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Entrevista

UNE começa caravana em defesa da universidade pública: ‘Estratégico para resolver problemas’ - 02/04/2018

Por Lucas Arraz / Estela Marques | Fotos:

UNE começa caravana em defesa da universidade pública: ‘Estratégico para resolver problemas’ - 02/04/2018
Fotos: Priscila Melo / Bahia Notícias

A União Nacional do Estudantes (UNE) dá início neste mês de abril à caravana ‘UNE Volante – Uma universidade chamada Brasil’, para defender as universidades públicas. A bandeira é prioridade da organização, após assunção do governo Michel Temer, não reconhecido pela entidade. De acordo com a presidente nacional da UNE, Marianna Dias, a ideia da caravana é mobilizar os estudantes sobre a importância da universidade pública para superar a crise política, institucional e social que foi instalada no Brasi. “Por enxergar a universidade como um instrumento estratégico para resolver os problemas, outros tantos, que existem no Brasil, é que a gente tem tratado como prioridade a defesa da universidade pública”, disse a baiana de 25 anos, estudante de Pedagogia na Universidade do Estado da Bahia (Uneb). À frente da UNE desde o ano passado, quando foi eleita, Marianna conversou com o Bahia Notícias sobre a articulação da entidade desde o pós-impeachment, quando o novo governo trouxe mudanças que impactam investimentos na educação e saúde pública, até este ano eleitoral. A presidente da UNE também deu detalhes sobre o tema da 20ª bienal da organização, que deve acontecer em Salvador em janeiro de 2019, com a participação de Gilberto Gil. Veja abaixo a entrevista completa!

 

Que avaliação você faz da sua gestão no comando da UNE?
A UNE, por ser organização de cunho estudantil, tem se preocupado muito com a situação da educação do nosso país em especial. A gente sabe que o Brasil tem passado por diversos problemas relacionados à economia, relacionados à política, relacionados à segurança pública, mas tem passado também de forma muito perversa com a educação brasileira. A gente tem participado de muitas iniciativas e manifestações, inclusive, no sentido de defesa e proteção da universidade pública e dos programas que foram conquistados nos últimos anos. Por exemplo, o Fies [Fundo de Financiamento Estudantil], que teve mudanças por parte do governo federal, que alterou alguns mecanismos pra poder ter adesão estudantil e da universidade. As mudanças desse Fies acarretaram em algumas universidades não tendo interesse em ofertar o Fies, então, programas que eram consolidados, que eram referência e que ajudaram muito no processo da popularização da educação têm sido alterados. E essas alterações têm gerado certo desconforto e problemas. O Pibid, programa de iniciação à docência de estágio nas universidades públicas, também passou por alteração. Então a gente tem vivido um momento conturbado no Brasil e isso tem influenciado diretamente a universidade, em especial a educação pública. A UNE tem se dedicado a falar das questões macro, das questões relacionadas à política, mas também a falar sobre o que a gente tem responsabilidade exatamente, que é algo muito sério e muito importante, que é a educação.

 

A política brasileira está vivendo um momento de repolarização desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Isso tem se refletido nas universidades brasileiras com movimentos contrários entrando embate – como na apresentação do filme de Olavo de Carvalho. Como a UNE, entidade representativa dos estudantes, lida com essa polarização e promove debate entre esses grupos?
Sem dúvidas eu acho que a face do conservadorismo tem se mostrado na sociedade como um todo. A gente tem visto algumas manifestações em lugares do país pedindo volta da intervenção militar e uma série de questões complicadas. A UNE é uma organização que tem a responsabilidade de representar todos os estudantes brasileiros. A UNE por si só não é uma organização ideológica do seu ponto de vista estatutário, mas por respeito aos 80 anos que a UNE tem, nós temos também algumas preocupações iminentes que na nossa opinião a UNE não pode se isentar de discutir. Apesar de representar estudantes do Brasil inteiro, nós não podemos concordar ou achar correto que haja censura dentro da universidade pública, ou que seja correto e comum brasileiros irem às ruas pedirem o retorno da intervenção militar.  A UNE sofreu com a ditadura militar no nosso país. Tivemos um presidente que foi assassinado e desaparecido na época da ditadura militar, o Honestino Guimarães. Então, ainda que tenhamos essa amplitude, tem coisas pra nós que fazem parte da nossa história e que são questões inegociáveis. A UNE defende os direitos humanos, uma sociedade mais humanizada, liberdade de expressão e qualquer iniciativa que possa ferir isso, nós precisamos ter posicionamentos firmes por respeito à nossa história e por compreender que há 80 anos a UNE tem construído uma narrativa e um caminho, esse caminho da liberdade, da democracia, o caminho em que todos tenham a condição de ter a sua opinião, seus pensamentos, mas que isso não possa ser algo agressivo, enfim.

