Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias
Você está em:
/
Entrevistas

Entrevista

Ney Campello faz um balanço de como está a realização da Copa do Mundo na Bahia - 11/03/2014

Por Evilásio Júnior / Lucas Cunha / Alexandre Galvão / Rebeca Menezes

Ney Campello faz um balanço de como está a realização da Copa do Mundo na Bahia - 11/03/2014
Fotos: Gustavo Môes
A pouco mais de 90 dias para a bola rolar no Mundial de futebol do Brasil, o secretário estadual da Copa, Ney Campello, faz um balanço de como está a realização do evento na Bahia. Ele admite que o planejamento para Salvador está aquém do prometido, critica a decisão do ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, de prorrogar a ampliação do aeroporto para depois do torneio, mas, ainda assim, projeta boas perspectivas para a cidade. "Há atrasos? Há. Dizer que o planejamento brasileiro não tem atraso é não ter uma relação sincera e transparente com a sociedade. Mas os atrasos, no meu entendimento, não comprometem o evento. O que eles fazem é retardar o legado definitivo que ficará para a população. Mas ficará", estima. O titular da Secopa não acredita que manifestações populares, semelhantes às realizadas durante a Copa das Confederações, irão tirar o brilho da festa. "A minha opinião é de que não teremos reprodução das manifestações que tivemos em 2013. Eu não estou dizendo que não teremos manifestações, nem muito menos sou contrário a que isso ocorra. Mas estou dizendo que o caso de 2013 ocorreu em um contexto muito concreto, em que determinadas atitudes tomadas por gestores em alguns pontos do país, sobretudo no Sudeste, geraram uma insatisfação e essa insatisfação teve efeito dominó", avalia. Campello critica um dos carros-chefe da programação da prefeitura, o Carnaval da Copa, e promete se encontrar com representantes municipais para tentar mudar a ideia. "Não tenho nada contra o axé, mas acho que perderíamos uma oportunidade singular se não utilizarmos o São João, nossa manifestação mais tradicional e maior festa, para potencializar nossa cultura e mostrar isso ao estrangeiro. Não há razão de termos um segundo carnaval, na minha opinião. Podem ter manifestações do carnaval durante a Copa. Aliás, deve. Mas não nesse formato. [...] Já tem São João há muito tempo. Agora, carnaval no São João, não", descarta. Na entrevista, o secretário anuncia também a criação de um livro como parte de uma ofensiva contra a discriminação racial durante a competição. "Para mim, o racismo é como a fome ou poliomielite: você tem que extinguir, não pode ter um. Portanto não podemos ter racista. Lugar de racista é na cadeia", opina. Filiado ao PCdoB, Ney Campello elenca ainda os motivos que o fizeram desistir de se candidatar para as eleições deste ano. "Estou satisfeito com o que vou fazer depois, seja minha sala de aula, seja um projeto novo que venha a aparecer", define.
 

Fotos: Gustavo Mões/ Bahia Notícias

Bahia Notícias: Estamos a menos de 100 dias da Copa do Mundo. Por parte da Secretaria Estadual da Copa já está tudo certo, tudo programado?
 
Ney Campello: Tudo conforme o planejado. Tudo concluído não, né. Nós temos ainda, considerando o dia de hoje, mais de 90 dias de trabalho e de esforço organizativo com o propósito de que tudo esteja absolutamente na nossa expectativa para quando a bola rolar. Agora, ainda tem muita coisa a se fazer pela frente.
 
BN: Quais são as principais pendências que ainda precisam ser enfrentadas?
 
