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Entrevista

Fernando Guerreiro explica intenção com comemoração do aniversário de 465 anos de Salvador - 17/03/2014

Por Evilásio Júnior / Carol Prado

Fernando Guerreiro explica intenção com comemoração do aniversário de 465 anos de Salvador - 17/03/2014

Engana-se quem pensa que o megaevento organizado pela prefeitura em homenagem aos 465 anos de Salvador é meramente um mimo aos seus habitantes. Para o presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), órgão ligado à Secretaria de Desenvolvimento, Turismo e Cultura da gestão municipal, Fernando Guerreiro, o aniversário – que durará nada menos do que oito dias – tem por objetivo abrir novas possibilidades no calendário turístico da capital, para aumentar a atração de visitantes pós-fevereiro. “Nós temos, hoje, uma concentração muito violenta no Carnaval. Queremos criar opções diversificadas para o ano inteiro dos turistas. Salvador precisa tirar um pouco do seu foco da folia”, analisou. Em entrevista ao Bahia Notícias, o titular contou detalhes sobre a comemoração – segundo ele, financiada com “restos” da verba destinada ao evento de Momo – e divulgou algumas das próximas ações da FGM, como a concretização da Semana de Arte do Sagrado, também voltada ao turismo, dessa vez religioso. “Será um festival de concertos, debates, exposições e dramatizações, marcado para a Semana Santa. Vai culminar com um grande espetáculo da Paixão de Cristo e um show no Farol da Barra, provavelmente com Nana Caymmi”, revelou. Crítico dos entraves burocráticos, Guerreiro acredita que a lentidão é, hoje, o principal problema da gestão cultural na Bahia, que reflete mecanismos impostos nacionalmente e possui, em sua visão, uma estrutura “velha e sucateada”. “Não sei se consigo realizar metade das coisas necessárias até o final da gestão. Tudo que se faz no serviço público precisa de justificativa. Isso leva tempo. As pessoas que estão de fora não têm essa visão, acusam o administrador de ser ineficiente”, concluiu.   


Fotos: Evilásio Júnior/ Bahia Notícias

Bahia Notícias – Esse ano, teremos uma comemoração de oito dias em homenagem ao aniversário de Salvador. Por que uma festa tão grande e quais os principais planos da prefeitura para o evento?
 
Fernando Guerreiro – Essa ideia surgiu no ano passado, por iniciativa do secretário [de Desenvolvimento, Turismo e Cultura] Guilherme Bellintani. Falava-se muito do “virote” [tipo de evento que dura dois ou mais dias, sem pausas, a exemplo da Virada Cultural de São Paulo], que Salvador não tinha. Então, pensamos: “vamos fazer uma semana de festas, aliadas a ações estruturantes, para comemorar dignamente o aniversário”. Um aspecto que a gente tem trabalhado é tentar abrir novos pontos de atração do turismo. Nós temos, hoje, uma concentração muito violenta no Carnaval. No resto do ano, o setor fica em uma situação muito delicada na cidade. Com o aniversário e outras ações programadas pela secretaria, queremos criar um calendário de opções diversificadas para o ano inteiro dos turistas. Salvador precisa tirar um pouco do seu foco do Carnaval, entrar no circuito de eventos do país, se tornar uma capital atraente o tempo todo. A festa de março será uma semana multicultural. Teremos, obviamente, uma força grande com a música, porque vários artistas se predispuseram a se apresentar sem cachê – e isso não é enrolação. Nesse esquema, teremos Bell Marques, Durval Lélys, Saulo, Luiz Caldas, Osba [Orquestra Sinfônica da Bahia] e a gravação do DVD do Cheiro de Amor. Devem se apresentar ainda Marcelo Nova, conjuntamente com [a banda] Cascadura, e Edson Gomes, que eu bati pé e quis muito, sou fã dele. Também vamos ter outras novidades. Vamos lançar, durante o aniversário do município, o selo literário da secretaria, que provavelmente vai ganhar o nome de João Ubaldo Ribeiro, e ser estampado em cinco livros por ano. Teremos apresentações de stand up comedy em cima de kombis, o Stand Up Kombi, em vários pontos da cidade. O projeto Poesia em Trânsito também acontecerá dentro dos ônibus. Tudo isso vai abranger a cidade toda, em bairros populares e periféricos, com um palco musical em Cajazeiras, inclusive. A programação acontece de 23 a 30 de março. 
 