 

Uma das pautas do ano passado que vocês conquistaram foi a carteirinha de estudante como forma de organizar o benefício, que às vezes vem sendo fraudado. Com isso vocês também entraram com algumas ações, a UNE processou alguns festivais e eventos por praticar o fato de vender inteira como meia. Como está esse processo de regulamentação da meia-entrada?
Nós tivemos uma conquista histórica de fato, porque a pauta do direito à meia-entrada estudantil não é algo dessa geração. Ou seja, na década de 70 e 80 já se falava sobre isso. Em 2014 nós conseguimos sancionar uma lei federal que regulamentou a emissão do documento do estudante a nível nacional. E a gente tem feito inclusive um esforço grande de, como todas as outras legislações do país, fazer a lei pegar. Quando foi obrigatório o uso do cinto de segurança, todo mundo também achou muito estranho e achou que a população não ia se acostumar, mas acabou que hoje em dia todo mundo usa o cinto de segurança. A gente tem esse desafio de não ser uma legislação só no papel. Durante muito tempo se existiu falsa sensação de meia-entrada estudantil. Aqui em Salvador, inclusive, isso é bem marcante. Você tem meia-entrada pra todo mundo, então quem é estudante ou quem não é paga meia e a inteira é o dobro do valor real do ingresso. No final das contas, o direito do estudante não tinha sua seguridade. A partir dessa nova legislação, a gente passou a garantir. Mas nós estamos nesse processo de regulamentação, de popularização da lei, pra que nós tenhamos uma cultura diferente na sociedade de entender “olha, a meia-entrada é importante para os estudantes, é algo que garante que os estudantes tenham mais acesso e mais direito à cultura” e também porque precisamos ter coragem de falar sobre os assuntos que fazem parte da nossa vida. A aquisição do documento do estudante organiza a rede do movimento estudantil. Não organiza só a UNE financeiramente, mas organiza a UNE, organiza a entidade estadual, organiza o diretório central dos estudantes de todas as universidades e os centros acadêmicos dos cursos. Temos um mecanismo que garante a organização e financiamento de toda a rede do movimento estudantil. 

 

Você já falou um pouquinho sobre o combate à precarização da educação, mas gostaria de saber: qual a principal pauta da UNE pra esse ano?
A defesa da universidade pública. A mudança de governo que teve no nosso país, que a UNE tem a postura muito firme de não reconhecer o governo que está em curso, porque, na nossa opinião, foi um processo de ruptura democrática sem a participação do povo, portanto, foi um processo antidemocrático, gerou não só a troca da figura do presidente do nosso país. Não saiu só Dilma e entrou Michel Temer. Saiu Dilma e entrou Michel Temer e uma série de questões relacionadas à vida da população. A primeira ação de Michel Temer foi enviar ao Congresso Nacional uma PEC que alterava a Constituição para colocar teto nos gastos públicos do nosso país por 20 anos. A influência que essa PEC tem no investimento da educação e da saúde pública é algo muito agressivo. Por exemplo, temos orçamento hoje com quantidade de estudantes universitários. Daqui a dez anos vamos ter o mesmo orçamento com universidade maior. De acordo com a lógica de progressão que existe, que quanto maior a universidade, mais alto precisa ser o investimento, nós vivemos já de imediato, mas temos no horizonte próximo uma situação de muita delicadeza no investimento da universidade pública. E já se aparecem questões como solução para o orçamento da universidade pública cobrar mensalidade; pedir investimento de empresas. São soluções que são apresentadas que desresponsabilizam o estado brasileiro com educação e saúde. Na nossa opinião, isso é incorreto. Nós achamos que a universidade pública precisa ser mantida pelo Poder Público do nosso país. Como está previsto na nossa Constituição e por conta de toda essa delicadeza, nós vamos no próximo período rodar as universidade públicas do nosso país nos meses de abril, maio e junho, através de uma caravana chamada ‘UNE Volante - Uma universidade chamada Brasil’. Vamos rodar as universidades públicas tratando sobre o tema, quanto a universidade pública é importante para o país. Vamos falar de saúde, vamos falar de investimento, de segurança pública, vamos falar de ciência e tecnologia e qual é o papel da universidade nessas áreas estratégicas. Nossa intenção é comprovar que a universidade é importante para desenvolver o Brasil: muitas vacinas que tomamos foram desenvolvidas na universidade; que o problema da mobilidade urbana, da segurança pública, todas essas questões a universidade precisa ter responsabilidade ao tratar. E no momento de crise que nosso Brasil vive – crise política, institucional e social também –, nós precisamos fortalecer a universidade como um dos mecanismos mais poderosos para ajudar o Brasil a sair dessa crise, pra transformar os problemas que nós temos. Por enxergar a universidade como um instrumento estratégico para resolver os problemas, outros tantos, que existem no Brasil, é que a gente tem tratado como prioridade a defesa da universidade pública.

