Combater o machismo é lutar pela vida das mulheres
Ivonete. Helen. Josiane. Aline. Lígia. Essas são algumas das mulheres assassinadas em 2017 na Bahia, de um total de 244. Ao menos um terço foram mortas pelos maridos, ex-namorados e familiares. Todas elas vítimas do machismo.
O simples fato de ser mulher torna qualquer uma potencial alvo de homens que consideram legítimo matar por não aceitarem o término de um relacionamento ou por sentirem ciúmes; que acham compreensível estuprar uma mulher que esteja com roupa curta ou dançando de forma sensual; que acham engraçado, durante o carnaval, puxar o cabelo, beijar a força ou atirar jatos d´água; que se acham no direito de assediar e constranger com palavras, gestos e olhares uma mulher que passe na rua.
Além dos feminicídios, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia também registrou no ano passado – de janeiro a setembro – mais de 37 mil ocorrências, incluindo tentativas de assassinato (304), estupros (407), lesões corporais (11.346) e ameaças (24.359).
Por trás de cada ameaça ou agressão concretizada está uma única razão: o machismo. Por isso, é preciso combater a violência contra a mulher na ponta, mas também em sua origem cultural. É urgente, portanto, ampliar o belo trabalho da ronda Maria da Penha e de serviços como o Viver, estruturar melhor as delegacias da mulher, e fortalecer os coletivos e redes de proteção que atuam em defesa das mulheres.
O Judiciário também precisa fazer sua parte, sendo mais célere no acompanhamento das denúncias e na punição aos agressores. E as prefeituras devem entender que investir em serviços básicos também auxilia no combate à violência, a exemplo de uma melhor iluminação pública e de um sistema de transporte seguro.
Mas enquanto não mudarmos radicalmente a cultura da nossa sociedade patriarcal, continuaremos enxugando gelo às custas do sangue derramado de milhares de brasileiras. E em tempos antidemocráticos, de ascensão do conservadorismo, se torna ainda mais necessária a afirmação do feminismo para combater o machismo no Brasil.
É importante, porém, desfazer uma confusão propagada por esses grupos reacionários de que o feminismo prega o ódio ao homem ou de que estaria em busca de privilégios. Ao contrário, a luta é por direitos e por uma sociedade em que haja equidade na relação entre homens e mulheres. Para que o simples fato de ser mulher não justifique menos direitos, menores salários, poucas oportunidades, baixa representatividade, restrição no direito de ir e vir ou de se expressar livremente. O machismo é um modelo de dominação e opressão sobre as mulheres, enquanto que o feminismo é a busca por igualdade.
Portanto, lutar pela vida das mulheres é combater um governo que as exclui de seus ministérios, corta políticas públicas e afirma que a mulher entende de economia pois acompanha a variação de preços no supermercado. É condenar um deputado e presidenciável que diz que “não estupraria” sua colega por ela “ser feia”. E é quebrar todas as barreiras que impedem as mulheres de ocupar todos os espaços.
Se por um lado a violência diária nos entristece, por outro é motivador ver a resistência feminina e o debate ganhando força também fora do Brasil. Acompanhamos o movimento que vem expondo os assediadores da maior indústria de cinema no mundo, resultando numa mudança de comportamento em Hollywood. A mesma força feminina que tem sido a principal responsável pela resistência armada curda na Síria. O “NiUnaMenos” que vem mobilizando mulheres em toda a América Latina, especialmente na Argentina, e que no ano passado levou mais de 200 mil pessoas às ruas. Além das redes de apoio protagonizadas pelas mulheres na Nigéria.
No Brasil, a mobilização e a resistência feminina segue forte, pautando o debate anti-machista em diversos espaços: nas ruas, no cinema, nas casas legislativas, na televisão, na Saúde, na música, nas redes sociais. E a certeza de que estamos incomodando é justamente a reação feroz e arrogante de partidos, grupos e pessoas que não aceitam perder o seu lugar de privilégio na sociedade e apelam para o deboche ou agressões contra a mulher.
Sabemos o quanto é difícil e desigual essa luta, mas é justamente o lutar que faz com que a sociedade se transforme e caminhe para uma mudança cultural. Enquanto ainda existir uma única mulher assassinada, estuprada, agredida ou assediada por conta do machismo, então o feminismo continuará sendo necessário. Por uma questão de sobrevivência. Pela vida das mulheres.
* Aladilce Souza é vereadora pelo PCdoB e presidente da Comissão da Mulher da Câmara Municipal de Salvador
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