BN – Além das iniciativas que acontecerão nas ruas, haverá um grande evento de fechamento, melhor estruturado?

FG – Não. Tudo que programamos está muito bem estruturado, mas não pensamos em determinar o que é mais ou menos importante. No dia 29, dia do aniversário mesmo, teremos a apresentação do Cheiro. Eventualmente, pode aparecer um bolo, algo assim. Importante frisar: Moraes Moreira fará um grande show, para compensar a perda do Carnaval [quando o cantor teve seu trio elétrico cancelado por conta de problemas com a Bahiatursa]. 

BN – Os palcos dos grandes shows serão montados onde?

FG – Serão três palcos. Um no Dique do Tororó, outro na Praça Cayru [no Comércio] e um terceiro em Cajazeiras. Eventualmente, pode aparecer um trio por aí, se apresentando no Subúrbio Ferroviário. Vamos discutir isso ainda. 

BN – Quem vai financiar esse projeto?

FG – A gente tem um financiamento proveniente de, digamos assim, restos do Carnaval. Eu não sei precisar números, isso é mais com o secretário. Mas é algo em torno de R$ 1 milhão.

BN – Assim como na festa de Momo, vai haver algum tipo de restrição no comércio ambulante?

FG – Não vai haver espaço de restrição. Espaço publicitário vai ter, com certeza.

BN – Essa é a primeira de uma série de iniciativas anunciadas no ano passado para 2014. A secretaria já trabalha nas próximas?

FG – Sim. Dentro dos planos, temos a Bienal de Fotografia, que deve acontecer em abril ou maio. Haverá, no segundo semestre, uma grande feira literária, a Flipelô [Feira Literária do Pelourinho], um festival latino-americano, que vai reunir música, dança e teatro, e a volta do Percpan [festival de música percussiva]. Além disso, somos os principais patrocinadores da Semana de Arte do Sagrado, um festival de concertos, debates, exposições e dramatizações religiosas, que acontece durante a Semana Santa, e vai culminar com um grande espetáculo da Paixão de Cristo no Farol da Barra, provavelmente com Nana Caymmi. Tudo isso está sendo desenhado. 

BN – A Semana de Arte do Sagrado tem por objetivo disputar a atração turística com o espetáculo da Paixão de Cristo que acontece em Nova Jerusalém, em Pernambuco?

FG – É. Salvador não tem explorado bem a questão religiosa para o turismo. Com a semana, as pessoas não virão só para ver a Paixão de Cristo, mas sim para participar de uma grande feira. Isso cria uma marca na cidade. É um projeto muito ambicioso e interessante. 
 

BN – Sobre a sua área, o teatro, há uma frase célebre de Fernanda Montenegro, que diz que “se o ingresso for R$ 5 é caro, mas, se o Cirque du Soleil vier, você compra e parcela em 10 vezes”. Como, nesse turbilhão de ações que a prefeitura tem tentado colocar em prática para resgatar a movimentação cultural de Salvador, muitas vezes focada na música, inserir e incentivar o consumo de peças na cidade?

FG – A gente já tem a política do edital, que já contemplou alguns espetáculos. Vamos reinaugurar alguns importantes centros teatrais agora no primeiro semestre, como o Espaço Cultural da Barroquinha e o Teatro Gregório de Mattos, ambos reformados. Eu e Guilherme [Bellintani] estamos pensando em um grande projeto de suporte a grupos residentes desses dois locais. Algo parecido com o que a Sala do Coro [do Teatro Castro Alves] faz: produzir dois espetáculos por ano, realizar oficinas com pessoas de fora etc. Para o Gregório, por exemplo, eu planejo um grande ponto de discussão e produção de musicais. Salvador está muito atrás de outras capitais nesse quesito. É uma coisa que não se explica, já que temos uma musicalidade tão forte. Quero criar uma mini Brodway, uma “Chileway” [em referência à Rua Chile]. Alí, é um lugar perfeito para virar um circuito de casas de espetáculo.  