 

Em janeiro de 2019 vocês também estão apresentando uma bienal, com tema ‘História do Brasil contada por Gilberto Gil’. Queria saber de você sobre a escolha do tema, o que vocês pretendem com essa bienal.
A bienal é um grande festival de arte e cultura que a UNE realiza há 20 anos, inclusive, vamos comemorar 20 anos. A primeira bienal da UNE foi realizada aqui em Salvador e 20 anos depois temos a intenção de voltar pra Salvador pra gente contar a história do Brasil através de um brasileiro muito importante para a construção cultural e social do nosso país. Gilberto Gil tem um olhar sobre nosso povo de forma muito diferenciada. Ele consegue falar sobre problemas sociais, sobre amor, sobre carnaval, sobre futebol, sobre vários elementos que compõem a sociedade brasileira que, na nossa opinião, é importante ressaltar. Não é porque o Brasil vive uma crise muito grande que nós não vamos falar que esse ano tem uma Copa do Mundo e nós precisamos ter orgulho do nosso país, que tem um grande potencial de ganhar o maior campeonato de futebol do mundo. Ele tem essa capacidade de falar sobre o Brasil e sobre o brasileiro de uma forma muito sensível. E por conta desse momento tão difícil, em que o brasileiro tem perdido mais esse sentimento de ter orgulho de ser brasileiro é que nós vamos convocar Gilberto Gil para contar a história do nosso país na cidade de Salvador e realizar esse festival.

 

Você já tem mais informações sobre datas, local?
Não. Essas coisas a gente ainda está em processo de formação.

 

Tenho uma pergunta que vai de encontro ao movimento estudantil. A gente vive uma época em que as pessoas precisam se firmar e estão procurando cada vez mais escolher um lado. Queria saber de você: como aliar prática política dentro da universidade sem deixar de lado a própria formação, uma vez que o movimento estudantil é criticado por desviar os alunos de sua formação universitária?
A gente tem uma visão de sociedade muito cruel. Então você precisa sair muito rápido da escola e entrar muito rápido na universidade, se formar muito rápido, ir para o mercado de trabalho e às vezes a universidade oferece tantas coisas que os estudantes não podem entrar em contato, como o movimento estudantil, que por ser movimento, política, por ser organização social passa por um processo de criminalização muito grande também. Existem aqueles que querem criminalizar o movimento estudantil para afastar os estudantes da organização, da política. Por isso que tem toda aquela história de que não é bom participar do movimento estudantil, que movimento estudantil afasta ou desvirtua as pessoas. Mas na nossa opinião o movimento estudantil faz parte da universidade, da escola, porque tem muito movimento na escola também, como um dos grandes mundos que a universidade nos permite descobrir – descobrir que é possível se organizar, que é possível fazer política, se indignar com as coisas que têm acontecido no nosso país. A gente reclama muito do que tem acontecido, a gente sabe que tem muita coisa de ruim acontecendo no Brasil, mas sentar no sofá da nossa casa e reclamar não vai mudar. E quando a gente chega na universidade, propõe, convida, instiga os estudantes a fazerem parte do movimento estudantil, é pra despertar o dever de cada cidadão a lutar pelos seus direitos, por um país diferente, a questionar as coisas que acontecem no nosso país. E questionar a lógica incomoda e quando incomoda, gera uma criminalização. Mas a gente lida de forma muito firme em relação a isso: quanto mais nos criminalizar, mais vontade nós teremos de organizar os estudantes e dizer “olha, você é estudante universitário, você precisa fazer parte da UNE, do seu centro acadêmico, da política, porque a gente precisa transformar nosso país”. E dá certo, porque a UNE tem 80 anos e os estudantes estão aí a cada dia que passa se organizando cada vez mais e nos desafiando a crescer, a ser uma UNE cada vez maior.