NC: Nós temos equacionado o estádio, que nos dá uma tranquilidade em relação às sedes que não fizeram parte da Copa das Confederações. Temos a infraestrutura de recepção e hotelaria, que para nós também é um problema que não vamos enfrentar. Mas o aeroporto é uma primeira dificuldade, uma incógnita. Porque a operação na Copa das Confederações funcionou bem. Nós ganhamos o prêmio de melhor operação aeroportuária do evento, concedido pela Anac e pela Embratur, que fizeram uma entrevista interna dos aeroportos. Só que naquele momento não existiam obras e também eram três jogos, em 15 dias. Nós temos agora um evento de 30 dias, com seis jogos e uma perspectiva de um público muito maior circulante. De modo que, para nós, essa interrupção das obras, no sentido da não conclusão integral, no meu entendimento não foi uma boa atitude – tomada pela Infraero através do ministro [da Aviação Civil] Moreira Franco. Acredito que tinha que se fazer o esforço. Não significa que não vai dar certo, que vai ser um caos. Não penso assim porque o plano de operação de um aeroporto como o de Salvador, pela sua previsão de entrada, já está adequado para um público superior ao que vem para a Copa. O que nós vamos precisar é que determinados serviços do local funcionem bem. Por exemplo, o serviço de imigração, que vai aumentar de cinco para dez pontos, que serão distribuídos com o sentido de atender melhor. Os elevadores, eles garantem que ficam prontos, o que contribui. Tem o dobro do número de pontos de check in: eram 30, agora são 60. Isso também ajuda a receber melhor. O pátio já tinha sido entregue no ano passado. Então essa reforma parcial pode ser bem sucedida, e nós vamos torcer para que a Infraero repita o sucesso que teve. Mas esse é um ponto de atenção, até porque não estava no planejamento. Outro ponto é a mobilidade, naturalmente. Se pensarmos na Copa das Confederações, ok, o plano operacional funcionou bem. O que nos traz mais preocupação nesse momento? Primeiro, o período muito mais extenso da presença do torcedor visitante. Segundo, a prefeitura já tomou a decisão de não decretar ponto facultativo nem feriado, mas liberar algumas horas antes.
 
BN: Você é contra essa decisão?
 
NC: Eu compreendo que essa decisão deveria ser tomada em conjunto com o governo do Estado. Tem que ser uma estratégia comum. Imagina se um define como ponto facultativo e o outro não? Quer dizer, você tem que considerar quais são os fluxos de públicos principais durante esse período. Uma questão que nos ajuda é o fato de ser feriado escolar. Mas, do outro lado, você tem os funcionários públicos municipais e estaduais, escolas particulares com calendários distintos aos de escolas públicas... São vários os públicos que circulam na cidade. Então acredito que essa não deveria ser uma decisão tomada isoladamente. A Copa é uma ação conjunta. Óbvio, o prefeito tem autonomia para decidir. Agora, se estamos fazendo juntos – e temos tido um excelente relacionamento institucional, inclusive com o Isaac Edington, que é o chefe do Escritório Municipal – me deixou surpreso essa definição antecipada sem troca de ideias. Outra questão que joga a favor, neste ponto, é a operação assistida do metrô. Isso gera uma nova possibilidade operacional, que é a criação de um ou mais bolsões de estacionamento em áreas por onde passam estes 7,5 quilômetros que possuem funcionamento prometido para 13 de junho.
 
 
BN: Mas essa operação assistida tem uma limitação de passageiros. Qual é?
 
NC: Tem, mas não sei dizer qual é. É uma limitação, mas que dá um suporte à circulação até o estádio. Qual é o grande sucesso da operação para o estádio? É não ter carros chegando próximos a ele. Então se você tem bolsões e o serviço de shuttle, que é o que aconteceu em 2013, facilita a circulação. Não equaciona a mobilidade, porque o torcedor não vai só para o jogo, sobretudo se ficar aqui por um período maior. Ela vai para o shopping, à praia... Enfim. Embora a gente acredite que a experiência de 2013 seja uma expertise que ajude a fluidez do tráfego no período da copa de 2014, é um ponto ainda a se enfrentar.
 
BN: A Copa em Salvador já começa com um dos principais jogos: Holanda e Espanha. Isso preocupa de alguma forma?
 
NC: Não. Nós não podemos pensar que estamos começando agora se nós fizemos a Copa das Confederações com jogos da Itália, Uruguai, Brasil... Então, em relação ao plano de transporte em geral, se nós fizemos, vamos usar essa experiência adquirida para buscar o êxito. No caso do metrô, é uma linha auxiliar desse plano, não é essência. Até pela limitação de passageiros – apesar de não ter cobrança de tarifa. Então ele não vai ser o principal modo a abastecer esse plano. Vai ser mesmo o sistema de ônibus com shuttles. Vai ser feito da mesma forma: usando os campus da Ufba, os bolsões de estacionamento em torno da arena... Então já há uma experiência adquirida. Eu acredito que a chegada ao estádio funciona legal. Agora precisa avaliar se o metrô estará operacional. É uma questão que eu não tenho como responder porque depende da concessionária.
 
BN: Essa estreia não causa uma preocupação maior? Até porque, quem vem jogar aqui é a Holanda, que tem uma torcida tradicionalmente explosiva, inclusive com episódios, em outras Copas do Mundo, de violência. Haverá um preparo especial para esse jogo?
 
