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Entrevista

Polarização entre DEM e PT 'bloqueia o desenvolvimento de Salvador', diz Hilton Coelho - 07/10/2020

Por Fernando Duarte / Bruno Luiz

Polarização entre DEM e PT 'bloqueia o desenvolvimento de Salvador', diz Hilton Coelho - 07/10/2020
Fotos: Rebeca Menezes/ Bahia Notícias

Com carreira já vasta nas disputas eleitorais na Bahia, o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL) vai para a segunda corrida pela prefeitura de Salvador sem perder o habitual discurso combativo. Ninguém passa ileso às suas críticas. Seja a nível municipal, estadual e federal, o socialista é democrático: distribui petardos contra o prefeito ACM Neto (DEM), o governador Rui Costa (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

 

Hilton foi o segundo candidato da série de entrevistas ao vivo com os prefeituráveis da capital baiana, realizada pelo Bahia Notícias na campanha pela capital neste ano (para ver a entrevista completa, clique aqui).

 

Durante a conversa, o socialista defendeu que a cidade precisa de alternativa à histórica polarização entre DEM e PT, materializada atualmente nas figuras de Neto e Rui. Para ele, este binarismo tem bloqueado o desenvolvimento de Salvador. “Essas forças políticas que estão aí, chamadas de dois polos, chegaram no limite do que poderiam apontar para a cidade. Hoje, elas significam um bloqueio no desenvolvimento do trabalho da prefeitura, a partir dos interesses reais da população”, criticou o candidato. 

 

O postulante ao Palácio Thomé de Souza também criticou um suposto projeto político de “vender a cidade” para grupos econômicos aliados a petistas e democratas, em detrimento dos interesses da população. Para a educação e saúde, prometeu que, se eleito, fará um governo para valorizar os professores e agentes comunitários, além de garantir que os secretários das respectivas pastas serão eleitos em conferências sobre as áreas. Disse também que sua gestão será a reafirmação da democracia direita, com intensa participação popular. 

 

“Nós não estamos te chamando pra votar, mas estamos te chamando pra fazer uma luta, uma nova guerra de independência, que passa por afirmar o poder popular na cidade, por afirmar Salvador como liderança regional, que tem a capacidade e expressão política para discutir os rumos do nosso Brasil. Contra tudo isso, vamos nos rebelar. O caminho é a frente de esquerda socialista, o PSOL, o PCB e a Unidade Popular, como parte desse povo com trajetória de resistência, criativa, que vai se afirmar nesse processo eleitoral”, afirmou.

 

O que esperar do próximo gestor para lidar com as consequências da pandemia, tanto social quanto economicamente?

A situação da pandemia continua gravíssima, ao nosso ver. Inclusive, as medidas de reabertura são extremamente preocupantes. Esse fim de semana, a meu ver, ensaia, sinaliza algo preocupante, com as praias lotadas. As pessoas em massa nas praias, sem máscara. Para nós, o principal é o fortalecimento da saúde básica. A pandemia pegou Salvador com dois aspectos significativos na relação direta com o fenômeno. Primeiro, uma rede básica completamente desestruturada, maquiada, como diversas dimensões do que é central para a vida do nosso município. Então, há uma falsa sensação de que a saúde está em situação mediana, mas não é verdade, ela está bastante combalida. Categorias estratégicas, como os agentes comunitários de saúde, são completamente desvalorizadas. Para você ter uma ideia, Salvador é a única capital do Brasil que não paga o piso nacional aos agentes comunitários de saúde e combate a endemias. São profissionais com relação direta e importante com a população, não apenas em relação à pandemia, mas à epidemia de chikungunya e dengue. É uma classe extremamente dedicada, temos muitas pesquisadoras e pesquisadores que poderiam dar contribuições na rede básica de saúde. Precisamos, de maneira imediata, democratizar a relação com esses servidores, entender que eles têm um compromisso e considerar esse compromisso deles com a saúde pública, startar um processo de diálogo direto com a categoria. Defendemos a realização de uma grande conferência de saúde em Salvador, que paute propostas como a criação do primeiro centro de estudos e pesquisa para saúde e educação em Salvador, que sistematizaria um conjunto de indicadores, nos fazendo ter uma ação mais eficaz na saúde. Ao final do congresso, vamos eleger a nova secretária de Saúde do município. Outro componente é que precisamos tratar da questão do saneamento e do meio ambiente na cidade de Salvador. Sabemos que grande parte das dificuldades que temos na cidade são em função da desorganização urbana que nós vivemos. Aí entra a questão da moradia e do saneamento. Precisamos colocar em prática o plano de saneamento, chamar a cidade pra discutir ele e colocar outra qualidade de vida para a população. Sobre as medidas emergenciais no campo da saúde, o elemento da testagem é fundamental e não foi feito. Isso vai ser uma prioridade para nós.

