Opinião: “Ou soma ou suma”: Rio de Janeiro exporta necropolítica no enfrentamento ao narcoestado
Por Fernando Duarte
Da última vez em que uma grande operação tentou retomar o espaço urbano do Rio de Janeiro, sob controle do narcotráfico, o restante do Brasil passou a conviver com o espraiamento do Comando Vermelho. Na época, comunidades de Salvador, até então sob influência de pequenas facções locais, iniciaram um processo de intercâmbio com foragidos daquele enfrentamento do Estado ao “narcoestado”. Passados 15 anos, não é necessário falar muito: a sensação de insegurança arromba a porta dos baianos como se fosse natural convivermos com violência.
A questão da segurança pública é multifatorial. É infame tentar resumir ou simplificar o problema. No entanto, o que testemunhamos com as imagens assombrosas do Rio de Janeiro é mais uma batalha perdida, numa guerra em que estamos distantes de vencer. Sempre com autoridades públicas trocando acusações, culpas e fingindo que há normalidade em país cujas milícias e facções criminosas não somente ocupam espaços urbanos, como se tornaram um Estado paralelo, bancados pelo narcotráfico.
De todas as alternativas lançadas até aqui, o “necroestado” talvez seja a que mais impacta na opinião pública. A lógica do “bandido bom é bandido morto” prevalece na sociedade, especialmente quando se trata de pretos, pobres e da periferia – a maioria deles, inclusive, reunindo as três condições. E não é algo exclusivo do Rio de Janeiro, onde corpos enfileirados devem atrair atenções internacionais, como num cenário de guerra civil não oficializada no Brasil.
Seja nas zonas periféricas do Rio de Janeiro ou da Bahia, os brasileiros lidam com a morte no café, no almoço e no jantar. É rotina. Quando essas mortes furam as bolhas da pobreza, elas são plastificadas por declarações do Estado oficial e até pela imprensa, que tornam o conteúdo mais palatável e distante da realidade de quem acompanha com um distanciamento seguro. Ainda que tais mortes tenham acontecido a poucos metros do limite imposto pela geografia física e social das comunidades e dos bairros de classe média ou alta. E, enquanto isso, a sociedade brasileira não parece se importar.
Do que deveria ser um marco do enfrentamento ao narcoestado, em 2011, vimos a exportação do modus operandi do Comando Vermelho para diversas partes do país. Para enfrentar isso, o Brasil optou por uma necropolítica, que não demonstrou resultado. E nem adianta simular que houve melhora recente ou que existem boas perspectivas. Simbolizado pela fala desastrada e partidarizada do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, no “ou soma ou suma”, fica mais do que evidente: a carne mais barata do mercado continua sendo a carne negra.
