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Impeachment ou Retaliação?

Por Karla Borges

Impeachment ou Retaliação?
Foto: Divulgação
Não é preciso ser um grande estudioso da matéria para concluir que a aceitação de um pedido de impeachment da Presidente da República do Brasil por parte do Presidente da Câmara dos Deputados não tem nenhum respaldo constitucional nesse momento. Verifica-se nitidamente que numa democracia fragilizada pela presença de tantos descalabros, é no mínimo ingenuidade de um político que se diz tão perspicaz imaginar que a Chefe de uma Nação iria render-se a algum acordo inescrupuloso na tentativa de “absolvição política” de crimes por ele praticados.

Vencer no “tapetão” era o intuito do Presidente da Casa Legislativa, assim como existem manifestações calorosas e equivocadas daqueles que querem de igual modo destituir a Presidente do cargo para o qual foi eleita de maneira incontestável: pelo voto do povo brasileiro. Deve-se deixar patente que não se trata aqui de opinião pessoal, mas de uma análise da legalidade e da constitucionalidade dos motivos que têm sido elencados por diversos estudiosos adeptos do impeachment, talvez movidos pela passionalidade diante da desesperança que tomou conta do país.

Corrente política distinta não pode ser argumento para responsabilizar a Presidente da República pela prática de atos estranhos ao exercício de suas funções, na vigência do seu mandato. Um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU) pela rejeição de contas presidenciais teria o condão de destituí-la do cargo para o qual foi eleita? Ocorreu crime de responsabilidade? Houve cometimento de ato de improbidade administrativa? Eventual ação de impugnação de mandato eletivo pode redundar na cassação do seu mandato por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)?

O parecer elaborado pelo jurista Celso Antônio Bandeira de Melo analisa essas questões. Ele inicia alertando sobre o risco de tentar encaixar teses apaixonadas nas regras escritas por mera fantasia do hermeneuta. A pretensão de um impeachment precisa ter suporte no direito positivo, afinal comportamentos indesejáveis de mandato anterior encontram-se vencidos e não podem ser associados a um novo mandato, pois os mandatos são distintos, sucessivos e não se somam. Quanto às contas relativas ao ano de 2015, embora comentadas, ainda não foram julgadas, havendo uma representação do Ministério Público de Contas ao TCU.

Crimes de responsabilidade são aqueles que atentam contra a Constituição Federal (CF), e não os que poderiam ter ocorrido em outro momento histórico, uma vez que a finalidade é sancionar e impedir a continuidade da prática de atos que firam a Carta Magna, e os argumentos suscitados no pedido de impeachment referem-se a supostas ações de mandato anterior. Ademais, uma rejeição de contas pelo TCU ensejaria a necessidade de aprovação do parecer pelo Congresso Nacional e não se confundiria, mesmo assim, com crime de responsabilidade. Vale lembrar que não há quórum especial no Legislativo para aprovação do parecer do TCU, todavia, o simples recebimento de acusação de crime de responsabilidade da Presidente da República só pode ser aceito por dois terços da Câmara dos Deputados.

“Impeachment é excepcionalidade extrema, isto é, máxima”, por isso não pode ser admitido nessas circunstâncias. O Professor acrescenta: “É inafastável a presunção de que somente condutas comissivas dolosas perfariam um comportamento tão agressivo aos valores da República ao ponto de requererem a expulsão do primeiro mandatário”. Comportamentos culposos não justificariam o impedimento de uma Presidente da República e ela jamais poderia ter seu mandato cassado também por decisão do TSE em ação de impugnação de mandato eletivo por ferir frontalmente o artigo 85 da CF.

A comissão da OAB Brasil emitiu parecer contrário ao pedido de impeachment com base na reprovação das contas de 2014 pelo TCU, entretanto a decisão final ainda será submetida ao Conselho Federal. Verifica-se, portanto, que a atitude do Presidente da Câmara dos Deputados não passou de retaliação ao governo federal, pois em termos jurídicos não há hoje embasamento legal para o impeachment da Presidente da República por falta de suporte no direito positivo brasileiro.


Karla Borges
Professora do Instituto Latino-americano de Estudos Jurídicos – ILAEJ
[email protected]