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Entrevista

'Todas as políticas que estamos implantando aqui na direita, a esquerda está calada', diz secretária - 21/10/2019

Por Rodrigo Daniel Silva

'Todas as políticas que estamos implantando aqui na direita, a esquerda está calada', diz secretária - 21/10/2019
Foto: Valdemiro Lopes / CMS

Militante das questões raciais desde a década de 1970, a secretária de Reparação de Salvador, Ivete Sacramento, disse que sofre resistência de movimentos por atuar na gestão de ACM Neto (DEM), que é rotulada como uma administração de direita. Em entrevista ao Bahia Notícias, Sacramento ressalta que "políticas públicas não podem ser rotuladas" e fala sobre os avanços conquistados na sua pasta.

"Esse negócio de direita e esquerda precisa acabar na hora que fala de políticas de promoção, de reparação para negros. É isso que divide. Isso que não deixa a gente chegar ao poder. O colonizador quando montava os navios negreiros separava as tribos, e botava as tribos inimigas para que não se juntassem. E nós repetimos o que o colonizador botou na nossa cabeça. Nós lutamos contra a gente. Qual é o defeito de Ivete Sacramento? Ter tido reconhecimento explícito da sua competência através de Antônio Carlos Magalhães Neto. Agora, quem deu oportunidade para essa competência se estabelecer? Quando alguém quer dizer que eu tenho defeito, dizem que sou carlista. E eu digo que foi o carlismo que me deu oportunidade de atuar. Se eu estou aqui servindo ao meu povo negro, agradeço a quem me deu oportunidade de estar aqui", dizem.

Sacramento descartou qualquer possibilidade de ser candidata à vereadora no próximo ano ou integrar uma chapa majoritária. "Eu quero estar no lugar onde eu possa ter a liberdade de fazer e de dizer. Todas as nossas medidas na nossa secretaria são irreversíveis. Tudo o que a gente planeja e planejou é nesse foco [de combate à discriminação dos negros e LGBT+]. Desde quando eu saí da reitoria da Uneb, em 2005, não se deu um passo para trás de tudo o que implantamos lá. Teve que evoluir. O mesmo é aqui. Todas essas políticas que estamos implantando aqui na direita, a esquerda está calada. A gente não está brincando de fazer política pública. A gente não está usando a raça negra para fazer política partidária. A gente está fazendo política de reparação do povo negro. Quem sentar aqui, tem que continuar", pontuou a secretária, que foi reitora da Uneb na época da implantação das cotas raciais.

Ainda na entrevista, Ivete Sacramento fala sobre o racismo nos partidos e a hipótese de ter candidatura negra à prefeitura de Salvador no próximo ano, quando acontecerá a sucessão de ACM Neto. 

Há rumores de que a senhora pode ser candidata a vereadora de Salvador no próximo ano. É verdade?

Cada pessoa nasce com um dom. O meu dom foi ser professora. E no exercício de ser professora, eu faço qualquer outra prática. Eu não tenho dom de ser legislativa. Eu não tenho paciência de estar sentada nos plenários neste esquema político brasileiro de fidelidade partidária, de dizer e fazer o que é acordado pelos partidos, votando no que o partido acorde mesmo que isso vá de encontro a sua essência. Eu quero estar no lugar onde eu possa ter a liberdade de fazer e de dizer. Todas as nossas medidas na nossa secretaria são irreversíveis. Tudo o que a gente planeja e planejou é nesse foco [de combate à discriminação dos negros e LGBT+]. Desde quando eu saí da reitoria da Uneb em 2005, não se deu um passo para trás de tudo o que implantamos lá. Teve que evoluir. O mesmo é aqui. Todas essas políticas que estamos implantando aqui na direita, a esquerda está calada. A gente não está brincando de fazer política pública. A gente não está usando a raça negra para fazer política partidária. A gente está fazendo política de reparação do povo negro. Quem sentar aqui, tem que continuar.

Mas, nos bastidores, contam que a senhora só não foi candidata a vereadora em 2016 porque não desincompatibilizou do cargo de secretária no prazo.
Não existe isso. É mentira. O prefeito sempre soube que eu sou técnica, militante das causas de combate à discriminação. Quando ele me convocou foi com a seguinte frase: “Ivete, eu quero que daqui a quatro anos ninguém me chame de racista e nem Salvador de cidade racista. E eu gostaria que você aceitasse ser secretária da Reparação”. Por isso, estou aqui. Toda vez que chega perto da eleição começa essa conversa de que vou ser candidata. Toda vez que ouvir esse rumor pode dizer que é mentira.

 

A senhora descarta totalmente ser candidata a vice-prefeita também?
[Descarto] qualquer coisa. Não tenho dom para exercer esse cargo. Às vezes, as pessoas pensam que o cargo é uma candidatura. O cargo é um compromisso com o povo. E eu tenho o compromisso explícito de combater o racismo, de combater as discriminações contra a população negra deste país. E promover ações afirmativas para a promoção da equidade racial.

Como a senhora observa a declaração do prefeito ACM Neto de que não quer ser visto daqui a algum tempo como racista?
Eu vejo na prática, porque aqui na Secretaria de Reparação temos toda a liberdade de propor. Todos os projetos que a gente encaminha ao prefeito são aprovados. Eu não divulgo ação, mas o programa de combate ao racismo institucional da prefeitura de Salvador é modelo na metodologia aplicada para o Brasil inteiro.