NC: Tem sim. Não especificamente para Espanha e Holanda, mas para cada jogo, considerando as especificidades de cada um. Nós fizemos recentemente uma reunião com todo o staff holandês, discutindo todos os aspectos, inclusive envolvendo os torcedores. Onde eles vão se concentrar, qual o tipo de proteção no sentido de plano de segurança... eles querem caminhar até o estádio – existe essa tradição nas copas. Então tem sim, inclusive para o número de torcedores. Vamos ter também três mil mexicanos no início e no final de junho, e depois no final da primeira quinzena de julho, já no encerramento. Eles vêm para Salvador de transatlântico e ficarão aqui. Para cada tipo de público nós temos que ter uma política, considerando tudo. Por exemplo: o que vai acontecer se houver caso de violência? Ou se perder um passaporte? Eu defendo que nós tenhamos um serviço, tipo o SAC, que é uma tecnologia baiana, funcionando para todas essas delegações. Defendo que isso aconteça ou no Shopping Barra ou no Piedade ou Lapa – que são mais difíceis por conta do perímetro exclusivo da Fifa, mas acredito que o Barra atenderia bem. Esse é um assunto que eu pretendo tratar com o secretário de Administração.
 
BN: Para as seleções que estiverem nesse período na cidade?
 
NC: Não só as delegações das seleções que vão jogar, mas para qualquer público estrangeiro visitante. E tem um encontro no dia 13, das 32 representações consulares da Bahia conosco e com a prefeitura. A decana que é cônsul da Grécia – que vai ficar em Sergipe, Aracaju – teve essa iniciativa exatamente para saber como Estado e prefeitura estarão preparados. Vamos tratar com eles sobre o manual do visitante – que tivemos em 2013 e vamos fazer um adaptado para 2014, em vários idiomas –, tratar da sinalização da cidade, de cardápios... Então essas questões todas que vão da segurança, passando pela saúde, que é algo muito sensível. Eles querem saber, e ficaram até bastante impressionados com o que viram em Porto Seguro, no hospital. A gente sempre tem esse complexo de vira-lata, que tudo nosso é ruim, e eles elogiaram o hospital que visitaram em Porto, dizendo que o que temos aqui é parecido com o que eles têm lá. Estão tranquilos e satisfeitos em relação a isso. Agora, por exemplo, é preciso ter um público de atendimento multilíngue, porque se o cara sentir uma dor, para explicar isso em alemão alguém tem que ouvir. Queremos saber também de que maneira os consulados e embaixadas ajudam. Porque eles podem fornecer pessoal especializado para ficarem distribuídos em pontos como esse e atender ao seu próprio público. Essas são ideias que nós estamos tratando.
 
 
BN: Outro fato que preocupa são os protestos. Na Copa das Confederações tivemos quatro ou cinco deles aqui em Salvador e o primeiro, que teve confronto com a polícia, pretendia ir até a Fonte Nova. É provável que outros aconteçam agora. A Secopa já conversou com a Secretaria de Segurança Pública (SSP)? O que foi planejado para isso?
 
