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A raposa e a história

Não dá para culpar a idade, já avançada, nem o cansaço do poder que não larga nem se afasta. A partir da chamada ‘banda de música” da reacionária UDN, sepultada com o pluripartidarismo pré-1964 pelo AJ-2 da ditadura (1965), José Sarney foi e fez o que bem quis nesta República: controlou o governo do Maranhão duas vezes, cargo que lhe foi obsequiado por nomeação dos generais; elegeu para o mesmo cargo a filha duas vezes; foi deputado federal em várias legislaturas; chegou à Presidência da República em razão do infortúnio decorrente da morte de Tancredo Neves. Mais: saiu da Presidência como candidato ao Senado — pelo Amapá — e ainda continua sendo representante do estado.

Da Casa, já foi presidente três vezes, enfrentou escândalo e saiu ileso. Ele manda na República. Tido como intelectual, pertence à Academia Brasileira de Letras. E habilmente manhoso com toda a raposa felpuda e manda em presidentes. Colou nos ditadores, em Fernando Collor, em Fernando Henrique Cardoso e em Lula. Agora é conselheiro de Duma Rousseff.

Sarney vai além da História porque se julga capaz de determiná-la, ao ponto de considerar o impeachment do alagoano - fato sem prece dente na História do Brasil - como desimportante porque, na sua estranha concepção, o impeachment foi “um acidente que não deveria ter ocorrido”. No seu entendimento, o afastamento de um presidente pelo Congresso, leia-se pelo Senado que ele preside, “não foi um fato marcante”.

Sarney, assim, assumiu a condição de senhor da História, como se a História pudesse ser agente de um erro. Não. A História não erra nem acerta. Simplesmente, registra o que acontece para o bem ou para o mal. No caso Collor ele caiu do poder para o bem do País. Foi com essa estranha forma de entender que José Sarney se postou acima da própria História para determinar o que é e o que não é relevante.

Onipotente, mandou retirar o registro do impeachment da exposição sobre fatos importantes do Senado desde 1822, que se realiza no corredor entre as duas Casas Congressuais, o chamado “Túnel do Tempo” Fernando Collor foi o único presidente assim afastado do poder neste Brasil que tem donos, como o próprio Sarney o é, por exemplo. Pior. Foi o Senado que preside que determinou o impeachment. Collor, sim, foi um presidente que não deveria ter acontecido. Mas, aconteceu num desastre eleitoral em que foram oferecidos ao eleitorado brasileiro políticos como Mário Covas, Ulysses Guimarães, Leonel Brizola e o próprio Lula.

O eleito acabou fazendo um bem ao Brasil no rastro da sua tragédia. O impeachment, além de apeá-lo do poder, teve a virtude de quebrar o medo do pós-ditadura. Temia-se um retrocesso institucional. Mais ainda: o episódio provocou a cidadania que ocupou as ruas e praças do País, de norte a sul. A nação sentiu o pulsar de uma multidão de jovens, de mãos dadas no movimento dos caras-pintadas, um dos maiores movimentos cívicos, senão o maior, de toda a trajetória republicana.

Antes dele, nos estertores da ditadura, os brasileiros conheceram o movimento das Diretas-Já, abortado pelo medo e pelo rastejar dos congressistas invertebrados. Sarney não esteve nos palanques da luta verde-amarela pelas diretas. Ao exigir a deposição legal de Collor, os brasileiros testaram o medo de um retorno às trevas e, creio, foi justamente aí que a nação decolou definitivamente para a liberdade, segurando a Constituição numa mão e o sentimento da democracia marcando os batimentos cardíacos do estado democrático de direito.

O presidente do Senado voltou atrás. Mais uma vez, coube à imprensa a tarefa de empurrá-lo de volta. O acadêmico ficou zonzo diante das críticas generalizadas das mídias impressa e televisiva. Tentou remediar o irremediável que é o seu próprio comportamento político ultrapassado, destoante, assim como esta República também é destoante diante dos escândalos que se amontoam, a exemplo desse mais recente alquimista, Antônio Palocci, que tem o dom de transformar o quase nada em ouro. É o Midas do Palácio do Planalto, dentre muitos que pululam na atividade pública ou à sombra dela. Ele então mandou voltar à ex posição “o acidente que não deveria ter acontecido’ os registros fotográficos do impeachment.

Remediou sem reconhecer, no entanto, o seu lastimável erro: “Olha, eu não posso censurar os historiadores encarregados de fazer o painel. Talvez esse episódio seja apenas um acidente que não devia ter acontecido na história do Brasil. Mas não é tão marcante como foram os fatos que aqui estão contados, que foram os que construíram a História e não os que, de certo modo, não deviam ter acontecido. O que vale é que nós temos uma Constituição e sempre nos organizamos em torno da lei” — justificou. No blog do Senado, continuou as suas lamúrias: “Para evitar interpretações equivocadas, determinei ao setor competente da Casa que faça constar na referida exposição o impeachment do presidente Collor, uma vez que não temos nada a esconder nesta Casa”. No Senado não há nada a esconder?... Ora, oral Esconde-se até a História.