O que diferencia o programa?
É o compromisso de todas as secretarias em cumprir a meta anual de 30% dos seus servidores capacitados para não cometer nem deixar alguém ser vítima de racismo. Salvador não reconhecia a sua comunidade quilombola. Agora, a prefeitura reconhece e implanta programa de ações afirmativas para as comunidades quilombolas. Salvador não reconhecia as religiões de matriz africana. A gestão de Neto mudou. As religiões não eram reconhecidas para isenção de IPTU. A gestão Neto mudou a lei tributária para permitir que os terreiros de candomblé e todas correlatas fossem reconhecidas no mesmo âmbito das outras. Se eu tivesse sentada na cadeira de vereança, eu teria tudo isso para contar?

Agora, como a senhora observa todas as ações praticadas pela sua secretaria no combate ao racismo, no combate à violência contra pessoas LGBT dentro de um governo que é rotulado como de direita?
Primeiro que eu não rotulo política pública com carimbo de partido. Não pode ser rotulada porque é independente. É por isso que eu, fundadora do movimento negro em 1978, criei minha independência política de militante. Saí dos rótulos e fui fazer minha política pública no âmbito da educação. Quando me aposentei, fui para secretaria executiva. Quando rotula, coloca em segundo plano os objetivos das políticas. Políticas públicas de promoção da igualdade racial não pertencem a partido nenhum. Até os próprios partidos, todos são racistas. Quem são os dirigentes desses partidos? São negros? Então, pronto. Poderia dizer que a política é de A, B ou C se nestes partidos os negros tivessem lugar devido, mas em todos os partidos nós somos minorias. Eu sou rotulada, mas esses rótulos para mim não dizem nada. Onde eu puder estar, eu estarei.




Lembro de Fernando Guerreiro, que é presidente da Fundação Gregório de Matos, dizer que, se estivesse em um governo de esquerda, ele estaria sendo carregado nos ombros, aplaudido pelos movimentos sociais por causa das ações desenvolvidas. O que pensa sobre essa fala?
Eu já estive em todo lugar na esquerda, na direita. Onde eu puder servir o meu povo negro, eu estarei. Na condição de reitora da Universidade do Estado da Bahia, eleita e reeleita por trabalho, no dia seguinte que a gente implantou as cotas, que era um grande anseio de toda a comunidade negra no mundo, o que esperava? Que toda a comunidade que lutava na porta festejasse. Foi um mês tomando porrada da imprensa e ninguém se pronunciava. Era um silêncio sepulcral. Por que ninguém foi lá [festejar]? Porque eles [do movimento negro] achavam que eu estava em um cargo do governo da direita, embora fosse um cargo eletivo. Esse negócio de direita e esquerda precisa acabar na hora que fala de políticas de promoção, de reparação para negros. É isso que divide. Isso que não deixa a gente chegar ao poder. O colonizador quando montava os navios negreiros separava as tribos, e botava as tribos inimigas para que não se juntasse. E nós repetimos o que o colonizador botou na nossa cabeça. Nós lutamos contra a gente. Qual é o defeito de Ivete Sacramento? Ter tido reconhecimento explícito da sua competência através de Antônio Carlos Magalhães Neto. Agora, quem deu oportunidade para essa competência se estabelecer? Quando alguém quer dizer que eu tenho defeito dizem que sou carlista. E eu digo que foi o carlismo que me deu oportunidade de atuar. Se eu estou aqui servindo ao meu povo negro, agradeço a quem me deu oportunidade de estar aqui.

Como analisa a discussão que tem ocorrido no movimento negro, nos partidos de esquerda sobre candidaturas negras para prefeitura de Salvador?
Não é só os partidos ligados à esquerda. Estou aqui e estou vendo o movimento de pessoas negras de outros partidos também se movimentando. Não vai para lugar nenhum porque dividido ninguém vai para lugar nenhum. Sem planejamento, sem organização, ninguém vai para lugar nenhum. Se organizar em véspera da eleição é ingenuidade. Todo dia eu digo isso.

O que pensa das propostas para acabar com cotas raciais nas universidades?
Cotas é algo irreversível. Antes, nós éramos 1%. Só Uneb e Rio de Janeiro. Hoje, nós temos no Brasil inteiro. Nós temos salvaguarda, nós temos lei, nós temos o Supremo Tribunal Federal que garante. Agora, nós temos contingente negro que tem consciência do que é a cota, do que é a reparação.

A senhora também defende cotas no Legislativo?
Eu defendo cota em tudo que é lugar. Eu sou a mulher das cotas.



O que pensa sobre ideologia de gênero?
Não existe isso. Existem políticas públicas de gênero.

É uma ideia reacionária?
Eu costumo dizer o seguinte. A gente adora rotular. Quando quer dizer que está fazendo uma coisa diferente, a gente rotula. O que existe, para mim, são políticas públicas de promoção e cidadania LGTB+. Acabou. É nisso que eu me pauto.

Como a senhora lida com a questão dos recursos? Sempre há críticas de vereadores da oposição de que faltam recursos para combater a homofobia, o racismo e etc.
É falta da clareza do que é uma secretaria de políticas públicas, que trabalha na transversalidade por isso que temos planos. A política não é da secretaria, é da gestão. No orçamento de cada secretaria, tem fixado as ações de reparação. Ou seja, educação é com recurso da educação. Saúde é com recurso da saúde.