NC: As recentes pesquisas do Datafolha apontam que 67% do público nordestino quer a Copa, e que 81% deste mesmo público é contra protestos durante os dias de jogo. Esta é uma pesquisa absolutamente isenta, não é contratada pelo governo do Estado nem pelo governo federal. É iniciativa de jornais. A minha opinião é de que não teremos reprodução das manifestações que tivemos em 2013. Eu não estou dizendo que não teremos manifestações, nem muito menos sou contrário a que isso ocorra. Mas estou dizendo que o caso de 2013 ocorreu em um contexto muito concreto, em que determinadas atitudes tomadas por gestores em alguns pontos do país, sobretudo no Sudeste, geraram uma insatisfação e essa insatisfação teve efeito dominó. Eu vivi em 1981 isso, como liderança de um movimento chamado “Movimento contra Carestia”, no famoso quebra-quebra de ônibus de 81. Era uma luta contra o aumento de ônibus, mas isso gerou uma insatisfação que estava acumulada. No ano passado aconteceu isso. Havia... aliás, há uma insatisfação com a qualidade dos serviços públicos e isso se manifestou naquele momento. Acho que foi dado um tratamento pelo governo federal, de buscar saídas, estratégias... Nós podemos até ter discordâncias sobre elas mas, se fizer hoje uma pesquisa com a população sobre o Mais Médicos, por exemplo, vai se verificar que há uma resposta positiva, mesmo com toda controvérsia que esse assunto possa ter. De modo que eu acho que as estratégias tomadas, com 10% do PIB voltado para a educação mais ações na saúde, de alguma maneira, arrefeceu os ânimos. O que se viu depois disso foram desdobramentos de uma série de episódios pontuais, temáticos e até envolvendo questões que enfraqueceram o movimento, como o caso do cinegrafista assassinado [da Band]. Então não acredito que tenhamos essa dimensão das manifestações. E o Brasil precisa amadurecer nesse sentido. Não nego os dramas sociais brasileiros, temos demandas sociais importantes que precisam ser enfrentadas pelo país. Agora, isso não se resolve projetando uma imagem ruim para o mundo inteiro. Ninguém ganha com isso. O único risco que vejo em 2014 é se houver qualquer movimentação de caráter mais político-partidário em função das eleições. Essa é uma variável imponderável que a gente tem que fazer um apelo às lideranças nacionais dos partidos, para que entendam que Copa do Mundo não pode ser o estuário destas disputas que vão se seguir. Porque enganam-se os que acham que vão ganhar ou perder eleição com o fracasso do evento. Não é que ela não tenha um efeito subjetivo. Tem, se o Brasil ganha, você tem a autoestima elevada da população. Mas é pueril se achar que se [o Brasil] ganhar, Dilma ganha a eleição; se perder, Dilma perde a eleição. Isso é uma besteira, é um raciocínio infantil. Agora a gente sabe que, infelizmente, segmentos se utilizam de momentos como esse para esse fim. É claro que aí o país, através de suas estruturas de inteligência, da Abin, do Ministério da Justiça, busca mapear essas situações para não se permitir manipulação. A gente tem que separar o joio do trigo. O que for legítimo, manifestação do povo, que quer ir pra rua para fazer protesto, vai ser tratado como todo Estado Democrático de Direito tem que tratar: com respeito, com absoluta cautela, para não permitir excessos, sobretudo por parte das forças policiais. A gente não pode permitir que isso aconteça. Não é bom para o país, não é bom para as forças policiais e não é bom que se repitam alguns episódios que aconteceram em 2013, infelizmente. Então tem que cada vez mais assegurar que os movimentos sociais sejam tratados pelo governo da maneira como um país democrático como o brasileiro precisa tratar. Mas se é participação de esquema político dirigido, tem que ser dado um outro tratamento. 
 
BN: Agora, justamente por causa do mapeamento, o governo aposta nisso e não preparou nenhum tipo de planejamento especial para esse tipo de manifestação?
 
NC: Acho que o governo federal, o estadual, assim como todos os governos das sedes estão, sim, atentos e acompanhando pari passu. A Copa nos traz esse legado da integração. Hoje os gestores se falam, os sistemas de segurança se falam, temos videomonitoramento... Você tem, portanto, toda a infraestrutura necessária para fazer um acompanhamento e detecção do que vai ocorrer. Agora, seja o que for, tem que ser tratado dessa maneira. Estou certo de que teremos uma Copa pacífica. Faremos a Copa das Copas, a Copa da paz e contra o racismo. É nisso que estou apostando minhas fichas. Se eu estiver errado, e nós tivermos grandes manifestações, temos que fazer o mesmo tratamento.
 
BN: Só que a Fifa determina que não haja invasão do seu perímetro.
 
NC: A Constituição estabelece direitos. Lá está consagrado o direito à manifestação e livre expressão. Nessa mesma Constituição está o direito de ir e vir. Um não é maior do que o outro. São direitos iguais. Então há o direito do manifestante de se manifestar e o daquele que quer chegar ao estádio de assistir o seu jogo e ir embora. Em 2013 eu vi vários companheiros de caras pintadas de verde e amarelo assistindo o jogo. Faziam a manifestação do lado de fora e depois iam e entravam no estádio. Porque, eu repito, o que aconteceu no ano passado foi uma contraposição à Copa, e não uma oposição, e é o que as pesquisas estão apontado. Ok, o brasileiro gosta, é amante do futebol, e quer o evento com um nível de excelência. Mas queremos o mesmo para a educação, a saúde, a segurança. Vamos dar a isso a mesma atenção. É o que a população está querendo, o chamado “padrão Fifa” para os serviços públicos. Mas não se disse “não queremos Copa”. E aí alguns setores menores estão infiltrados com um propósito de estimular um antagonismo, sem dúvidas com o objetivo de “pescar em águas turvas”, ver o que tira de alguma vantagem para tal liderança. E isso, para mim, não é uma questão partidária. Está errado em qualquer lugar que esteja acontecendo. A Copa do Mundo é um desafio de Estado, de sociedade, de nação, que projeta o país para o mundo inteiro. Depois que ela passar, nós vamos continuar lutando por melhores serviços públicos. Não ganhamos se terminarmos o evento e tivermos nossa imagem enxovalhada externamente. Ninguém ganha com isso. E eu acho que a sociedade não vai permitir. Pode parecer uma visão conservadora, nacional, chauvinista, mas o povo vai vestir o espírito verde e amarelo. Vamos fazer um movimento neste país porque podemos assistir ao jogo e manter, com altivez, as mesmas bandeiras. Não temos que fazer do esporte o ópio do povo, como nas palavras de Karl Marx. O esporte pode ser uma estratégia das mais eficientes, crítica, reflexiva, e de formação de ser humano. Esse é um movimento que a sociedade já começou a fazer sozinha. A diretora de uma escola na Cidade Baixa colocou isso, por iniciativa própria, como tema pedagógico da unidade, com caráter multidisciplinar. Isso demonstra um grau de maturidade, de que a gente pode ir para rua e ao mesmo tempo dizer “quero mais dinheiro para a educação”. Então essas coisas não são contraditórias entre si.
 