BN – Isso pode demandar parceria com alguma universidade?

FG – Vamos fazer e estamos pensando em gente de fora, inclusive. Teremos que trazer profissionais de outros estados, que já tenham a capacitação para trabalhar com a tecnologia dos musicais. 

BN – Alguns novos talentos têm surgido na dramaturgia baiana e muitos deles ganharam espaço e mantêm um público fiel no Youtube. Você acha que a presença dos atores nos ambientes online pode prejudicar o descolamento de espectadores aos teatros?

FG – Não. Sabe por quê? O espectador não pode interferir no Youtube. A Bofetada e Los Catedrásticos fizeram uma revolução no teatro. As pessoas me perguntam porque virou esse fenômeno todo. Eu respondo que é, justamente, pela possibilidade de a plateia participar do espetáculo. Quando você vê o artista ao vivo, ele pode olhar para sua cara e dizer algo, pode fazer uma piada improvisada... isso nunca vai acontecer na internet. Por mais que haja interação online, é diferente. O teatro é uma linguagem de corpo a corpo. Eu acredito, inclusive, ele pode ser um veículo de volta do contato físico entre as pessoas. É humano. 

BN – Você identifica alguma perda para o teatro nos últimos anos?

FG – Eu acho que, na arte, há sempre períodos de ressaca e outros em que muita coisa boa acontece. São entressafras. Juntamente a isso, a política cultural pesa muito. Se há suporte e incentivo, muitos talentos que poderiam desaparecer se tornarão mais fortes. 

BN – Como presidente da Fundação Gregório de Mattos, você acredita que, hoje, há em Salvador essa política cultural de suporte e incentivo?

FG – Eu tô me virando. Peguei uma fundação completamente esquecida, sucateada. Não sei se consigo fazer metade das coisas necessárias até o final da gestão. Além de todos os problemas, há os entraves burocráticos, que são apavorantes.

BN – Que entraves são esses?

FG – Tudo que se faz no serviço público precisa de justificativa. Você tem que dizer: “eu tô dando R$ 100 pra esse, e não R$ 200 pra aquele”. Isso, às vezes, se torna um processo que tem que ser avaliado por A, B, C e D. Esse caminho leva tempo. Hoje, na prefeitura, temos uma gestão muito ágil, hiperativa, mas com uma estrutura herdada completamente ineficiente. A gente tem que trabalhar triplicado para colocar as finanças nos eixos. Agora tava entrando o IPTU e embolou tudo de novo. A questão da gestão não é só dinheiro, é uma estrutura velha. Isso provoca atrasos. Eu já entendi que a administração pública tem um tempo próprio, eu tenho que respeitar. O Espaço Cultural da Barroquinha, por exemplo, era pra ter sido inaugurado no meio do ano passado. Só que ele funcionava, há seis anos, sem o sistema de proteção contra incêndios. Tive que fazer três licitações para poder chegar a uma empresa que apresentasse toda a documentação para se responsabilizar pela instalação dos equipamentos. Isso levou um ano. É um ciclo vicioso, um organismo extremamente complexo. As pessoas que estão de fora não têm essa visão, acusam o gestor de ser ineficiente. 
 

BN – O secretário de Desenvolvimento, Turismo e Cultura, Guilherme Bellintani, tem sido apontado como um dos afetados pela suposta mudança de secretariado do prefeito ACM Neto. Ele assumiria outra pasta. Você aceitaria comandar a secretaria no lugar dele? 

FG – Até agora, não houve convite. Eu teria que conversar com o prefeito. Acho que estou fazendo muito bem o que me foi delegado. Não sei se teria capacidade para pegar um bonde desse tamanho. E outra coisa: se ele sair, eu vou balançar, porque tenho uma parceria muito importante com Guilherme. Desde que assumi a fundação, acreditei muito nele.

BN – Você teme um abalo no meio cultural caso a saída dele se concretize?

FG – Primeiro, eu acho que isso não vai acontecer. Segundo, Guilherme tem características que são muito difíceis de achar em outra pessoa. Por exemplo, eu tenho meu lado criativo, mas não tenho o aspecto executivo que ele tem. É um visionário. Um cara que executa as coisas. Um grande administrador. Realmente um nome que, para substituir, precisará de muito suor ou do enfraquecimento da pasta. Se eu assumisse o cargo, eu enfraqueceria a pasta. 

