'Não pensaram na gente', produtora critica falta de prioridade do TCA ao mercado local
Por Jamile Amine
Além do impasse envolvendo o “calote” da Ingresso Rápido a produtores de shows realizados no Complexo Teatro Castro Alves (saiba mais detalhes), a indefinição sobre uma nova operadora para administrar a venda de entradas gera insegurança aos empresários do setor de eventos, que temem marcar novas pautas no local e ter mais prejuízos.
“Eu acho o seguinte: a gente teve problemas sérios durante a pandemia, principalmente nosso setor, e a essa altura já era para estar tudo resolvido. Era para estar tudo solucionado, porque mecanismos existem, a tecnologia está aí, o governo tem pessoas capacitadas e que durante a pandemia toda ficaram recebendo seus salários, ao contrário dos produtores que movimentam a cultura. E agora a gente está sem poder realizar eventos no complexo que a maioria das pessoas que trabalham com cultura de Salvador, como eu, trabalham, que é o Complexo TCA”, lamentou Irá Carvalho, à frente da Íris Produções, empresa que já trouxe grandes medalhões da música brasileira à capital baiana.
A produtora relatou a preocupação pelas incertezas e contou que teve que pisar no freio no momento em que o setor deveria estar acelerando depois do longo período inviabilizado pela pandemia. “Os órgãos têm que entender que nós fomos prejudicados, ficamos um ano e oito meses parados, e agora a gente não pode estar [parado]. É difícil de entender que agora, a essa altura, a gente vai ter um problema desse. É muito triste, eu fico preocupada. Já solicitei pauta e estou aguardando retorno pra confirmação a partir de janeiro de 2022, porque eu, para fazer um show em novembro ou dezembro, já teria que estar vendendo e não tem tiqueteira, então não posso abrir venda”, reclamou Irá, lembrando que ainda não teve confirmação de suas marcações. “Até por conta dessa incerteza, eu não vou programar agora. A gente entende que já era pra estar com a pauta a partir de novembro marcada, mas a gente não tem essa posição porque o próprio teatro não tem a tiqueteira e não pode liberar o show sem ela”, pontuou.
Em meio ao impasse junto ao TCA, a empresária com larga experiência no mercado baiano revelou que tem buscado alternativas. “Vou fazer Jau e Zeca Baleiro, dia 24 agora, no Vila Armazém, em Lauro de Freitas; estou fazendo Nando Reis dia 14 de novembro na Praia do Forte, porque eu estou me virando. Mas nem todo mundo tem essa possibilidade”, salienta a produtora. Irá Carvalho afirmou ainda que o problema com o teatro é uma “queixa geral do setor”, que ao longo da pandemia tentou propor soluções, mas viu a euforia da retomada ser abafada por questões triviais. “A gente veio dialogando, propondo e conversando pra chegar nesse momento e a gente estar pronto, já estarmos preparados tanto a gente, que está há um ano e oito meses sem ganhar, quanto o equipamento. Eu acho que pior do que o equipamento, que depende de tecnologia e recursos que existem, somos nós que sobrevivemos a tudo isso. Então agora era a hora da gente estar feliz”, assinalou, sem nominar culpados, mas cobrando o empenho do governo do estado, da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), que segundo ela têm pessoas capacitadas para resolver a questão.
A produtora baiana revelou ainda que chegou a apresentar sugestões junto à direção do Teatro Castro Alves, mas não teve “abertura” para chegar a um acordo. “A gente já trouxe até alternativas de, nesse momento emergencial, abrir um precedente de colocar uma empresa fazendo um período teste de três meses pra vender os ingressos ou a gente mesmo vender nossos ingressos através de uma própria tiqueteira que a gente tenha relacionamento, que trabalhe sério no mercado”, contou Irá, para quem a resolução do impasse “não é difícil de resolver, porque no mundo se vende ingressos, em outros estados estão acontecendo coisas”. Ela defende que agora é preciso encontrar de imediato uma forma de resolver. “Eu já gostaria de estar fazendo show em novembro e dezembro, mas não tive essa oportunidade”, queixou-se.
A produtora Marlucia Sie, por sua vez, conta que vive o dilema do dinheiro retido com a Ingresso Rápido de um show vendido e ainda não realizado e também a dificuldade de marcar seus eventos no complexo TCA. “Esse ano eu solicitei pauta para novembro e dezembro, mas recebi uma negativa e uma das justificativas que eu soube depois por outros produtores é que o teatro reservou todas as pautas de dezembro para escolas particulares de balé, dando prioridade a escolas de balé ao invés da produção cultural da Bahia. Nós, que já que estamos há um ano e oito meses sem receber R$ 1, sem ganhar dinheiro. O TCA e a Funceb priorizaram escolas particulares”, criticou. “E agora não tem mais jeito, já devem ter firmado o contrato e não tem como voltar atrás”, lamentou a empresária, que classifica o incidente como negligência. “Na verdade, acho que foi uma falta não de planejamento, mas de cuidado com a classe cultural da Bahia e de Salvador. Eles não pensaram na gente, acho que eles planejaram exatamente isso, acho que foi falta de cuidado e atenção ao setor. Porque o que estamos carentes hoje é exatamente isso, cuidado e atenção. Acho que planejamento eles tiveram, tanto tiveram que está tudo fechado lá para as escolas”, alfinetou.