BN: A questão para a maioria dos manifestantes é “O que vamos ser além disso?”. Qual seria o legado deixado depois? O que o morador de Salvador e o turista vão poder observar, durante e depois da Copa, como mudança realizada pelo evento, além do estádio?
 
NC: No campo do chamado legado tangível, o estádio e tudo o que ele reproduz em torno dele – revitalização, valorização imobiliária, geração de trabalho e renda para a população, impacto na recuperação do Centro Histórico. Além disso, temos mobilidade urbana: foi a Copa que trouxe o metrô para Salvador. Durante o evento, a população vai perceber muito pouco, com apenas os 7,5 quilômetros que estavam parados há 12 anos, mas depois ela vai ganhar um sistema de 41 quilômetros. E a pergunta que eu faço é: se não tivesse Copa do Mundo, essa agenda no país possibilitaria a concretização desse projeto, ou estaríamos discutindo daqui a cinco anos esse assunto? O Mundial sempre foi para alguns um discurso ilusório de que ele seria a solução de todos os problemas. Esse é um texto enganoso que nós nunca incorporamos. Em um país como o nosso, com a extensão dele, a desigualdade, a gente apostar que em quatro anos vamos resolver? Sempre defendemos que esse é um ponto de partida, não de chegada. Você aproveita um evento internacional, e ele se torna uma agenda de aceleração e catalisadora. Fez isso com um metrô, deixando esse legado, para os próximos anos, de 41 quilômetros, deixa discussões e ações no campo da mobilidade sustentável – o movimento “Vai de Bike”, coordenada pelo secretário municipal da Copa –, aceleração das obras de recuperação da orla... Aí você percebe que são obras que não estão, necessariamente, na chamada matriz de responsabilidade. E mesmo dentro da matriz, temos o aeroporto. Confesso que fiquei chateado com esse resultado. Acho que tinha tempo de concluir as obras e não estou de acordo com o que ocorreu. Mas, mesmo assim, você já vai receber, em 2014, o aeroporto com 60 check ins, com sanitários novos, com área de alimentação nova, com o desimpedimento de todas aquelas áreas internas ocupadas por quiosques... Então ele já terá condições melhores de receber. O porto também. Já se entrega o chamado pavimento térreo do terminal de passageiros e a integração. É outra obra que fica para a cidade, no nosso mais belo cartão postal [Baía de Todos-os-Santos]. Depois, certamente os legados vão ser mais vistos do que durante. Há atrasos? Há. Dizer que o planejamento brasileiro não tem atraso é não ter uma relação sincera e transparente com a sociedade. Mas os atrasos, no meu entendimento, não comprometem o evento. O que eles fazem é retardar o legado definitivo que ficará para a população. Mas ficará. No legado intangível, será algo importantíssimo para o turismo. Temos que compreender que a Copa vai alavancar o setor na Bahia, e esses números são demonstrados ao longo do tempo. Aliás, gostaria de informar, em primeira mão, que nós mandamos encomendar um estudo de impacto do sorteio final, que ficará pronto no mês de março, sobre quais foram os custos-benefícios desse evento e o nosso governador estará, em uma data oportuna, anunciando os resultados. E eles vão comprovar que a vinda desse evento, para o turismo e para a economia, trouxe bons resultados. Traz a geração de trabalho, de renda, tem muitos pequenos empresários com serviços voltados para a Copa. Então isso está sendo, naturalmente, sistematizado, para que ao final a gente possa somar 2013 e 2014 e apresentar à população um relatório. É óbvio, para qualquer um de nós, que fica mais evidente o legado tangível. Se tivéssemos construído uma bola imensa, as pessoas iam dizer “olha, tem uma grande escultura”. Mas são 50 mil oportunidades de qualificação profissional, feitas pelo sistema S – Senac, Senai, Sebrae, Sesi –, além da Secopa e o Pronatec Turismo. Só a Secopa já ultrapassou seis mil qualificações, e ela não é um órgão voltado para isso. Esse é um legado fundamental que não é tangível. Mas é o cara que foi lá e fez inglês, espanhol... Na Costa do Descobrimento, a estimativa é de circulação de R$ 50 milhões. São 1,2 mil apartamentos já reservados com Suíça e Alemanha. A Bahia é o único estado sede que tem centro de treinamento no Norte e Nordeste. E, além disso, nós temos três. Mais do que nós, só São Paulo e Rio de Janeiro. Serão 250 jornalistas lá em Porto Seguro, é a seleção da Alemanha por 40 dias, da Suíça por 30 dias, indo e voltando.
 
