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Do revisionismo histórico ao negacionismo: por que o holocausto é questionado nas redes

Por Nuno Krause

Do revisionismo histórico ao negacionismo: por que o holocausto é questionado nas redes
Foto: Divulgação

Um país inteiro parado por dois minutos completos. Nesta quinta-feira (8), Dia da lembrança do Holocausto no calendário judaico, Israel homenageou os seis milhões de judeus mortos durante a Segunda Guerra Mundial. Atualmente, menos de 180 mil sobreviventes do genocídio proporcionado por Hitler e o nazismo moram no país.

 

Nas redes sociais, contudo, ainda há comentários questionando informações históricas sobre o Holocausto, ou até mesmo criticando os judeus. "6 milhões? Tem certeza?", diz uma pessoa, em resposta a uma postagem feita pela Globo News no Twitter sobre o acontecimento desta quinta em Israel. 

 

Outro usuário da rede questiona: "E quando eles vão parar pelos milhares de palestinos mortos?". Ainda há quem negue a existência do Holocausto, chamando-o pejorativamente de "holoconto". 

 

Na visão do historiador Carlos Zacarias, professor na Universidade Federal da Bahia (UFBA), esse negacionismo surge a partir de um movimento da academia, liderado pelo historiador alemão Ernst Nolte: o revisionismo histórico do nazismo. Nolte faz um paralelo entre o bolchevismo, que deu origem à Revolução Russa, em 1917, com o nazismo. Ele acreditava que entre 1917 e 1945 houve uma "segunda guerra de 30 anos" causada pelo bolchevismo.

 

O ponto de partida para essa análise seria o fato de que os bolcheviques desejavam o extermínio de classes, enquanto os nazistas tinham o objetivo de exterminar as raças. Neste caso, há uma diferença clara de ideologia entre os escritos de Marx, pai do comunismo, e as práticas nazistas de Hitler. O primeiro acreditava que o fim das classes provocaria a igualdade, e que o estado era um intermediário para aplicar este regime. O segundo pregava a morte de outras raças que não fossem a ariana, para que o estado fosse uma unidade homogênea e, portanto, um fim. 

 

"Um dos objetivos de Hitler, um dos motivos do nazismo e fascismo era exterminar o bolchevismo, a ameaça que eles acreditavam existir do comunismo. E que, efetivamente, no final da década de 1920 e 1930, se configurava com uma coisa potencialmente real. O movimento operário ascendia, nos marcos de uma crise profunda do regime liberal burguês, e havia uma conjuntura revolucionária. Mas o nazismo não se resume a isso. Nem se pode justificar o nazismo pela existência do bolchevismo. Se os processos de causa e efeito forem tomados dessa forma, tudo tem uma motivação, porque tudo é efeito de uma causa. E não é exatamente isso. O nazismo é um episódio absolutamente singular na história", afirma Zacarias.

 

O historiador acrescenta que negar o holocausto é como questionar se a Terra é redonda. "Alguém questionar isso é confrontar uma tese estabelecida, instituída, sobre a qual não há discussão na academia. Os revisionistas não negam a existência do Holocausto. Eles tentam diminuir o número de mortes, dizem que a economia foi salva, associam ao bolchevismo, etc. O problema é quando o debate estrapola os muros da academia, e vai para essa discussão ideológica, de questionar algo que está assentado em base científica", pontua.

 

CONFRONTO ISRAEL-PALESTINA

A ocupação do território de Israel é um dos conflitos que mais causa temores no mundo. Desde a segunda metade do século XIX, grande parte dos judeus migrou em direção aos territórios da Palestina, que era ocupado por 500 mil árabes. A região é reivindicada pelos judeus por conta da diáspora ocorrida no século III D.C., após a expulsão deles pelo Império Romano. 

 

Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu um Estado duplo entre as duas nações, deixando metade do território para cada um dos povos. Jerusalém, a capital, ficou sob administração internacional. No ano seguinte, contudo, Israel declarou independência e começou a ocupação da região da Palestina. Inúmeros conflitos se sucederam a isso, e a tensão nunca deixou a região. Atualmente, Israel é reconhecido pela ONU como um país. A Palestina, é um "Estado-observador". 

 

O atual regime israelense, comandado por Benjamin Netanyahu, tem política de extrema-direita, expansionista e mira ocupar ainda mais a região palestina. Porém, apesar de ter pontos comparáveis com o nazismo, na opinião de Carlos Zacarias, isso não pode ser utilizado como justificativa para negar ou diminuir o Holocausto. 

 

"Palestinos são vítimas, mas isso não diz para gente que podemos olhar hoje e falar que os judeus não foram vítimas. Não podemos justificar o negacionismo pelo que o governo pratica com os palestinos", pondera.

 

FENÔMENO NO BRASIL 

Zacarias acrescenta que o fenômeno negacionista no Brasil é de extrema preocupação, e que ideologias como o supremacismo branco e o fascismo são frequentemente incorporadas por membros do governo. O caso mais recente é o do assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Felipe Martins, que fez um gesto supremacista durante uma sabatina de parlamentares com o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Martins nega a motivação do gesto.

 

Em janeiro de 2020, o agora ex-secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, utilizou um discurso com estéticas nazistas para fazer um pronunciamento. A fala dele se assemelhava à do ministro da propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. 

 

"Temos um governo que é o mais próximo do que tivemos do fascismo na história do Brasil. Com exceção do Estado-novo, instaurado em 1937. Depois do Estado Novo, que estava num contexto de regimes fascistas, o que temos mais próximo é o governo atual. Repleto de gente que apoia extrema-direita, supremacistas, acordos absurdos com teocracias fundamentalistas. Isso envergonha o Brasil. Eu sou historiador, e meus livros de fascismo estavam empoeirados. Hoje, eu vejo o fascismo fungar no nosso cangote", aponta o historiador baiano. 

 

Ele também lembra o caso que ocorreu na noite desta terça-feira, na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, em Pernambuco. Um estúdio de rádio foi invadido e um radialista ameaçado por quatro homens que se declararam apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. O jornalista Júnior Albuquerque fazia críticas à política sanitária do Governo Federal na pandemia (lembre aqui).

 

"Eu não gosto de pontuar de modo taxonômico. Mas se você olhar, vai ver o ódio pelo outro, a busca de responsáveis, a não aceitação da existência do seu opositor como legítimo, o culto à figura do líder messiânico, o discurso nacionalista. Apesar de que ser capacho da bandeira norte-americana, ele faz um discurso nacionalista e envolve a patriotada burra. A milicianização da política do estado também. Se não temos as SA ou as SS, fardadas, temos no estado, nas instituições, grupos armados cada vez mais bolsonaristas. Isso dimensiona essa relação do nosso fascismo contemporâneo com o fascismo histórico. O fascismo não se repete em lugar nenhum do mundo porque a história não se repete, mas é importante esse trabalho de compreender que há traços marcados e evidentes de fascismo no presidente", afirma.