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Palmares é obrigada a apagar texto sobre Zumbi: 'Ameaça o patrimônio histórico-cultural'

Por Mari Leal

Palmares é obrigada a apagar texto sobre Zumbi: 'Ameaça o patrimônio histórico-cultural'
Foto: Reprodução / O Globo

A Justiça Federal determinou, nesta sexta-feira (31), a retirada imediata, do site da Fundação Cultural Palmares, do artigo intitulado “Então...Zumbi tinha escravos? Ainda bem!”, de Luiz Gustavo dos Santos Chrispino. A decisão atende a uma ação popular, a qual sugere que a publicação do texto, feita no dia 13 de maio, data oficial de assinatura da Lei Áurea, “ostentam o escopo de desqualificar a figura que dá nome à instituição constituída pela Lei nº 7.688/88 para promover e preservar valores históricos e culturais da influência negra no Brasil”. 


Na decisão, o juiz Renato Coelho Birelli destaca o art. 216 da Constituição Federal, o qual estabele dever de proteção do “patrimônio cultural” que se compõe de “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. 


Pondera ainda que a ação também considera o “direito da população negra, grupo essencial para a formação da sociedade brasileira, à sua identidade, ação e memória próprias” e aponta ao Poder Judiciário o papel de “guardião dos direitos fundamentais e dos direitos das minorias”, e de “garantidor de que a nossa república se constitua efetivamente em Estado Democrático de Direito e não numa tirania da maioria”. 


Justifica que “ não incumbe a este Juízo revisão acadêmica do texto em questão, nem estudo bibliográfico sobre os fatos históricos comprovados acerca da vida de Zumbi dos Palmares. É a universidade o foro adequado para conduzir pesquisas históricas para se averiguar onde Zumbi nasceu, como cresceu, se vivia conforme as tradições do reino dos jagas de Angola ou se teve participação na morte de Ganga Zumba e para validar as versões de sua vida trazidas pelas obras de Joel Rufino dos Santos, Décio Freitas, Jean Marcel Carvalho França, Ricardo Alexandre Ferreira e outros historiadores”.


Para Birelli, diante da questão, basta como “premissa fática” o reconhecimento do Quilombo dos Palmares e do seu líder Zumbi como símbolos da resistência negra ao domínio branco.


“Entendo, porém, que a publicação objeto de controvérsia, assim como os outros dois textos impugnados na Ação Popular nº. 1028357-89.2020.4.01.3400, possui questão juridicamente relevante, consistente na explícita desconsideração da raça, cultura e consciência pretas e que a Fundação Cultural Palmares, ao promover a sua divulgação em seu sítio institucional, adere ao posicionamento manifestado por seus autores”, acrescenta a decisão.


Sobre o produto objeto da medida cautelar, o juiz alega que  “o artigo de Chrispino se baseia nos ideais que Kimberle Crenshaw denomina de ‘daltonismo racial’ (racial colorblindness) e adverte quanto ao seus perigos. Para a referida autora, ao se fechar aos olhos às “cores” dos indivíduos, comunidades historicamente marginalizadas passam a ser vistas como beneficiários ilegítimos de discriminação reversa; o conceito de neutralidade de raças tende, portanto, a aprofundar ainda mais a desigualdade racial”. 


A decisão destaca ainda a ação da Fundação, enquanto órgão criado para assegurar e salvaguardar a cultura afro-brasileira. Diz Birelli: “Essa atuação institucional de desconsiderar a raça, cultura e consciência negras ameaça o patrimônio histórico-cultural brasileiro, tutelado pela lei de ação popular, e ofende o direito da comunidade negra à identidade, ação e memória próprias e a sua garantia a condições adequadas para a preservação, expressão e desenvolvimento de sua identidade”. 


Por isso, de acordo com o juiz,  a permanência do artigo questionado no sítio institucional da FCP ameaça o patrimônio histórico-cultural brasileiro e viola o direito à identidade, ação e memória da comunidade negra e a sua garantia a condições adequadas para a preservação, expressão e desenvolvimento de sua identidade.