BN: Outro ponto polêmico é a Lei Geral da Copa. O que você acha dessa regra?
 
NC: Era uma necessidade. É uma institucionalização dos direitos e deveres celebrados entre o governo e a Fifa. Precisava de uma lei nacional que regulamentasse como os estados, por exemplo, atuariam. Nada do que está na Lei Geral da Copa me parece exacerbado, nem se sobrepõe à soberania nacional. Tem alguma questão específica que vocês queiram levantar?
 
BN: Tem a questão do terrorismo. É um texto meio difuso e parece que qualquer tipo de manifestação durante a Copa é considerada terrorismo.
 
NC: Não, não diz isso. O que diz é que todas as manifestações devem ser acompanhadas pelo Estado brasileiro, de modo que garanta a integridade de visitantes e delegações. Inclusive, porque envolve um evento internacional, preocupações relacionadas com o terrorismo. Mesmo que sejamos um país pacífico, estamos recebendo gente do mundo inteiro. Portanto, deve existir mesmo uma política cuidadosa e integrada com a Interpol, com inteligências de outras nações, para que não possibilitemos que torcedores ou não, interessados em algum tipo de conflito, tragam algum transtorno. Mas estamos preparados para isso. A Força Nacional está preparada para questões que envolvam ações de qualquer natureza.
 
BN: Você falou que é a oportunidade de Salvador se mostrar para o mundo. A CNN fez uma matéria recentemente, com dados sobre segurança, e os próprios soteropolitanos têm medo de andar pelas ruas em determinados horários. Como vocês pretendem lidar com os turistas que têm hábitos de caminhar pelas ruas, como os holandeses, já que qualquer deslize nesse momento pode causar um dano de imagem que perdure por anos?
 
NC: É óbvio que vemos sempre com todo cuidado e preocupação, mas muito confiantes na política de segurança liderada pela SSP do nosso estado. Eu percebo, nessas matérias internacionais, algumas publicações sugerindo que a Fifa tire a Copa do Brasil e leve para a Inglaterra. A Inglaterra teve problemas nas Olimpíadas, com um apagão de segurança. Eles não recrutaram 50% do número que tinham planejado. A Alemanha teve que trocar Munique por Berlim durante a abertura por problemas no estádio. Problemas de planejamento todos os lugares do mundo tem, o Brasil também tem os seus. Mas acredito que não teremos problemas. Aliás, eu asseguro. De todos os eventos internacionais que a Bahia recebeu, incluindo os de esporte, como o primeiro Brasil e Chile – em que uma pesquisa aplicada avaliou que 99% das pessoas apoiavam e elogiavam o trabalho da Polícia Militar – me diga um que teve algum episódio grave? Não teve nenhum. Nós fomos ranqueados como a melhor operação durante a Copa das Confederações pelo portal UOL. A melhor nota que a Bahia teve foi em segurança. Então demonstramos no ano passado que, além de sermos um povo hospitaleiro, sabemos receber bem. Agora, é claro, isso não nos exime da responsabilidade de ter uma política de segurança adequada a cada seleção e a cada público. Se você tem cinco mil pessoas na rua, você tem uma multidão. Onde tem multidão, tem que ter segurança. Se fossem cinco mil itapagipanos, tinha que ter um grupo de segurança preocupado com esses itapagipanos.
 

 
BN: E como vai ser essa operação, já que teremos carnaval da Copa, Copa do Mundo e São João no mesmo período?
 
NC: Primeiro, gostaria de ressaltar que o carnaval do “Lepo Lepo” foi um sucesso. Para mim, o “Lepo Lepo” está para o carnaval assim como o forró está para a Copa do Mundo. Não tenho nada contra o axé, mas acho que perderíamos uma oportunidade singular se não utilizarmos o São João, nossa manifestação mais tradicional e maior festa, para potencializar nossa cultura e mostrar isso ao estrangeiro. Não há razão de termos um segundo carnaval, na minha opinião. Podem ter manifestações do carnaval durante a copa. Aliás, deve. Mas não nesse formato.
 
