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Dia Mundial dos Oceanos: Conheça iniciativas baianas que atuam na proteção da "Amazônia Azul"

Por Eduarda Pinto

Dia Mundial dos Oceanos: Conheça iniciativas baianas que atuam na proteção da "Amazônia Azul"
Foto: Coral Vivo/Athila Bertoncini

Com a maior faixa litorânea do Brasil, a Bahia concentra grande parte de sua população, economia e cultura relacionadas ao mar. Ao todo, são 53 dos 417 municípios banhados pelo Oceano Atlântico e por sua vez, diretamente impactados pelas dinâmicas deste ambiente. No último domingo (8) foi celebrado o Dia Mundial dos Oceanos, e na Bahia as iniciativas para garantir a preservação da “Amazônia Azul” vem crescendo em diversas frentes. 

 

Nesta reportagem, o Bahia Notícias explora três projetos que unem o ativismo sócio-ambiental, pesquisa científica e paixão pelos recifes baianos. 

 

Localizados na Baía de Todos-os-Santos, dois dos projetos entrevistados pelo BN, o PRÓ-MAR e o Projeto Recifes de Pinaúnas (PRP) atuam diretamente com o engajamento das comunidades diretamente afetadas pela economia do mar: pescadores, marisqueiras e comunidades tradicionais das ilhas.

 

Já o projeto Coral Vivo, localizado a mais de 570 quilômetros da Baía de Todos-os-Santos, é uma iniciativa de pesquisa fluminense que encontrou na região do arquipélago de Abrolhos e Porto Seguro, no sul e extremo sul baiano, um paraíso ecológico para os estudos dos corais. 

 

INOVAÇÃO QUE VEM DO MAR 
Com sede na Ilha de Itaparica, região do município de Vera Cruz, o pescador José Roberto Pinto, carinhosamente apelidado pela comunidade como “Zé Pescador”, foi o fundador da ONG (organização não-governamental), que há 25 anos iniciou suas atividades com promoção de uma agenda educativa de conscientização contra a pesca predatória. 

 

“Eu trabalhava com a pesca e num determinado momento da minha vida, uma filha me provocou pelo fato de eu capturar lagostas ovadas [animal em fase de reprodução]. Então, a partir dessa provocação, eu quis mudar o que eu estava fazendo, mas percebi também que meus colegas de pesca, todos também trabalhavam daquele mesmo jeito. E aí, a gente decidiu fazer um trabalho para alertar os pescadores da pesca predatória. Porque a gente estava trabalhando contra o nosso próprio sustento procedendo dessa forma. Então, daí se criou a PRO-MAR”, relata o ativista. 

 


Semente de coral nativo da Baía de Todos-os-Santos. Foto: Arquivo / PRÓ-MAR

 

No entanto, o trabalho da PRO-MAR não parou por aí. Com o crescente debate sobre a preservação da vida marinha e da saúde do ecossistema marítimo, a ONG passou a atuar em uma nova frente: a preservação de corais.

 

“E durante esses anos a gente vem com um trabalho cada vez mais voltado para a educação ambiental e também começou a trabalhar com as escolas, trabalhar com as crianças. A gente foi se especializando na conservação de recifes de coral, então isso envolve um conjunto de situações que a gente precisa observar, desde o que acontece na água como fora da água também”, conta. José revela que a organização ajuda a fiscalizar o desmatamento irregular, assoreamento da costa, e até mesmo o descarte de agrotóxicos e outras substâncias tóxicas nas proximidades. 

 

Esse olhar cada vez mais especializado levou o grupo a um novo desafio. “Então a gente começou a trabalhar com a conservação de recife de coral. E, de 2010 para cá, a gente começou a fazer um trabalho de controle de espécie exótica invasora, era o controle de uma espécie do [Oceano] Pacífico que chama na Coral Sol”. A espécie invasora em questão pode ser encontrado nas águas de Timor-Leste e passou a ser encontrado em diversas regiões do país, especialmente nos últimos 15 anos. 

 

No entanto, o que parecia ser o motivo de um trabalho repetitivo, de análise do recife nativo e retirada das espécies invasoras, se transformou em um motor para uma inovação no campo da conservação marinha. “Em 2020, quando estava chegando a pandemia, eu estava envolvido, ficava mais tempo em casa e comecei a experimentar fazer algumas coisas com esses esqueletos desses corais que a gente havia tirado do mar”, diz. 

 

“A gente fazia um trabalho de controle, de extração dessas espécies [invasoras]. E aí por ele ser de carbonato de cálcio, que é a mesma composição dos corais nativos, em determinado momento, a gente resolveu fazer uma experiência que foi criar uns bloquinhos, que serviam como substrato para a criação de espécies de corais nativos.