BN – E você, pretende ficar até o final da gestão de Neto?

FG – É um compromisso assumido. A única coisa que poderia me motivar a sair é alguma questão ligada à saúde. 

BN – Ainda sobre política, você tem nome preferido para representante da oposição nas eleições ao governo do Estado? Geddel Vieira Lima ou Paulo Souto?

FG – Eu acho que os dois têm pontos positivos e negativos, mas acredito que ambos podem fazer uma gestão brilhante. Souto tem experiência e Geddel tá com sangue nas veias. 

BN – Tem algum tipo de resistência às ações realizadas pelo PT ao longo desses anos de governo?

FG – Para mim, várias coisas que o PT fez nesse tempo foram muitos positivas. Eu citaria o sistema nacional de cultura: a gestão [do ex-ministro da Cultura] Juca Ferreira foi revolucionária. O que eu percebo é que precisa de mais velocidade.

BN – E Albino Rubim?

FG – É um cara muito bem intencionado, indiscutivelmente honesto e conhece muito de cultura. Mas, na gestão de um modo geral, acho que podia ser um pouco mais rápido. Não sei o que ele está enfrentando. É preciso perceber que Albino assumiu a secretaria [de Cultura do Estado] em uma situação terrível e, na hora que ele começou a agir, ficou sem dinheiro. O contingenciamento acabou com a gestão dele. Isso foi um golpe pesado e ele está preso nisso até hoje. Acho que o governo tem um problema de comunicação entre as ações na área cultural. Às vezes embola, confunde.

BN – Mas você acredita que ele tenha promovido algum tipo de melhora no ambiente da cultura em âmbito estadual?

FG – Albino trouxe contribuições positivas, mas não diria que houve melhora, e sim estabilização. 
 

BN – No fim do ano passado, o cineasta Claudio Marques, coordenador do Espaço Itaú de Cinema, criticou a gestão cultural municipal, que na época destinava uma grande quantidade de verbas à realização da festa de Réveillon da cidade. As declarações geraram polêmica nas redes sociais e foram rebatidas pelo secretário Guilherme Bellintani. O que tem sido feito pelo setor artístico do audiovisual em Salvador?

FG – Justamente para o Espaço Itaú, há um projeto interessantíssimo. Aquele entorno vai virar um grande centro de cultura, com projeções ao ar livre, reforma no estacionamento e bar do lado de fora. Eu já botei o portão no famoso Beco do Mijo, que é uma reivindicação secular. Sem ele, arrombaram seis vezes o Gregório e roubaram os fios do cinema, que recentemente até parou de funcionar por uma semana. Tem gente cuja função no mundo é reclamar. Algumas pessoas são azedas mesmo. Se forem ligadas a um partido de oposição então... isso é uma coisa que eu vou ter que lidar. 

BN – O secretário especial da Copa, Ney Campello, já disse que não quer Carnaval durante o São João. Você acha que ele é uma dessas pessoas “cri cri”?

FG – Não. Veja bem, qual é a grande marca de Salvador hoje? É o Carnaval. Vamos mostrar o que para o mundo? Aquilo em que não somos experts? O forró vai estar presente, é claro. Esse “não pode” eu acho profundamente perigoso. Um dos grandes acertos do secretário [Guilherme Bellintani] foi o de não satanizar nada. É preciso agregar, e não eliminar. Precisamos parar com essa satanização do Carnaval. Sem dúvidas houve um momento em que realmente ele foi predador, ele perdeu artisticamente, teve problemas sérios, mas isso já está se recompondo. Hoje, temos uma folia muito mais democrática, com grandes artistas que trazem dinheiro para a cidade. Eu, pessoalmente, não sou fã do trabalho de Bell [Marques], por exemplo. Mas eu tenho que reconhecer que é um grande cantor. De qualquer forma, será um microcarnaval. O turista quer ver o trio elétrico, não tem jeito. Se ele vem para a Bahia e não vê, sai frustrado. O nosso grande capital é a cultura e os serviços. Quem está na gestão tem que ter essa sensibilidade.