BN: Até para dar uma dimensão da cultura do estado...
 
NC: Claro! Nós temos uma indústria local muito organizada, muito forte. Mas, por outro lado, temos uma manifestação popular cultural riquíssima, que é o São João, a quadrilha junina, as festas de Santo Antônio e São Pedro. Como é que a gente deixa de fazer isso? Então eu vou buscar um contato com o secretário Isaac Edington para ver se conseguimos construir uma agenda municipal e estadual em comum. Mesmo a prefeitura já tendo anunciado o carnaval. Por que já pensou se o Estado decide fazer sua própria programação cultural? Eu já estive com o secretário Pedro Galvão, conversamos, e é nossa intenção fazer com que os 87 municípios apoiados pelo Estado no São João do ano passado se tornem 87 Forró-Copa, Forró Fest. Não tem a festa da Fifa, Fan Fest? Ou seja, fazer disso uma grande expressão da nossa cultura. Agora se tivermos que cuidar de 87 municípios, e ainda acontecer paralelamente um outro evento como um carnaval de grande porte, nós vamos ter problema de logística. E a Fifa, inclusive, estipula que não sejam realizados eventos concorrentes com jogos. Então temos que ter uma política que respeite os jogos, as manifestações populares... Porque elas são anteriores à copa. Já tem São João há muito tempo. Agora, carnaval no São João, não. Isso que é novidade.
 
BN: Pedro Galvão disse que apoia.
 
NC: Olha, não conheço a opinião de Pedro, mas estou dizendo a minha. E para mim nós devíamos dar prioridade ao calendário popular já existente. E aí mesclar. Assim como no carnaval tem alguns forrozeiros, que são convidados ou saem em trios, pode ter convidados do axé.
 
BN: Alguns artistas do axé, inclusive, fazem shows voltados para o forró.
 
NC: Sim. Eu não sou contra isso, mas acho que é uma logística difícil se a prefeitura decide fazer um grande evento, o Estado decide fazer outro. E a política que a Secopa defende é: foco no calendário natural da cidade.
 
BN: Nós sempre vemos, na época da Copa, bandeirolas verdes e amarelas.
 
NC: Exatamente. E o governo federal incorporou isso. A Embratur está oferecendo recurso para as cidades que quiserem organizar o São João com foco na Copa do Mundo. Porque, assim, nós democratizaríamos a participação popular. O estádio tem 55 mil lugares. Como é que fica o povo que não vai estar dentro do estádio? Aí o cara vai para Amargosa, para Santo Antônio de Jesus, e lá tem um telão passando o jogo do Brasil. Eu acho isso uma estratégia inteligente, casada com nossa realidade cultural, e que também democratiza.
 
BN: Mas isso já está definido, amarrado?
 
NC: A Bahiatursa já topou essa coisa da gente fazer junto um esforço para incorporar os dois. Agora como é a sintonia disso com a prefeitura, precisamos conversar com o secretário Guilherme Bellintani, com Isaac Edington e o próprio prefeito para saber. Essa questão é complexa até do ponto de vista mercadológico – e posso defender porque nem toco sanfona nem sou dono de banda de forró. A indústria do axé tem em fevereiro o seu ponto alto. Esse é o momento também da gente dar um espaço maior para os forrozeiros. E que Adelmário Coelho, Zelito Miranda, Estakazero e tantos outros tenham também o seu lugar ao Sol.
 
BN: Várias manifestações racistas têm sido vistas nos estádios. A Secopa tem alguma preparação especial para isso?
 
NC: Temos sim. Estamos fazendo uma ação conjunta com Secretaria do Trabalho, e do Esporte também, sob a liderança da nossa chefe de gabinete Olívia Santana, e vamos lançar um livro cujo nome é “Copa sem racismo”. E vamos fazer, do lançamento desse livro, uma estratégia de outras ações no sentido do combate às manifestações racistas durante ou posteriores ao evento. Nós tivemos alguns episódios, e eu quero destacar o do Tinga – inclusive, nossa ideia é convidá-lo para o lançamento do livro – e um gesto que é o oposto disso, que foi o do Neymar – que foi lá, pegou uma criança de seis anos, e integrou o menino, lá na África do Sul. O que isso mostra? O esporte, futebol sobretudo, é o espelho da sociedade. O que está acontecendo dentro do estádio é uma expressão do nosso nível de civilidade. E o que a gente viu de forma mais agressiva na Libertadores, acontece de forma mais sutil e disfarçada no próprio país e até mesmo em uma cidade como a nossa, que é a expressão da maior cidade negra fora do continente africano. Esse é um problema presente e precisa ser atacado, porque existem vozes que dizem “era apenas um”. Para mim, o racismo é como a fome ou poliomielite: você tem que extinguir, não pode ter um. Portanto não podemos ter racista. Lugar de racista é na cadeia. Todos os estádios contam com videomonitoramento. Então tem que identificar, prender – e é crime inafiançável – processar, e acabar com a impunidade. Porque é isso que estimula. Isso precisa ser objeto de enfrentamento da sociedade. E o esporte pode demonstrar que ele é mais que uma disputa de milhões ou bilhões que acontece nos bastidores.
 
