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De Adele aos 'memes': Influencers alertam sobre gordofobia durante pandemia

Por Júnior Moreira Bordalo

De Adele aos 'memes': Influencers alertam sobre gordofobia durante pandemia
Montagem: Bahia Notícias

Após um hiato de quatro meses longe, a cantora Adele publicou uma foto nas suas redes sociais (veja aqui) com o objetivo de agradecer pelas felicitações por seu aniversário e para saudar os profissionais de saúde em tempos de coronavírus. Porém, o que chamou a atenção dos fãs e da imprensa foi o “novo corpo da artista”. Com cerca de 45 quilos a menos, a britânica ganhou mais de 2,5 milhões de seguidores após a postagem e imediatamente vários recados “elogiando” a mudança física surgiram na web, associando a imagem atual ao sinônimo de sucesso. “Agora ela está verdadeiramente linda”, “Nossa, a Adele está incrível” e “Olha só como você ficou maravilhosa” são alguns dos comentários depositados na publicação. Com isso, o combate à gordofobia voltou a ser pautado. 

 

De forma simplificada, gordofobia se caracteriza como uma situação de discriminação com um indivíduo por conta do seu peso e forma física. Apesar de não ser tipificado como um crime, já que não há uma legislação específica, atos gordofóbicos podem ser materializados em crimes contra a honra. Adele é uma das artistas mais aclamadas da história da música, com 15 Grammys , 120 milhões de discos vendidos, 18 Billboard Awards, um Oscar, cinco AMAs e um Globo de Ouro. Para se ter uma ideia, o álbum "21" foi o mais vendido no século XXI no Reino Unido, além de ser o mais vendido na história do ITunes. Porém, internautas associaram seu “sucesso” à magreza. 

 

O nutricionista e pós-graduado em comportamento alimentar Ricardo Durante fez uma publicação analisando a repercussão da foto da artista. “Por curiosidade, fui ver o post da cantora e tiveram mais comentários elogiando ela estar mais magra do que ‘Happy Birthday/Parabéns pelo seu dia!’. Mais uma vez, emagrecer acaba sendo mais importante do que um acontecimento celebrativo. ‘Ah, mas você não sabe se ela postou querendo ser congratulada pelo aniversário’. O ponto não é esse. O ponto aqui é entender que o emagrecimento acaba tendo mais prestígio do que qualquer outro acontecimento. Também tive a curiosidade de jogar no doctor Google a palavra-chave ‘Adele’, e as buscas mais procuradas tinham cunho estético”, escreveu nas redes sociais. Confira: 

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, ele reforçou a forma como a pressão estética age, passando a ideia de que a cantora só foi mais aceita a partir da mudança corporal. “É por conta do ‘padrão de beleza’ que está cada dia mais inatingível que as pessoas estão nessa busca desenfreada por esse corpo que dizem simbolizar prosperidade, poder, saúde, felicidade, bem-estar e por aí vai. Sendo que a gente sabe que não tem relação uma coisa com a outra”, criticou.  

 

Para o profissional de saúde, enquanto não houver um debate direto sobre a pressão estética, as pessoas irão continuar atrelando aceitação com corpo mais magro. “Quando alguém está buscando esse 'corpo do padrão de beleza', ela não está interessada na estética do corpo em si, é muito mais uma forma da pessoa usufruir do que aquele corpo pode trazer. Ou seja, é vendida uma ideia equivocada de que magreza é sinônimo de saúde e poder. Enquanto não entenderem isso, continuarão colocando a saúde em risco”, alertou. 

 

Para a jornalista e ativista gorda Naiana Ribeiro é fundamental reforçar que “beleza” não é sinônimo de “magreza”. “No caso de Adele, tem muita gente comentando ‘como ela está bonita agora que está mais magra’. Sendo que beleza é um conceito muito diverso e, na minha opinião, é algo que nunca esteve em falta. Antes ela era gorda e fora dos ‘padrões convencionados’”, argumentou. “Julgar uma pessoa como bonita só por ela estar mais magra é bem problemático e gordofóbico. A cantora também não falou sobre a mudança, mas é direito dela fazer o que quiser com o corpo”, lembrou.  

Naiana Ribeiro | Foto: Reprodução / Instagram

 

Como pontuado, Adele não se pronunciou sobre as motivações para a mudança estética, nem a respeito da repercussão da publicação, mas o seu personal trainer Pete Geracimo usou suas redes sociais, nesta quinta-feira (7), para lamentar as críticas direcionadas à cantora, e afirmou que a intenção nunca foi alcançar a magreza extrema. “É desanimador ler comentários negativos e acusações de gordofobia questionando a genuinidade da incrível perda de peso dela. (...) Quando Adele e eu começamos nossa jornada juntos, nunca se tratou de ficar super magro. Era sobre deixá-la saudável. Especialmente após a gravidez", defendeu-se.  

 

Contudo, Ricardo Durante reforçou que após a publicação muitas pessoas ativaram o gatilho de que “só vou ter valor quando for magra”. “Quanto mais difícil for esse padrão, menos pessoas serão contempladas. Se todo mundo conseguisse atingir, com certeza o padrão seria outro”, ponderou o nutricionista.  