 

Apesar de já ter citado o saneamento e a saúde pública, quais são os outros principais gargalos da cidade que o senhor pretende debater nesta eleição e resolver, caso seja eleito?

Salvador está sendo vendida. A cidade é lindíssima, tem uma história de resistência, uma riqueza cultural fenomenal, uma trajetória de afirmação, inclusive no campo da política, transformadora, mas temos diversas gestões que resolveram vender a cidade, nosso território e a máquina pública. Essas forças políticas que estão aí, chamadas de dois polos, chegaram no limite do que poderiam apontar para a cidade. Hoje, elas significam um bloqueio no desenvolvimento do trabalho da prefeitura, a partir dos interesses reais da população. Há uma dinâmica de negociações com grupos econômicos, de maneira subterrânea, em que a ação da prefeitura passa a ser norteada por essa ação. Um exemplo é o BRT, uma obra gigantesca, de R$ 1 bilhão, que todo mundo está vendo que é um monstrengo. Do ponto de vista ambiental, é um monstrengo porque tamponou o rio, e não se faz mais isso em nenhum lugar do mundo, pois o mundo já fez e começou a tirar o tamponamento porque viu que é algo que não se sustenta, do ponto de vista da defesa da vista. Do ponto de vista paisagístico, é um desastre, uma coisa horrorosa. Do ponto de vista da mobilidade, não existe como fundamentar esse BRT, que começa a ter indícios de superfaturamento na ordem de milhões. Com R$ 1 bilhão para investimento, nós fazemos uma revolução na educação e na saúde de Salvador. Com R$ 1 bilhão, nós teríamos uma melhora muito sensível na qualidade desses serviços. A nosso ver, este tipo de relação, que não é feita apenas pelo prefeito ACM Neto, mas também pelo governador Rui Costa, bloqueiam os avanços que a cidade poderia ter.

 

O que o senhor faria diferente da atual gestão?

A gestão empacota a educação. Isso começou no fim do governo João Henrique, quando o bandido Geddel Vieira Lima, em aliança com ACM Neto, começou a comprar pacotes que sempre foram ligados a esquemas de fraude. O problema desses pacotes é que eles são externos à cidade. Não aproveitam o imenso potencial que nossos educadores têm de conduzir uma educação exemplar para o país, uma educação marcadamente transformadora. O que nós vamos fazer? Vamos realizar uma conferência no campo da educação, sob condução das educadores e educadores, envolvendo a comunidade escolar, para discutir os objetivos, pautar as diretrizes, a reestruturação e ampliação das escolas do ponto de vista físico, pautar a carreira da educação. Ao final, vamos eleger a secretária de Educação. Hoje temos uma cidade com potencial enorme, mas que está vivendo um cabo de guerra horroroso com a categoria dos professores. Um secretário que desrespeita completamente a categoria dos educadores, das educadoras, dizendo que a escolha feita por essas pessoas pela carreira teria sido porque eles teriam sido os piores estudantes. Como se trata esses profissionais, que passam por uma série de dificuldades para fazer um trabalho de qualidade, dessa forma? Depois do debate, o secretário não parou. Deu uma declaração marcadamente misógina, machista, racista, dirigida a uma liderança do movimento, mas com o objetivo de atingir a categoria.

