Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias

Notícia

'Calote' da Ingresso Rápido trava pauta do TCA e atrapalha retomada de eventos

Por Jamile Amine

'Calote' da Ingresso Rápido trava pauta do TCA e atrapalha retomada de eventos
Produtor de show de despedida do Skank segue sem receber | Foto: Maurícia Matta

O avanço da vacinação e a queda nas mortes por Covid-19 na Bahia, assim como os decretos do governador Rui Costa autorizando a realização de eventos com mais de mil pessoas no estado, animaram o setor de entretenimento. Alguns detalhes, no entanto, têm gerado dor de cabeça para os produtores culturais, que amargam mais de um ano e meio de trabalho comprometido.

 

Eles relatam a carência de espaços para a realização de eventos, já que restam poucos teatros disponíveis e alguns espaços estão em reforma ou sem condições de abrigar apresentações. “Na teoria nós podemos fazer eventos, mas na prática não. O maquinário do governo está todo travado, as praças do Pelourinho que muitas vezes ajudam a movimentar a economia do local estão sucateadas. Eles tiveram toda a pandemia para trabalhar e ficaram de braços cruzados, agora estão se movimentando para fazer licitação para reformar, mas não sabemos quando vão entregar”, criticou um trabalhador da cultura, que preferiu ficar em anonimato. 

 

Outro espaço que recebe eventos de porte comercial, o Teatro Sesc Casa do Comércio iniciou obras em meio à pandemia e só deve concluir a reforma no segundo semestre de 2022, inviabilizando espetáculos para este ano. Só dois teatros, o Módulo e o Jorge Amado, estariam em ordem para receber uma gama enorme de projetos represados durante a pandemia.

 

O Teatro Castro Alves (TCA), maior equipamento cultural da cidade, por sua vez, representa um problema ainda maior, que vem de antes da Covid-19 e perdura até os dias de hoje. Em 2020, quando a  Ingresso Rápido rompeu contrato com o teatro, produtores denunciaram a falta de pagamento dos valores referentes às entradas compradas para apresentações já realizadas no local, mas a direção do equipamento não se responsabilizou pelo caso. “Na verdade a Ingresso Rápido não nos deve nada. Quem nos deve é o Estado, através da Fundação Cultural do Estado e do Teatro Castro Alves. Nosso contrato é com o espaço, e não temos nenhuma relação com a ticketeira, que inclusive nem é mencionada no contrato de cessão de pauta. Entendemos que a ticketeira causou isso, mas o compromisso de resolução não é deles”, comentou Fred Soares, produtor baiano que trouxe a peça "Sísifo", encenada por Gregório Duvivier em março do ano passado no local.

 

O produtor afirmou ainda ter tentado manter diálogo com o próprio teatro e outras esferas da Cultura da Bahia, mas disse que não houve qualquer mobilização por parte do poder público para resolver o problema. “Um descaso total, uma vez que devido à pandemia que vivemos, o Estado pagar este repasse da bilheteria seria no mínimo uma forma de respeito à classe”, criticou o empresário, lembrando que na última reunião recente realizada com o TCA “eles apenas sinalizaram que estão movendo uma ação judicial contra a ticketeira e que ‘confiam na boa fé’ deles que irão pagar”. Segundo Fred Soares, apesar do encontro, a direção do teatro não apresentou “nenhuma perspectiva nem planejamento de pagar a bilheteria destes eventos”, enquanto sua empresa e as demais lesadas pela Ingresso Rápido tiveram “que dar conta de pagar a diversos fornecedores que nada tinham a ver com essa situação”.

 

Ele lembrou ainda que algo semelhante ocorreu no Palácio das Artes, de Belo Horizonte (MG), e o impasse foi resolvido pelo poder público. “O Governo de Minas Gerais estava com a mesma situação com a Ingresso Rápido, e o Estado comprometido com a relação com seus produtores, pagou a dívida e acionaram a ticketeira na Justiça. Era o que devia ser feito aqui”, assinalou Fred Soares.

 

O produtor cearense João Carlos Parente, responsável pelo show de despedida da banda Skank, que ocorreu em março de 2020, também é um dos empresários que lamentam o “calote” e cobra um posicionamento propositivo do teatro. “Não houve nenhuma resolução, nada. Na verdade, nós não entendemos o problema, porque o show foi realizado no dia 7 de março, antes da pandemia, os ingressos já tinham sido vendidos, ou seja, o que houve é que se apropriaram mesmo da nossa bilheteria. Nós precisamos pagar todos os fornecedores, todos os custos com artista, passagem aérea, som, iluminação, todas as despesas, e eu não tenho contrato [com a Ingresso Rápido], nosso contrato é com o TCA. Eles é que têm um contrato com a empresa que faz a gestão dos recursos do show. Então, eu não posso nem acionar a empresa, é uma coisa muito delicada”, disse o produtor, revelando que tentou dialogar e propor soluções paliativas junto ao teatro para amenizar o prejuízo, mas não teve resposta. “A gente fica tentando evitar qualquer tipo de litígio, pra ter uma relação boa, mas a gente está numa situação bem delicada mesmo. Nós estamos falando aí de mais de R$ 400 mil, bem no meio da pandemia”, pontuou, expondo a extensão das perdas.