BN: No mundo, o Brasil vende essa imagem de país da multirracialidade...
 
NC: Isso. Então nós podemos ser exemplo para o mundo. Por isso eu abracei essa campanha lançada pela Dilma. Porque nós podemos ser uma lição disso para o mundo. De que nós tratamos esse tema de maneira densa, consistente.
 
BN: Seria bom ter esse legado mundial. Agora, você tinha falado para nós, no ano passado, que quando a Secopa acabar com o fim do evento, você voltaria a ser professor, mas que estava a serviço do partido e que ficaria à disposição para qualquer tipo de convite eleitoral. Pelo visto não vai mais, já que o governador anunciou os secretários que iam sair. Então Ney Campello vai voltar para a sala de aula?
 
NC: Pois é, rapaz. O coronel não me convocou (risos). Mas eu estou brincando. Essa é uma decisão que não se deu por imposição do partido. Certamente, se fosse meu desejo assumir uma candidatura, teria todo apoio de Daniel [Almeida, deputado federal e presidente estadual do PCdoB] e da estrutura partidária. Eu tomei essa decisão de não ser candidato por duas razões. A primeira pela Copa mesmo. Não foi uma trajetória fácil. Em alguns momentos, eu estive na corda bamba, porque é um lugar que agora está sendo visto como uma agenda negativa, questionada. Mas a Copa sempre deu visibilidade, e a gente sofre com isso. Seja o ciúme, ter o seu lugar disputado por outras pessoas. E para mim, ter conseguido, com a confiança do governador e do meu partido estar aqui até hoje, e deixar essa atividade dois, três meses antes não faria o menor sentido. Além de ser um prejuízo, porque não é um domínio fácil de todas essas variáveis que estamos discutindo. É muita coisa que está em jogo. Então mudar o gestor, colocar alguém que está chegando, não seria bom. E para mim, tanto do ponto de vista político quanto de cidadania, seria algo que não gostaria. A segunda razão é que, de fato, hoje o parlamento não é o meu desejo. Não fecho as portas para colocar o meu nome para meu partido, em novos convites. Já fui secretário de Educação em Salvador, fui vereador por seis anos, tive experiência no Legislativo, passagem pelo Executivo por três vezes, tenho experiência empresarial de 20 anos. Acho que esse acúmulo me habilita a discutir, futuramente, convites novos. Se eles não vierem, eu vou fazer o que de fato eu gosto, que é ensinar. Ser professor é uma possibilidade que sempre me encanta. Quero concluir meu doutorado, que interrompi por causa desse cargo. Mas falo com a mais inteira honestidade: me sinto absolutamente feliz e contemplado, a despeito de todas as dificuldades que enfrentamos em uma batalha como essa, por ter tido essa oportunidade. Quando é que nós vamos ter Copa no Brasil de novo? Daqui há 60, 80, 100 anos. Então para mim, ter podido participar desse momento especial do meu país, e graças a Deus ter somado até então muito mais vitórias, foi muito importante. A campanha “Abre a Copa Salvador” nos deu uma projeção internacional que permitiu que nós ganhássemos o sorteio final. E Blatter chegou a dizer “de fato, esse é o primeiro jogo da Copa”, então de certa forma nós ganhamos. Depois fomos sorteados aí, pelos deuses e orixás, com os melhores jogos da primeira etapa, como tivemos alguns dos melhores jogos na Copa das Confederações. Quer dizer, são muitas vitórias, pequenas, mas importantes acumuladas. Nessa reta final tem aquele sentimento, que pode parecer melancolia, mas não é.  Claro que eu gostaria que fosse melhor. Que nosso aeroporto estivesse 100% pronto, que o metrô já funcionasse inteiramente, mas esse foi um movimento que certamente colaborou, para que essas questões que são anseios da população, tenham caminhado um pouco mais, senão resolvidas. Então estou satisfeito com o que vou fazer depois, seja minha sala de aula, seja um projeto novo que venha a aparecer.