 

Salvador tem um problema crônico e histórico de desemprego, sendo uma das capitais com maior índice de desempregados. Quais as suas propostas para reduzir a questão do desemprego estrutural na cidade?

Salvador tem uma trajetória de um povo que sempre sobreviveu, desde os tempos da colônia. As últimas gestões, principalmente a do prefeito do ACM Neto, trabalharam com a ideia de construir Salvador como uma cidade de negócios. Mas não são os negócios do povo, são os negócios deles, dos grupos ligados à família ou dos grupos das famílias dos aliados. Isso é um problema porque a cidade vai sendo reformada, os espaços vão sendo refeitos, sempre excluindo da relação direta com a cidade a população que precisa sobreviver. A primeira proposta é que vamos criar o primeiro banco da cidade de Salvador, o Banco do Povo de Salvador...

 

Vou aproveitar esse gancho. O PSOL é o Partido Socialismo e Liberdade. Você fala na criação de um banco, mas banco é um símbolo capitalista. Não há uma contradição nisso?

Não, não. Os grandes bancos privados são um problema. Nós queremos um BNDES forte. Somos contra a venda, como Bolsonaro quer fazer, aliado a ACM Neto, do Banco do Brasil. Nós precisamos ter os nossos próprios bancos. Mas o banco precisa financiar as grandes demandas da população, inclusive do setor produtivo, que é o que não acontece no Brasil. O Brasil é o país da especulação financeira. Nós vivemos numa banca, num cassino, em que o setor produtivo é completamente secundarizado, e a especulação fala alto no país. Por que precisamos ser obrigados a colocar nosso dinheiro no Bradesco, no Itaú, no Citibank? Já temos experiências, até de comunidades, que fizeram seus bancos, e a essência é a mesma, a renda vai circular aqui, vamos financiar nossas atividades econômicas, que são pequenas, mas uma enormidade de atividades, que ocupam a cidade toda. Existe uma falta de estímulo a essas atividades. A criação do banco seria para estimular isso. Quando a gente fala “chega de vender a nossa cidade”, falamos em substituir os acordos subterrâneos por algo que seja transparente, no sentido de ser coletivizado. O exercício direto da influência do povo na política é a espinha dorsal do nosso projeto. E, nesse sentido, vai funcionar também. Vamos fazer o primeiro congresso das trabalhadoras e trabalhadores autônomas de Salvador, que vai discutir o espaço urbano, esses conflitos que fazem com que o povo que quer trabalhar seja perseguido, tratado como um mal para a sociedade. Vamos acabar com isso, pois todo ambulante quer organizar o seu espaço. O problema é que ele não tem autoridade institucional para isso. E a nossa prefeitura, como vai ser radicalmente popular, vai colocar gente na condução do processo. A questão da economia do conhecimento vai ser pautada, a economia criativa também, as nossas tradições, tudo isso em um grande congresso, uma grande festa de criatividade e rebeldia. E Salvador precisa se afirmar como uma grande liderança regional. Isso é importantíssimo porque amplia todas as nossas possibilidades de geração de trabalho e renda. Nós temos um trem, que é o trem do Subúrbio, que pode nos levar, de um lado, para o Maranhão e, por outro caminho, para o Rio de Janeiro. A malha ferroviária existe. E estudos da Universidade Federal da Bahia mostraram que, no mínimo, a baixíssimo custo, podemos ter um trem regional, com trem moderno, que leve a população de Salvador para Região Metropolitana, parte do Sertão e do Recôncavo Baiano. Imagine o significado disso do ponto de vista social e cultural. Qual a proposta do governador Rui Costa? Arrancar os trilhos do trem e botar um transporte sob pneus. Eles chamam de monotrilho, mas é um transporte pneumático. Isso é coisa de quem tem uma mente colonizada, alguém que tá na caixa, que pensa num melhorismo, não pensa numa ruptura, coisas que sejam fortes do ponto de vista da mudança real da vida do povo. E, claro, com toda a colaboração do prefeito ACM Neto, o maior vendedor desse país, que está ao lado do governo lesa-pátria de Jair Bolsonaro.

