PF identifica envolvimento de Bolsonaro e Mauro Cid em distribuição de medicamento proibido durante a pandemia
Por Redação
Diálogos extraídos do celular do tenente-coronel Mauro Cid, em 2021, revelam que o então presidente da República, Jair Bolsonaro, autorizou a distribuição irregular de um medicamento sem registro na Anvisa para aliados durante a pandemia da covid-19. O fármaco em questão era a proxalutamida, um antiandrogênio não esteroidal de fabricação chinesa, em fase experimental para o tratamento de câncer, mas que passou a ser defendido por grupos bolsonaristas como suposta opção contra a covid, sem comprovação científica.
Segundo os dados foram analisados pela Polícia Federal (PF), as mensagens indicam que Cid, então ajudante de ordens da Presidência, recebia remessas do medicamento e consultava Bolsonaro sobre a entrega.
Em 4 de junho de 2021, Cid sugeriu o envio da proxalutamida ao pastor R. R. Soares, internado com covid. “Proxalutamida?!? Podemos levar amanhã. O senhor dando luz verde, está no Rio”, escreveu o militar. Bolsonaro respondeu apenas: “Aguarde”. Dias depois, Soares teve alta hospitalar.
Em 13 de junho, Cid relatou outra entrega: “Autorizado pela família! Posso mandar levar?”, perguntou. Em seguida, informou: “Missão cumprida!!! Medicamento!!!! Entregue à senhora Maria Luciana, esposa”. Bolsonaro agradeceu: “Valeu”.
No dia 21, o presidente autorizou novo envio. “Um da minha turma… tá com corona entubado. Queria saber se eu podia mandar uma proxa pra ele tomar lá”, disse Cid. Bolsonaro respondeu: “Mande a proxalutamida”.
As conversas também envolvem o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello (PL-RJ). Em abril de 2021, já fora da pasta, ele pediu que Bolsonaro falasse sobre o medicamento em uma live. “O senhor abriria o assunto com uma fala ‘preparada’ e depois o Hélio entraria com as questões técnicas/científicas”, sugeriu.
Pazuello também cobrou Cid sobre a obtenção de um “pacote” do remédio e chegou a receber a foto de uma sacola com 280 comprimidos. O general sugeriu criar um “protocolo” para o uso e mencionou a crise do oxigênio em Manaus, afirmando, sem respaldo científico, que a proxalutamida teria mostrado bons resultados.
A Anvisa confirmou que nunca autorizou o uso da substância no Brasil, seja para câncer ou para covid. A agência apenas liberou, de forma restrita, estudos clínicos, que foram suspensos após a detecção de irregularidades graves, como a importação de quantidades muito superiores às autorizadas e o desvio de parte das cargas.
O Ministério Público Federal abriu inquérito para apurar o caso, ainda em andamento. Para investigadores da PF, a distribuição de um fármaco sem registro pode configurar o crime previsto no artigo 273 do Código Penal, que prevê pena de 10 a 15 anos de prisão para quem comercializa ou entrega medicamento não autorizado.
Servidores da Anvisa afirmaram ao Estadão que não sofreram pressão para aprovar a proxalutamida, mas confirmaram reuniões em que o médico Flávio Cadegiani defendeu o uso da droga. Segundo relatos, a diretoria da agência considerou a apresentação “abstrata” e exigiu dados mais consistentes.