 

O ex-presidente da ONG detalha o processo: “A gente fazia isso coletando fragmentos próximos a colônias desses corais nativos, no caso a milépora, conhecido como coral de fogo. E dessa experiência, acabou que com algumas dezenas [de corais invasores] a gente fez e o resultado foi bastante satisfatório”. Tão satisfatório que chamou a atenção do professor de Oceanografia Biológica da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Igor Cruz. 

 


Plantação de corais na Baía de Todos-os-Santos. Foto: Arquivo / PRÓ-MAR

 

Com um apoio técnico especializado, o que surgiu como uma curiosidade do grupo se tornou um projeto estruturado que se descobriu inédito no campo de pesquisa. “Foi a partir das conversas da orientação com o professor Igor, que a gente começou a experimentar e, meses depois, quando ele viu as fotografias dos fragmentos de corais que a gente havia prendido nesses bloquinhos, ele ficou espantado com a velocidade que o coral nativo se desenvolveu, que acelerou o desenvolvimento do coral. Daí a gente começou a procurar parceiros para tentar fazer isso numa escala maior”, relata José. 

 

Ao falar sobre a parceria com a comunidade, que até hoje contribui com o projeto de forma voluntária, o pescador explica que a relação da população com o mar é intrínseca desde a sua formação. Segundo ele, “não existe comunidade passiva, apenas comunidade não estimulada”.

 

“A ilha se chama Itaparica porque na língua dos índios tupinambá, Itaparica significa ‘cerca de pedra’, que é uma referência a toda costa leste da ilha ser cercada de recifes de coral. Então, tem toda essa questão histórica e para pesca é muito importante esse tipo de ambiente”, diz. “A gente precisa ainda mais do engajamento pescador nesse tipo de atividade”, completa.

 

Atualmente, considerando os dados de 2022 do Censo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que mais de 3 milhões de baianos vivam nos arredores da Baía de Todos-dos-Santos (BTS), distribuídos em 13 municípios. A região, formada a partir de um acidente geográfico, compreende 56 ilhas, estas que se sustentam majoritariamente de atividades relacionadas ao mar, especialmente a pesca, turismo, transporte e entre outros.

 

Oficina de de Fabricação das Sementeiras de Corais. Foto: Arquivo / PRÓ-MAR 

 

Ao falar sobre o ambiente marinho da BTS, José Roberto aponta tanto o Recife de Coral como o Manguezal como "dois ecossistemas que inclusive tem uma conectividade muito grande". "Às vezes os peixes nascem no Recife, vão para o Mangue e se criam na raiz dos mangues, ele acha mais proteção e vive lá até algum tempo, depois retorna para o mar. Então, tem todo um ciclo”, explica o especialista. 

 

REVOLUÇÃO DO MANGUE
E é atuando neste ciclo que surge o Projeto Recifes de Pinaúnas (PRP). A ONG, que também atua na Ilha de Itaparica e Madre de Deus, atua tanto na proteção dos recifes quanto dos manguezais. A representante da organização, a técnica em meio ambiente Deusdélia Andrade conta que o PRP nasceu como uma iniciativa voluntária completamente voltada para a mobilização social. 

 

“Eu observei que precisávamos fazer algo para sensibilizar a comunidade sobre os impactos negativos que os ecossistemas marinhos estavam sofrendo aqui na ilha de Itaparica, como poluição e as mudanças climáticas”, conta. “Escrevi um projeto com um programa de educação ambiental marinho, trabalhando com os quatro principais ecossistemas costeiros aqui da Ilha, e fui estruturando o formato e os conteúdos do programa. Até que um empreendimento topou rodar um piloto do programa em uma escola municipal, da comunidade de Conceição, na Ilha de Itaparica, e conseguimos adquirir os equipamentos para a execução das aulas práticas”, destaca. 

 


Aula de campo com alunos de escolas públicas. Foto: Arquivo / Projeto Recifes de Pinaúnas

 

Com uma estrutura montada e um público estruturado, o PRP leva a educação ambiental para cerca de quatro turmas de alunos da rede municipal de Vera Cruz e Madre de Deus. No entanto, a proposta vai além da sala de aula, e coloca os alunos para colocar a mão na massa - ou no mangue. A principal proposta da PRP é o replantio das espécies nativas do mangue, durante as aulas práticas com as turmas. 

 

“O replantio do manguezal é essencial para a saúde do planeta. Essas espécies protegem as zonas costeiras contra erosões, serve de berçário para diversas espécies marinhas e atua na captura de carbono, ajudando a combater as mudanças climáticas. Restaurar manguezais é restaurar a vida, garantir a segurança alimentar de comunidades litorâneas e preservar a biodiversidade global”, escreveu a ativista. 

