Relatórios da Abin orientaram Flávio Bolsonaro a como anular caso das rachadinhas, diz revista

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) foi usada para tentar auxiliar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) a conseguir provas que anulem o caso das rachadinhas no seu gabinete, na época em que era deputado estadual pelo Rio.
Matéria publicada pelo colunista Guilherme Amado, da revista Época, mostra que o órgão produziu pelo menos dois relatórios de orientação para Flávio e seus advogados sobre como obter documentos que embasassem um pedido de anulação do processo. A autenticidade e procedência dos documentos foram confirmados pela defesa do parlamentar.
Segundo a publicação, os relatórios detalham o funcionamento de uma suposta organização criminosa dentro da Receita Federal, que teria vasculhado ilegalmente seus dados fiscais para produzir o relatório que gerou o inquérito das rachadinhas.
A denúncia sobre o suposto esquema foi levada pela defesa do senador ao presidente Jair Bolsonaro, ao ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, e ao diretor da Abin, Alexandre Ramagem, em reunião no dia 25 de agosto.
Um dos documentos, define o colunista, é “autoexplicativo” ao definir a razão daquele trabalho. Em um campo intitulado “Finalidade”, cita: “Defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB”. Os dois documentos foram enviados por WhatsApp para Flávio e por ele repassados para sua advogada Luciana Pires.
Na reunião do dia 25, Ramagem recebeu o material com a denúncia da defesa do filho de Bolsonaro, fez cópia e o devolveu no dia seguinte a advogada Luciana Pires, que voltou ao Palácio do Planalto para pegar o documento, recebendo a orientação de que o protocolasse na Receita Federal. A participação da Abin, a partir daí, seguiria por meio desses relatórios, enviados a Flávio Bolsonaro, com orientações sobre o que a defesa deveria fazer.
A reportagem mostra que, em um dos relatórios, o que revela a finalidade de “defender FB no caso Alerj”, a Abin diz qual seria o caminho para cumprir com a missão. “Obtenção, via Serpro, de ‘apuração especial’, demonstrando acessos imotivados anteriores (arapongagem)”, diz trecho do documento.
O relatório fala em “estrutura criminosa” dentro da Receita e aponta servidores do órgão que fariam parte dela. “A dificuldade de obtenção da apuração especial (Tostes) e diretamente no Serpro é descabida porque a norma citada é interna da RFB da época do responsável pela instalação da atual estrutura criminosa — Everardo Maciel. Existe possibilidade de que os registros sejam ou já estejam sendo adulterados, agora que os envolvidos da RFB já sabem da linha que está sendo seguida”, diz o relatório, referindo-se a José Tostes Neto, chefe da Receita.
A Abin recomenda que, para “tratar o assunto FB e principalmente o interesse público”, seria necessário substituir servidores da Receita, sem entrar em detalhes sobre a questão. Outra sugestão para dar seguimento aos trabalhos trazida pelo órgão de inteligência envolveria a Controladoria-Geral da União (CGU), o Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) e a Advocacia-Geral da União (AGU).
“Com base na representação de FB protocolada na RFB (Tostes), CGU instaura sindicância para apurar os fatos no âmbito da Corregedoria e Inteligência da Receita Federal; Comissão de Sindicância requisita a Apuração Especial ao Serpro para instrução dos trabalhos. Em caso de recusa do Serpro (invocando sigilo profissional), CGU requisita judicialização da matéria pela AGU. (...) FB peticiona acesso à CGU aos autos da apuração especial, visando instruir Representação ao PGR Aras, ajuizamento de ação penal e defesa no processo que se defende no RJ”, recomenda o texto, resumindo qual é a estratégia: “Em resumo, ao invés da advogada ajuizar ação privada, será a União que assim o fará, através da AGU e CGU — ambos órgãos sob comando do Executivo”.
No primeiro documento, a Abin acusa outros dois servidores federais: o corregedor-geral da União, Gilberto Waller Júnior, e o corregedor da Receita, José Barros Neto.
“Existem fortes razões para crer que o atual CGU (Gilberto Waller Júnior) não executar(ia) seu dever de ofício, pois é PARTE do problema e tem laços com o Grupo, em especial os desmandos que deveria escrutinar no âmbito da Corregedoria (amizade e parceria com BARROS NETO)”, diz trecho citado na reportagem.
Neste ponto, a Abin sugere que o "01" - identificado na reportagem como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), embora seja a forma com que o chefe do Executivo se refira a Flávio, seu primeiro filho - simplesmente demita Waller Júnior. “Neste caso, basta ao 01 (Bolsonaro) comandar a troca de WALLER por outro CGU isento. Por exemplo, um ex-PF, de preferência um ex-corregedor da PF de sua confiança”.
Conforme a reportagem, em outro relatório, também enviado a Flávio e repassado por ele a sua advogada, a Abin dá orientações para uma “manobra tripla” pela qual seria possível conseguir os documentos que a defesa espera. “A dra. Juliet (provável referência à advogada Juliana Bierrenbach, também da defesa de Flávio) deve visitar o Tostes, tomar um cafezinho e informar que ajuizará a ação demandando o acesso agora exigido”, diz a primeira das três ações, chamadas pela Abin de “diversionária”.
Procurado pela reportagem, o GSI negou a existência dos documentos, mesmo informado que a autenticidade de ambos havia sido confirmada pela defesa de Flávio Bolsonaro, e manteve a versão de que não se envolveu no tema. A advogada Luciana Pires confirmou a autenticidade dos documentos e sua procedência da Abin, mas recusou-se a comentar seu conteúdo.
A Abin não respondeu aos questionamentos sobre a origem das acusações feitas nos relatórios nem se produziu mais documentos além dos dois obtidos pela coluna.
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