A produtora relatou como exemplo de sua agonia também uma apresentação do grupo Teatro Mágico anterior à pandemia, cuja bilheteria foi aberta e chegou a vender 400 ingressos, mas ela não sabe se será compensada pelo prejuízo. “Em reunião no TCA com todos os produtores eu questionei a respeito disso, porque eu estava preocupada, e não adiantava eu fazer o show, não posso trazer um artista de outra cidade, e ter 400 ingressos indisponíveis. Porque quando terminar o evento eu tenho que pagar todo mundo”, contou Marlucia sobre a apresentação, que agora ela tenta marcar para março de 2022, na Sala Principal.
“Nós ficamos com 400 ingressos a menos e o teatro ainda não definiu esse repasse. Primeiro sugeriu que a gente cancelasse todos os ingressos e as pessoas comprassem de novo, mas isso também é um tiro no pé da gente. Quer dizer, se eu sou cliente e cancelam o ingresso, por lei eu só vou receber meu dinheiro em dezembro de 2022 por conta de decreto federal. E eu vou comprar de novo o mesmo ingresso? Ninguém tem dinheiro sobrando!”, questionou a produtora, indignada com proposição da direção do teatro. “Eu fui contra, disse que não ia cancelar nenhum ingresso, tanto que não cancelei minha pauta do Teatro Mágico. Nós não pegamos o dinheiro de volta, nossa reserva de pauta continua lá no TCA, ele vai acontecer, porque tem que acontecer, né? Solicitei a pauta pra março de 2022 e não tive confirmação ainda, e a gente tem que colocar agenda também”, acrescentou.
Assim como Irá Carvalho, Marlucia também teme prejuízos com a indefinição a respeito dos projetos futuros no espaço. “Não adianta a gente marcar pauta e eles não pagarem a gente. Porque a gente não tem previsão desse dinheiro, as produtoras não pegaram, e a gente não pode pegar em dinheiro do que não aconteceu. Então, eu estou muito insegura de fazer o evento do Teatro Mágico em março e não ter o dinheiro dos ingressos que foram vendidos no dia do fechamento do borderô. É uma situação muito difícil que a gente está passando”, salientou a empresária baiana, que cobra uma atenção especial para o mercado local, que segundo ela movimenta de 80% a 90% das pautas do complexo e merecem prioridade aos produtores nacionais.
Para a produtora, o Teatro Castro Alves é o “calcanhar de aquiles” do setor neste momento, porque é um dos poucos espaços de Salvador aptos a receber eventos de escala comercial, necessários para reativar toda a cadeia produtiva do entretenimento. “A gente depende do complexo para trabalhar e ter uma receita nossa, porque temos hoje só o Teatro Módulo e o Jorge Amado funcionando, de teatro comercial. O Isba fechou, o Sesc está em reforma e ainda não terminou, e o TCA com esse impasse da tiqueteira”, pontuou.
A bronca da empresária, entretanto, não se resume ao episódio TCA, mas à gestão da cultura estadual de forma ampla. “O que acontece hoje na Bahia como um todo é que o governador não ajudou em nada durante a pandemia a classe cultural. Nós tivemos várias reuniões da classe artística e da produção cultural, sobre o enfrentamento da pandemia, e só em uma tivemos representante do governo. Depois, nenhum representante do governo compareceu a nenhuma reunião nossa. Então, nós estamos totalmente abandonados pelo governo do estado”, disparou Marlucia Sie, reforçando a inação do governo Rui Costa na resolução das demandas do setor e lembrando que a lei emergencial aplicada na Bahia é uma política que vem de Brasília e não do Palácio de Ondina.
“Não adianta dizer assim ‘ah, nós temos a Aldir Blanc’. A Aldir Blanc é uma lei federal, onde o governo só tem que repassar o valor. Então, na primeira reunião eles falaram que teve a Aldir Blanc, mas a gente não tem edital, não teve auxílio emergencial do governo do estado, a gente não tem nada do governo do estado”, frisou a produtora, reiterando a queixa de que “o governador não recebe a gente, a secretária de Cultura Arany também não recebe a gente, então, nós não somos recebidos pelo governo do estado, que poderia ajudar muito a classe”.
RESPOSTA DO TEATRO CASTRO ALVES
Em nota encaminhada ao Bahia Notícias, o Teatro Castro Alves informou que, enquanto equipamento público, “reforça o seu compromisso com a cadeia produtiva da cultura e afirma que foram tomadas medidas jurídicas e administrativas cabíveis junto à Procuradoria Geral do Estado (PGE), Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult) e Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), relativas ao não repasse de verbas do período inicial da pandemia de Covid-19”. O teatro disse ainda que "embora nenhuma empresa tenha apresentado proposta na primeira tentativa para a gestão da bilheteria, a tramitação do processo para a contratação segue em caráter de urgência”.
Sobre a reclamação dos produtores quanto à dificuldade para a marcação de pautas, a direção do espaço salientou que “com a flexibilização do número de pessoas em espaços culturais, determinada nos decretos, a procura para agendamento de eventos no TCA passou a ser maior”. O teatro disse ainda que “foram realizados vários encontros com diversas produtoras para tratar do tema da retomada” e que a partir disso a Sala Principal, Concha Acústica e Sala do Coro “já possuem diversos eventos marcados para os próximos meses, provenientes de demandas de diferentes produtoras”.
O TCA ressaltou ainda que durante a pandemia permaneceu ativo, “sempre respeitando os decretos de prevenção a disseminação da Covid-19, seja com uma programação virtual nas suas plataformas, ou recebendo gravações e lives de produções artísticas de gêneros variados em todos os seus palcos”. Por fim, destacou que o espaço está aberto para o público, com as visitas educativas do programa “TCA de Perto” e a Ocupação Mobiliário-Memória no Foyer.