 

Voltando um pouquinho... Você disse que a UNE condiciona não reconhecer o governo atual, ao mesmo tempo em que ela precisa representar todos os estudantes. Como está o diálogo com outros grupos de representação estudantil ou que tenham uma grande massa de jovens como, por exemplo, o Movimento Brasil Livre? Vocês sentam com essas correntes ideológicas que destoam um pouco?
Primeiro falar que todas as decisões que a UNE toma são aprovadas em fóruns. Nada é da cabeça do presidente ou da presidente da UNE. A decisão de não reconhecer o governo atual foi tomada num congresso que tinha 15 mil estudantes de 93% das universidades públicas e privadas do nosso país. Nós passamos um processo congressual, elegemos representantes das universidades e nesse congresso todas as opiniões foram ouvidas. Infelizmente o Movimento Brasil Livre não estava no congresso da UNE, apesar de ter sido convidado para participar, mas tinha representantes do PSDB, do PMDB e de tantos outros movimentos contraditórios e antagônicos à opinião massiva da organização. Nós buscamos dialogar e ter diálogo com todos os movimentos de juventude, mas a gente também precisa compreender que o diálogo é algo mútuo e só existe quando as duas partes têm interesse em dialogar. O Movimento Brasil Livre prefere ir pra internet criar fake news e agredir as pessoas através da internet. Essa não é uma postura que a UNE toma, então preferimos falar da educação, sobre quaisquer outros assuntos que não seja descredenciar ou desmerecer o movimento A ou B. Sendo procurada, a UNE vai dialogar com todo mundo. Agora, a gente tem muitos assuntos a tratar, uma série de desafios a cumprir e a gente não tem tempo de ficar nesse processo de briga de torcida. A gente tem postura mais de “vamos nos preocupar com os estudantes” do que entrar nessa briga de torcida, que não é interessante. 

 

Muitas vezes as instituições estudantis universitárias acabam ficando dentro das universidades. Nesse ano eleitoral, vocês têm interesse em exportar as demandas estudantis e se posicionar durante as eleições?
Sim, sem dúvidas. A todo ano eleitoral a UNE promove a construção de uma plataforma eleitoral que nós apresentamos aos candidatos. Essa caravana que vamos fazer, a UNE Volante, vamos discutir sobre o Brasil e ao final vamos reunir os líderes de movimentos das universidades através de um conselho nacional de entidades gerais, vamos convocar os DCEs [Diretórios Centrais Estudantis] para aprovar uma plataforma eleitoral. Nessa plataforma eleitoral a gente vai abordar o Brasil que a gente pensa, com foco muito maior na universidade, na educação, mas falando também sobre temas relacionados à vida da juventude, como a questão da segurança pública, que é algo sensível, muito delicado, muito grave. A gente tem convivido diariamente com o genocídio da juventude negra de forma muito brutal, com o feminicídio de mulheres jovens de forma muito brutal, e no momento em que o Brasil vive seu bônus demográfico mais alto, ou seja, o período desde que nosso país foi fundado até hoje, vivemos o maior contingente de população jovem, e é justamente nesse período que a gente convive com o maior genocídio da juventude, com o maior feminicídio, com questões relacionadas à violência com juventude de forma muito expressiva. É algo muito sensível, muito ligado à nossa pauta, então nós historicamente participamos do período da eleição com essas propostas, dando nossa opinião, mobilizando jovens, cobrando de candidatos, tendo posturas mais nesse sentido.

 

Dentro desse processo vocês também apoiam algum candidato?
Já houve na história da UNE momentos em que de forma pontual a UNE apoiou alguns candidatos, em especial a presidente da República em segundo turno. Mas normalmente não temos nenhum posicionamento a candidato A ou candidato B. Encaramos o processo de eleição para aproveitar pra dar nossa opinião e apresentar nossa plataforma. Mas nós não descartamos a possibilidade de nos posicionarmos se isso for algo essencial para as eleições. Podemos, mas normalmente não fazemos. Existe essa possibilidade, a gente ainda não tem nada fechado. Se necessário, a UNE irá se posicionar.