 

João Carlos revelou que tentou entrar em acordo com o TCA, mas não obteve qualquer resposta positiva. “Já falamos em um acordo, mas nada, a gente não recebe nada. Chegamos a propor inclusive uma pauta pra poder ir diminuindo [o prejuízo]. Mas aí disseram que a pauta tinha, depois que não tinha. Falamos que queríamos fazer a gestão da venda, já que eles nem têm um gestor hoje, está entendendo? E a gente disse: ‘olha, a gente está trazendo uma solução pra resolver o problema de vocês, para minimizar o meu problema. E assim, qual o problema vocês têm? Qual o risco que o teatro vai ter com a nossa gestão?’. Mas disseram não”, narrou o produtor, explicando que se propôs a realizar um show de uma grande estrela da MPB e abater, da taxa normalmente cobrada pela pauta do teatro, o valor da dívida pela apresentação do Skank do ano passado.

 

 “A única coisa que falei foi que a gente quer fazer a gestão da venda. Porque eu vou entregar a outra terceirizada, para o cara infelizmente fugir com o dinheiro e a gente ficar sem resolver. Qual é a dificuldade que tem da gente fazer essa gestão? Quais são as seguranças que o TCA precisa? Eles podiam dizer ‘a gente não quer por causa disso’, mas qual é o motivo que impede uma produtora de fazer o espetáculo e fazer a gestão financeira? Então que o teatro diga ‘olha, tem que cumprir essas normas’, mas nem isso a gente conseguiu receber como resposta”, assinalou João Carlos. “Então, falta realmente boa vontade ou interesse, talvez, de resolver o problema”, acrescentou o empresário, revelando que chegou a enviar diversos ofícios para solicitar informações, mas não teve retorno e classifica o incidente envolvendo o “calote” na bilheteria como “um ato desonesto”. 

 

Acontece que o impasse com empresa que operava a venda de ingressos para o Teatro Castro Alves poderá afetar também quem ainda não se apresentou. É o caso de Moacyr Villas Boas, responsável pela produção de grandes shows, cuja bilheteria chegou a ser vendida, mas as apresentações marcadas para ocupar palcos do TCA foram comprometidas por conta da pandemia. “Para além do débito que o teatro tem com quem já fez seus eventos, existe o débito com as pessoas que compraram ingressos para shows que ainda não ocorreram. Nós não vamos poder devolver um dinheiro que sequer recebemos. O público precisa saber que o dinheiro deles não está nas mãos da produção e eles não podem contar com a Ingresso Rápido, pois a empresa está com problemas financeiros para honrar suas contas. O Estado precisa dizer objetivamente como pretende solucionar esse impasse”, declarou o produtor, que é também presidente da Associação Baiana das Produtoras de Evento (Abape). Ele lembrou ainda que sua empresa já teve que arcar com parte do pagamento de cachês, passagens aéreas e gastos com mídia, e agora convive com a incerteza sobre a possibilidade de realizar ou não os shows remarcados para 2022, por causa do dinheiro retido com a Ingresso Rápido.

 

“Os artistas já anunciaram seus shows em Salvador em janeiro, mas até agora eu não sei se vão pagar esse valor, porque, por exemplo, vai fazer o show para aquelas pessoas que compraram antes da pandemia, mas aí termina o show e cadê o dinheiro? O dinheiro não está aqui, está na Ingresso Rápido. E a gente já está divulgando o show, mas sem saber exatamente o que vai acontecer. O estado até agora não nos disse 'olhe, fique tranquilo que você vai fazer o show e a gente vai depositar o dinheiro das vendas'. Porque, honestamente, a gente não tem nada a ver com esse problema que eles tiveram com a Ingresso Rápido”, pontua Moacyr. “Estou me programando para cumprir minha obrigação de fazer os shows, porque de acordo com o decreto federal a gente tem até dezembro de 2022 pra honrar com os shows que foram prejudicados pela pandemia. Queremos realizar, a produção quer fazer o show pra pagar o que deve às pessoas que compraram, o artista também quer, mas o teatro e o estado não resolvem o problema”, acrescentou.

 

O impasse com a bilheteria do Teatro Castro Alves impacta até na marcação de novas pautas, já que ainda não foi definida uma nova empresa para operar a venda das entradas. Os produtores acompanharam o movimento do TCA para licitar uma nova empresa para o serviço, na última semana, mas nenhuma teve interesse de firmar o contrato. Diante deste cenário, ninguém sabe se o dinheiro retido com a Ingresso Rápido será pago pela empresa ou a dívida arcada pelo governo, tampouco se sabe se os shows ainda não realizados também sofrerão o “calote” e sequer vislumbram alguma solução por parte da direção do teatro.

 

Em nota enviada ao Bahia Notícias, o Teatro Castro Alves defendeu que, enquanto equipamento público, “reforça o seu compromisso com a cadeia produtiva da cultura e afirma que foram tomadas medidas jurídicas e administrativas cabíveis junto à Procuradoria Geral do Estado (PGE), Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult) e Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), relativas ao não repasse de verbas do período inicial da pandemia de Covid-19”.  


“A operação de vendas de ingressos do TCA se dá por meio de empresa bilheteira contratada através de licitação pública. Embora nenhuma empresa tenha apresentado proposta na primeira tentativa para a gestão da bilheteria, a tramitação do processo para a contratação segue em caráter de urgência”, diz o texto.  


O órgão ressalta ainda que, durante a pandemia, o TCA permaneceu ativo, “sempre respeitando os decretos de prevenção a disseminação da Covid-19, seja com uma programação virtual nas suas plataformas, ou recebendo gravações e lives de produções artísticas de gêneros variados em todos os seus palcos”. Por fim, destaca que o espaço está aberto para o público, com as visitas educativas do programa “TCA de Perto” e a Ocupação Mobiliário-Memória no Foyer.