 

MEMES NA QUARENTENA  

Os comentários na foto de Adele refletem a preocupação exacerbada com o peso. É um reflexo direto da gordofobia percebida também nos “memes” que se intensificaram na internet por conta do isolamento social recomendado como medida para conter o avanço do novo coronavírus.  A reprodução do preconceito vai de Ivete Sangalo dizendo que sua “pança não está obedecendo a quarentena, só fica saindo”  (veja aqui) até o forrozeiro Tico que fez uma música buscando alertar a população sobre os cuidados com a Covid-19, mas com versos mostrando que “não adianta comprar o mercado todo, pois você vai ficar gordo e também vai se acabar” (confira aqui).  

 

“Pra mim, o grande problema é o fato de muita gente estar reproduzindo memes - piadas, que não são nada engraçadas - que reforçam sempre que ninguém quer ser gordo e ninguém quer engordar. Essas imagens podem fazer com que muitas pessoas se sintam mal, estimulando e podendo acarretar em problemas de imagem não só para pessoas gordas, mas pra qualquer um. Porque são raríssimas aqueles que seguem o padrão considerado ideal, com o corpo de barriga negativa”, lembrou Naiana Ribeiro. 

 

A psicóloga e fundadora do Instituto Vita Alere, que trabalha na prevenção do suicídio, Karen Scavacini, alertou sobre os efeitos que estes memes podem causar nas pessoas. “É importante lembrar que estamos passando por um momento complicado, que já é estressante”, afirmou em entrevista à revista Claudia. Uma das questões levantadas pela especialista é que necessário entender que o problema não está na comida e, sim, na forma como se relacionam com ela. “Antes de compartilhar qualquer coisa na internet, existem algumas atitudes simples que podemos ter para garantir que o conteúdo não ofenderá ninguém – atos que podem evitar machucar o outro. Se colocar no lugar da pessoa e ter empatia é o mais importante. Pensar duas vezes se aquilo que vamos dizer pode afetar alguém”, reforçou. 

 

Buscando ressignificar alguns desses memes, o estilista e ativista gordo Caio Cal entrou na onda e criou sua versão do vídeo de alguém que simula ter engordado durante este período de pandemia. “O padrão de beleza é uma coisa que aprisiona e que gera infelicidade. Antigamente, eu daria tudo pra ter o shape desse cara, mas hoje aprendi que o corpo que tenho não é errado nem inferior. Ser gordo não é um demérito e não deveria ser motivo de piada”, escreveu. Assista: 

 

No Brasil, mais da metade da população, 55,7% tem excesso de peso, segundo pesquisa do Ministério da Saúde publicada em 2019.  Porém, de acordo com os mesmos dados, o consumo regular de frutas e hortaliças cresceu 15,5% entre 2008 e 2018, passando de 20% para 23,1%. A prática de atividade física no tempo livre também aumentou 25,7% (2009 a 2018), assim como o consumo de refrigerantes e bebidas açucaradas caiu 53,4% (de 2007 a 2018), entre os adultos das capitais. Ou seja, é preciso dissociar a ideia de ganho de peso com falta de hábitos saudáveis. Além disso, questões genéticas são primordiais na constituição corporal de um ser humano. 

 

O nutricionista Ricardo Durante explicou que como profissional de saúde é obrigatório zelar pela saúde dos pacientes e falar sobre gordofobia tem muito a ver com isso. “Alguns estudos mostram que o estigma do peso faz com que as pessoas muitas vezes não busquem o tratamento médico, pois ‘se uma pessoa gorda vai ao médico com uma unha encravada, provavelmente sairá de lá com o papo de que emagrece que passa”. Então, todos os problemas se concentram na questão da gordura. Isso não necessariamente é verdade. É importante pensar qual o impacto que a gordofobia tem na saúde de pessoas com sobrepeso e obesidade”, ponderou.  

 

COMBATE É DE TODOS 

Assim como os diversos problemas sociais do Brasil, a gordofobia é estrutural e, por isso, toda a sociedade precisa combatê-la. “Ninguém precisa ser gordo(a) para lutar contra esse preconceito. A primeira delas é buscando conhecimento. É preciso entender que, na nossa sociedade, existe um padrão de beleza considerado ideal e que ele é inalcançável. Muitas indústrias - a de beleza, a médica, a farmacêutica etc - lucram com a insatisfação corporal alheia. Não à toa, 96% da população ocidental feminina está insatisfeita com o corpo que tem, segundo dados da StrategyOnen”, lembrou a ativista Naiana. 

 

“Tenham empatia. Não use a característica física para identificar uma pessoa. Não presuma que uma pessoa gorda é alguém que tenta emagrecer e está fracassando. Entenda que ser gordo não tem nada a ver com ser preguiçoso. Evite frases como “você emagreceu e ficou bonito”. A beleza não está só na magreza e tem muita gente magra que não é saudável, assim como tem gente que perde peso por causa de distúrbios alimentares ou até mesmo depressão”, avaliou. 

 

Já em relação aos profissionais de saúde, Ricardo recomendou entender os danos que um entendimento gordofóbico pode causar na saúde das pessoas. “Claro que é uma questão muito enraizada, então é preciso de consciência e ser importante para ela também. Percebo que falar sobre isso, seja nas redes sociais ou com pacientes, é uma forma de conscientizar que a gordofobia é prejudicial para a saúde de todo mundo. Não só para quem sofre, pois isso acaba gerando uma atitude de auto-indulgência no magro. Ou seja, 'já que sou magro para que vou cuidar da minha alimentação? Vou continuar comendo coxinha, hamburguer etc todos os dias'. E quando vemos nos consultórios, muitas pessoas magras têm os exames completamente alterados. Corpo não é sinônimo de saúde”, finalizou.