 

Para Deusdélia, engajar a nova geração a se envolver na conservação do ambiente em que está inserida é fundamental para a governança ambiental. “O projeto realiza programas de sensibilização e eventos comunitários para promover práticas sustentáveis. A avaliação dessa relação tem sido positiva, com um aumento no envolvimento das comunidades locais em ações de conservação. A gente continua a trabalhar incansavelmente para garantir a preservação dos ecossistemas costeiros, buscando promover um futuro sustentável e harmonioso entre a humanidade e o meio ambiente”, conclui. 

 


Replantio de espécies nativas do mangue. Foto: Arquivo / Projeto Recifes de Pinaúnas

 

PORTO DOS CORAIS 
A mais de 570 quilômetros da Baía de Todos os Santos e do Recôncavo baiano, o projeto Coral Vivo, sediado no distrito de Arraial D’Ajuda, em Porto Seguro, é um expoente de conhecimento científico sobre a vida coralínea. A doutora em oceanografia biológica pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisadora vinculada a organização, Flávia Guebert, falou ao Bahia Notícias sobre a importância da região para o tema. 

 

O projeto, vinculado anteriormente à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chegou à Bahia em uma expedição científica. “Um mapeamento indica o Atlântico Sul, em especial aqui o Sul da Bahia, como um hotspot de biodiversidade e marinha, em especial dos recifes de coral. Então, esses pesquisadores do projeto vieram, primeiro para Abrolhos, passaram vários anos vindo fazer as expedições para tentar ver a época de reprodução dos corais, mapeando que espécies, quando que se reproduziam, para entender essa formação”, conta.

 

“Mas Abrolhos tem toda uma dinâmica mais complexa de viagem, de estadia, e aos poucos foram vendo que Porto Seguro era um ambiente muito interessante também, tem uma diversidade incrível de espécies e tem uma logística muito fácil, tem aeroporto, você tá muito próxima de um recife de coral, o mergulho é mais prático. Então resolveu se instalar nossa base que a gente tem até hoje em Arraial D’Ajuda”, relata Guebert. 

 


Imagens do trabalho de campo da Coral Vivo. Foto: Coral Vivo/Athila Bertoncini. 

 

Sendo uma das 35 pesquisadoras associadas a ONG, Flávia revela que a pesquisa já não é o único projeto do grupo. “A pesquisa sempre foi o braço principal do Coral Vivo e a gente conseguiu reunir vários pesquisadores do Brasil. Hoje a gente tem uma rede de pesquisa grande com pessoas no exterior também. Praticamente quase todo mundo que trabalha com recife de coral se envolve com o Coral Vivo de alguma forma. Então, hoje já virou um projeto com um nome maior e com várias atividades aí que não são só da pesquisa. A gente trabalha com educação, com conscientização, com política pública”, explica a oceanógrafa. 

 

A pesquisadora reforça o avanço nos estudos da vida marinha permitem e o crescimento de projetos coralíneos ajudam a compreender os corais como uma fonte de vida importante para a preservação dos oceanos e seus modos de vida. “Diversos organismos vão habitar o recife de coral. Então, eles [outras espécies] vão encontrar um lugarzinho para morar, eles vão se reproduzir, vai ter muito alimento porque vai crescer muita alga. Os recifes de coral protegem a costa de grandes eventos, de ondas e tudo mais. Porto Seguro, por exemplo, é uma cidade que graças aos recifes de coral, tem uma plataforma ali, fazendo com que seja um ambiente mais suave”, detalha. 

 

Para Flávia, o trabalho do grupo ainda é diretamente influenciado e cresce conforme as políticas mundiais de meio ambiente avançam. A especialista revela que ao Brasil tem aberto os olhos para a riqueza dessa Amazônia Azul aos poucos, e apesar dos desafios, as políticas públicas direcionadas vem aumentando. Ela dá o exemplo da Década do Oceano, proposta das Nações Unidas (ONU), vinculada a Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável dos oceanos do planeta.

 

“A gente é um país de mar, então tem uma cultura brasileira associada ao oceano, mas a gente precisa valorizar isso. Fazer disso uma tradição e valorizar ao máximo e proteger ao máximo isso. Esse movimento para que as pessoas conheçam o mar, a Década do oceano [de 2021 a 2030], está acontecendo, ao mesmo tempo, tanta coisa de oceanografia, de eventos. Então, tem sido positivo, mas com certeza a gente tá num momento de devastação geral, tem situações absurdas, mas eu acho que tem muita coisa positiva e fácil de organizar”, destaca.

 

A década do oceano vai até é o ano de 2030 e une esforços de especialistas e governos de todo o mundo em prol da ciência oceânica para reverter o declínio da saúde dos oceanos e criar soluções baseadas na ciência para um oceano mais sustentável.