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Clipes, cabelos, bronzeamentos: Redes sociais ampliam debate sobre apropriação cultural

Por Ailma Teixeira / Júnior Moreira Bordalo

Clipes, cabelos, bronzeamentos: Redes sociais ampliam debate sobre apropriação cultural
Fotos: Montagem BN

Semanas atrás, a dançarina Lorena Improta colocou tranças no cabelo. No início de julho, Anitta apareceu com cachos e frizz, além de um bronzeamento artificial, em mais um clipe. Daniela Mercury já fez blackface. Isso é recorrente com blogueiras, cantoras, atrizes. O que esses casos têm em comum? As críticas de apropriação cultural.

 

Tão comuns quanto os elogios ao “novo visual” das personalidades são os comentários que rechaçam a atitude de se “fantasiar de negra”, debate que volta e meia ganha destaque nas redes sociais. Então, a fim de ampliar essa conversa, o Bahia Notícias ouviu duas mulheres sobre o assunto. Alane Reis, jornalista e fundadora e editora da Revista Afirmativa, e Maíra Azevedo, também jornalista e influenciadora digital, mais conhecida como "Tia Má".

 

Integrante do Encontro com Fátima Bernardes, Maíra ganhou projeção nacional e hoje fala, entre outros assuntos, sobre comportamento, relacionamentos, feminismo e, é claro, racismo. Para ela, apropriação cultural não é simplesmente “o branco usar turbante, usar trança”, mas sim a ideia de que é possível se fantasiar de uma etnia sem compreender as implicações disso. “Apropriação cultural tem uma relação direta com o poder, é quando um povo apaga, inclusive, a contribuição do outro, é simplesmente quando alguém utiliza os elementos de uma outra raça como se fosse um penduricalho e, inclusive, não dar os devidos créditos. Apropriação cultural tem a ver com o aniquilamento de um povo", ressalta a influenciadora.

 

Sendo, então, um problema de cunho coletivo e não pessoal, ela destaca que a apropriação ocorre de maneira "muito mais perversa" quando, por exemplo, poucos sabem que Machado de Assis e Chiquinha Gonzaga foram, respectivamente, um escritor e uma maestrina negros.

 

Neste ponto, Maíra e Alane possuem visões parecidas. Certa de que as discussões nem sempre enriquecem o debate, a segunda propõe uma análise mais abrangente. Tomando aspectos da música negra como exemplo, ela pontua que cantores de ritmos como jazz, blues, samba, pagode e funk são marginalizados pela indústria enquanto os brancos que atuam nesses mesmos gêneros lucram com isso. "Na trajetória da diáspora, todas as músicas negras foram criminalizadas inicialmente, mas quando pessoas brancas compreenderam a qualidade dessa música e essa música se popularizou, quem mais passa a ganhar dinheiro com ela são os artistas brancos, a indústria branca", lamenta.

 

Para Alane, um exemplo é a cantora Daniela Mercury, acusada de apropriação cultural em ocasiões diversas, como no Carnaval de 2017, em que usou blackface, e no clipe da música “Pantera Negra Deusa”, que é protagonizado por ela junto a personalidades negras. “Daniela desponta e ganha dinheiro até hoje cantando que ‘a cor dessa cidade é ela’, uma música do Ilê Aiyê, e tem dezenas de compositores históricos do bloco desempregados e que passam necessidades das mais absurdas. Isso é fruto do racismo”, frisa a jornalista.

 

 

Uma das figuras presentes no clipe é justamente Maíra, que ressalta que não levanta um debate personalizado, centrado nos indivíduos. Ainda assim, ela não acha que a discussão é minimizada quando esses casos despontam. Pelo contrário, a influenciadora acredita que o tema é enriquecido, pois os exemplos possibilitam que mais pessoas conheçam a expressão e, a partir disso, seu significado e as formas como ela se manifesta.

 

Alane, por outro lado, afirma que isso em nada colabora. Na avaliação dela, é preciso fazer um debate mais sério com artistas e personalidades de todas as etnias. “Se nós acreditamos que podemos viver em uma sociedade mais igualitária, precisamos chamar os brancos para falar sobre racismo e apropriação cultural. Quando a gente faz isso de maneira individual, especialmente na internet, só serve para que as pessoas tragam seus ódios e indignação para dizer ‘olha como a Anitta é escrota’, defende.

 

AFROCONVENIÊNCIA DE ANITTA?

Constantemente vinculada a essa discussão, Anitta recebeu essas críticas pela última vez após o lançamento do clipe de “Muito Calor”, do porto-riquenho Ozuna. Os críticos apontam que a cantora utiliza de traços negróides e aspectos da cultura negra apenas quando “tem que subir o morro” e que em premiações importantes ou quando demonstra seu lado empresária e bem-sucedida ela opta por enaltecer seus aspectos “eurocêntricos”.

 

Em sua defesa, ela frisou que o único clipe seu em uma favela é o de “Vai, Malandra”, gravado no Morro do Vidigal (RJ), em 2017 – nos demais, ela atua como participação –, e explicou que a mudança definitiva no cabelo se deu após produtos usados na adolescência.

 

Mas o assunto não morreu aí. Nesta semana, a artista concedeu uma entrevista à revista Marie Claire e admitiu que o tema é complexo. Porém, por acreditar que a discussão só separa as pessoas e “não soma positividade nenhuma”, ela ressalta que não se importa com as críticas. “Tenho minha consciência muito tranquila, nunca me coloquei distante da minha realidade. Nunca fiz de mim uma caricatura do que sou”, defendeu, acrescentando que não se considera negra, mas que, diante da miscigenação no Brasil, não consegue dizer, na totalidade, qual a sua origem.

 

 

É neste contexto que Alane critica a chamada “afroconveniência”, usada por muitos até como sinônimo da apropriação cultural. Para ela, o termo parte da ótica de pessoas negras, sobretudo de pele clara, que têm a possibilidade de se “disfarçar ou embranquecer o seu fenótipo para sofrer menos com ação do racismo no dia a dia”. “É quando essas pessoas percebem que, por razões de visibilidade, fama, dinheiro, acesso a cotas e espaços de fala, podem se considerar negras. Então é o entendimento de momentos em que ser negro pode ser bom e ela se utiliza disso para falar enquanto negra. Porém, na sua vida ela nem sempre é percebida como tal”, pondera.

 

O termo é problemático por si só, já que não há um consenso sobre ele. Maíra, por exemplo, o descarta do seu vocabulário. Por compreender que não há vantagem em ser negro num país racista, ela prefere ignorar a terminologia. "Para mim, não é afroconveniência. É você ter a certeza do poder que você pode exercer e o seu poder é tão grande que você pode ser qualquer coisa", define. Em suas palavras, ter um avô branco não faz uma pessoa negra ser branca. Nem o contrário.