse ano, quando se transferiu para o recém-promovido Aston Villa.

 

Por esse motivo, todos os 20 clubes da primeira divisão, e outros de divisões inferiores, já se opuseram ao Brexit. Jürgen Klopp, técnico do Liverpool, também demonstrou sua insatisfação. Disse, em entrevista a The Guardian, que a decisão do povo britânico "não faz sentindo nenhum".

 

INGLATERRA PODE OFERECER MENORES SALÁRIOS

Além da questão de vistos, há a da economia. Desde 2016, a libra esterlina, moeda do Reino Unido, perdeu 20% do seu valor em relação ao Euro, moeda da maioria dos países da UE. O PIB britânico vai cair em entre 1,2% e 4,5% após a saída, segundo dados do Peterson Institute for International Economics. Com isso, os salários oferecidos aos atletas estrangeiros podem cair também.

 

"Condições econômicas podem significar que a Grâ Bretanha será um destino menos atrativo do que era. Uma queda no valor da libra será um desafio financeiro para os clubes", comenta Chadwick.

 

Para complicar a situação, ainda não há definição exata sobre os termos do acordo ou a data da saída. Atual primeiro ministro britânico, Boris Johnson firmou um acordo na semana passada que, caso fosse aceito pelo parlamento britânico, definiria os termos para começar o processo de transição. Mas o parlamento decidiu na terça-feira (22) que não teria tempo o suficiente para analisar o projeto. Agora, Johnson terá que aceitar uma extensão.

 

Os líderes da UE reunirão na próxima quarta (30) para decidir se a extensão será cedida. Embora improvável, existe a possibilidade de os líderes da UE recusarem a extensão. Neste caso, o Reino Unido sairá do bloco no dia 31 deste mês sem acordo algum. Segundo Conn, "sair da UE sem acordo de como conduzir relações com os países europeus no futuro seria muito prejudicial para o país, como confirma a análise do próprio governo."

 

Mas, ainda segundo o Owen Jones, o futebol não será mais prejudicado no caso de um Brexit sem acordo do que o de um Brexit com acordo. "No caso de uma saída sem acordo," diz Jones, "foi proposto um novo caminho, 'Permanência Regular Temporária Europeia', para permitir que as empresas britânicas possam continuar contratando cidadãos europeus até dia 1 de janeiro de 2021. Na prática, isso significa que terá pouca diferença para os clubes se sair com ou sem um acordo."

 

OPORTUNIDADE PARA JOGADORES INGLESES E SUL-AMERICANOS

Apesar desses problemas, há quem veja o potencial impacto do Brexit no futebol com bons olhos. Deixando claro que não concorda, David Conn explica essa opinião: "Tem sido falado que (o Brexit) pode fornecer mais oportunidades para jovens jogadores britânicos, por que o movimento livre (dos Europeus) parará." Owen Jones também destaca esse ponto: "É possível que a FA veja o Brexit como uma oportunidade para melhorar as perspectivas dos jovens e qualificados jogadores ingleses."

Atualmente, a FA exige pelo menos 13 jogadores 'homegrown' (formados em casa) nos elencos de cada clube. Para este propósito, 'formado em casa' significa que o atleta, independentemente da sua nacionalidade, passou três ou mais anos na base de um clube inglês antes de fazer 21 anos.

A FA quer aumentar o número de jogadores formados em casa para 17 e reduzir a idade para 18. Na prática, a redução de idade impossibilitaria que jovens de outros países fossem considerados 'homegrown'. Hoje em dia, um jovem atleta tem que ter 16 anos antes de mudar para qualquer outro país na UE e 18 anos antes de mudar entre países que não do bloco.

 

A ideia é ter mais jogadores ingleses na Premier League, que, segundo a FA, beneficiaria a seleção inglesa. A Premier League se opõe veementemente a essa proposta, dizendo que não há "evidência nenhuma" para sustentar essa teoria. E, como diz o David Conn, "não deveria ser necessária a saída da UE para que os clubes fornecem mais oportunidades para os seus próprios jovens atletas."

 

Em um evento em julho de 2019, Richard Masters, Diretor Geral da Premier League, disse acreditar que depois do Brexit uma exceção pode ser aberta para o futebol e que os clubes da Premier League ainda poderão contratar os jogadores que querem.

 

A Premier League, segundo Owen Jones, já abriu negociações com a FA para evitar que cotas mais restritas sejam impostas e que os vistos de trabalho sejam concedidos para os jogadores europeus depois do Brexit. "Nós esperamos que o dinheiro vá falar alto nesse caso e que a FA não vai trabalhar para prejudicar a Premier League e a sua suposta posição como 'o melhor campeonato do mundo'", opina.

 

Para permitir a entrada de mais jogadores europeus que atualmente não cumprem critérios, a FA teria de relaxar o sistema para o pedido de visto. Isso, porém, seria uma decisão geral. "Beneficiará não só os jogadores sub-elite da Europa, mas jovens jogadores da América do Sul e além." Quer dizer: se isso aconteceu, acabariam os incentivos para clubes ingleses contratarem um jovem europeu em vez de um brasileiro, um argentino ou um uruguaio.

 

RACISMO AUMENTOU COM O BREXIT

Além das potenciais dificuldades em contratar jogadores europeus, o Brexit tem outros efeitos negativos. Um deles já tem sido visto nos últimos três anos. Na temporada 2018-19, foi visto um aumento de 43% nos casos de racismo no futebol inglês em relação à temporada anterior. Casos de discriminação baseado em religião também aumentaram em 75% no mesmo período.

 

Roisin Wood, chefe da organização 'Kick It Out' (Chutá-lo Para Fora) que trabalha para combater discriminação no futebol inglês, falando sobre o Brexit e o racismo à BBC, disse que "não pode não ligar (os dois pontos). Vemos reportagens de pessoas falando 'volta para de onde você veio', algo que não vemos há tempos, que parecem ser resultado do Brexit... É ligado ao que está acontecendo na sociedade."

 

Segundo uma pesquisa do instituto "Lord Ashcroft Polls", um terço dos eleitores que votaram em favor do Brexit relatou que imigração foi o principal motivo para a escolha de sair. Até o técnico da seleção inglesa, o Gareth Southgate, disse em entrevista ao canal de televisão ITV4 que para ele a votação do Brexit tinha "subtextos raciais".