 

Quais são suas propostas para minorias que têm sido tão atacadas no plano federal, como pessoas negras e a comunidade LGBTQIA+?

Nessa democratização do poder, precisamos considerar isso na centralidade. Salvador já tem um Estatuto da Igualdade Racial e de afirmação da liberdade religiosa. As referências estão ali, precisa ter orçamento próprio em relação a essa questão, e ela não pode ser tratada como especificidade, precisa estar no centro de ação das secretarias. Por exemplo, é impossível fazer um enfrentamento cultural eficaz sem educação. As educadoras têm uma grande produção, temos milhares de pesquisadoras com pós-graduação que trataram da lei 11.645, fizeram produção nas escolas, mas tudo isso está tamponado. Precisamos dar asas a isso para fazer aquela disputa de visão de mundo contra o racismo. É preciso ter uma visão globalizada em relação a isso. Ocupação de espaços de poder, pensar num secretariado que reflita essa composição da nossa sociedade, que é de grande maioria negra e indígena. Precisamos discutir também medidas mais pontuais, como, por exemplo, em relação às cotas nos concursos públicos. E também ter posicionamento político. Salvador está dentro de uma Bahia em que a juventude negra passa por uma situação de genocídio. A postura do governador de dizer que a execução do Cabula foi feita por artilheiros na porta do gol até hoje está na garganta, não apenas de militantes movimento negro, mas de pais e mães que estão enterrando os seus filhos. Estamos promovendo uma excrescência. Eu moro ali no Subúrbio Ferroviário e, quando vamos perguntar quem está sendo enterrado no cemitério de Plataforma, geralmente são os filhos sendo enterrados pelos pais. Em relação à população LGBTQIA+, precisamos reforçar os centros de referência, pensar em trabalhos publicitários que relacionam essa questão e precisamos reforçar também as possibilidades de inserção dessa população no mercado de trabalho. Sabemos que parte dessa população sofre um processo de afirmação do preconceito que se inocula na própria família e, por isso, precisa se prostituir, pois não tem condições de sobreviver. Precisamos pensar em alternativas de geração de trabalho, emprego e renda para essa população.

 

O espaço fica aberto para suas considerações finais.

Nessa eleição, se fala muito em dois polos. A perspectiva de que seriam os candidatos grandes e teríamos os outros candidatos. Essas duas alternativas que se autoproclamam como as principais, na verdade, oferecem um horizonte muito limitado, que é o melhorismo. O máximo que eles conseguem prometer é que vão melhorar a vida do povo. Nós viemos para romper os limites que bloqueiam essa cidade. Essa ruptura passa necessariamente por afirmar a democracia direta, a participação direta do nosso povo. Passa por negar a venda da nossa cidade. E, nessa perspectiva da participação direta, criar uma correlação de forças para enfrentar essas forças políticas nada desprezíveis. Elas ficam subterrâneas, pois não podem ser confessas, mas são expressivas. Nós não estamos te chamando pra votar, mas estamos te chamando pra fazer uma luta, uma nova guerra de independência, que passa por afirmar o poder popular na cidade, por afirmar Salvador como liderança regional, que tem a capacidade e expressão política para discutir os rumos do nosso Brasil. Contra tudo isso, vamos nos rebelar. O caminho é a frente de esquerda socialista, o PSOL, o PCB e a Unidade Popular, como parte desse povo com trajetória de resistência, criativa, que vai se afirmar nesse processo eleitoral.