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Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância

Por Jade Coelho / Rafaela Souza

Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância
Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias

Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz.

 

Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular as pessoas a valorizarem a diversidade", explicou o advogado ao citar novelas e propagandas como exemplos.  "O poder público tem um papel não só repreensivo, não só depois que acontece a violência, mas preventivo para evitar que o discurso do ódio se propague e estimule as pessoas a violarem os direitos", completou o doutor em Direito Constitucional.

 

Para a coordenadora do Gedhdis, a intolerância religiosa é uma consequência da ignorância sobre outras religiões. “Traz também esse ódio do estranho, do que é desconhecido, e traz também o desejo de fazer imperar a sua verdade, quando a sua verdade não é absoluta, nem em termos de fé. Precisamos respeitar a fé do outro também”, argumentou Lívia Vaz.

 

O número de denúncias de intolerâncias contabilizadas na Bahia neste ano representa mais que o dobro da média mensal de 2018, fato que, no entendimento da promotora Lívia Vaz, não se restringe somente ao estado e resulta de um momento pelo qual o país inteiro passa, em que há legitimação do discurso de ódio, inclusive por parte de agentes que deveriam combatê-lo. "Isso é um retrato do momento sociopolítico ideológico que estamos vivenciando, em que as pessoas têm se sentido legitimadas, a partir até de um discurso do poder público instituído, que é um discurso que em muita medida viola o estado laico", ponderou a promotora, que ressaltou ainda a importâncias do acesso à informação como ferramenta de empoderamento e fortalecimento para os alvos de intolerância. “Quando o cidadão sabe como e onde registrar [a denúncia], ele consegue acessar e gozar dos seus direitos fundamentais garantidos na lei”, completou.

Nivaldo Conceição é sacerdote do terreiro Ilê Axé Obá Atin Inã | Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias

O sacerdote do terreiro Ilê Axé Obá Atin Inã, Nivaldo Conceição, comparou o momento de intolerância vivenciado no país ao “efeito dominó”: “quando se destrói uma casa de candomblé, se fecha um terreiro ou uma pessoa de religião [de matriz africana] é agredida, todos nós somos agredidos juntos, é como uma página de uma história incinerada”.  A união entre os adeptos das religiões foi defendida pelo sacerdote, que acredita também na importâncias da educação como ferramenta de combate violência. “Hoje a gente pode mudar a história através das escolas”, finalizou.

 

Líderes religiosos e autoridades se reuniram nesta sexta-feira (25), em meio à Semana Afirmativa da Liberdade Religiosa, na terceira edição do Seminário sobre Intolerância Religiosa e Estado Laico, realizo pelo MP-BA, a fim de levantar questões acerca da diversidade e racismo religioso. Durante o debate a educação foi um ponto comum defendido pelos presentes.

Mesa de abertura do III Seminário sobre Intolerância Religiosa e Estado Laico do MP-BA | Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias

Segundo Hédio Silva, a educação é fundamental para enfrentar o discurso do ódio. Entretanto, o advogado criticou a predominância de uma determinada religião no ensino. “O problema não é exatamente no ensino religioso, mas na forma que o ensino é ministrado. O problema é quando a disciplina é calcada no discurso de desqualificação de outra religião”, destacou.

 

Lívia Vaz também fez críticas ao que chamou de “sistema educacional cristocêntrico”.  “A verdade é que o ensino religioso deveria ser um ensino de matriz sociológica, para que as pessoas tenham na sua formação conhecimento da existência das outras religiões, do que são, da sua origem, seu sagrado, seus dogmas, porque através do conhecimento é que você consegue exercitar a alteridade”, sugeriu.

 

‘MUITO EXPLORADA E POUCO FOMENTADA’

A cultura das religiões afro-brasileiras são usados como vitrine pelo Governo da Bahia. Mas o sacerdote do terreiro Ilê Axé Obá Atin Inã, Nivaldo Conceição, acusa o poder público baiano de explorar as religiões de matriz africana sem nenhum tipo de fomento. “O Estado é falho conosco, usa nossos símbolos como propaganda, a nossa imagem ligada a isso e o Estado cruza os braços”, disse ao acusar o Executivo.  

 

“O governo deveria defender tudo aquilo que se faz Bahia, quando o turista vem conhecer o estado a imagem que tem lá fora é uma baiana com um tabuleiro de acarajé e fitinha do Bonfim amarrada no braço. Eles usam isso como propaganda, o estado deveria proteger isso fielmente, porque isso influencia na economia da Bahia”.

 

Uma das possibilidades de fomentar a cultura das religiões afro-brasileiras, na visão do sacerdote, é a criação de cursos de capacitação para os integrantes dos terreiros. “É preciso aproveitar esse espaço religioso e transformá-lo em um espaço de educação, para que tenhamos cursos e que possamos proporcionar uma formação para que o nosso povo tenha como sobreviver”, sugeriu ao falar da dificuldade enfrentada no mercado de trabalho.

 

Além da criação de cursos, Nivaldo defende a criação de uma estrutura onde o povo de santo possa produzir, expor e comercializar produtos fabricados por eles. “Um espaço cultural para que essas pessoas possam vender seus produtos. Não o Mercado Modelo, que é para turistas, mas uma coisa permanente, com algo feito com a mão-de-obra do terreiro. O governo deveria estar à frente disso”, explicou.

 

A secretária de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Fabya Reis, garantiu que o Executivo estadual faz “o seu melhor” na defesa dos interesses da população negra: “como a dívida histórica é muito grande, e dentro das possibilidades e dos recursos que nós temos à nossa disposição, estamos fazendo o nosso melhor, com responsabilidade, dentro da legislação, mas tem sido um trabalho proveitoso”.

 

‘O ESTADO AGRIDE A GENTE’

As abordagens da Polícia Militar e a falta punição no cumprimento das leis foram alvo de críticas pelo pai Raimundo de Xangô, do Centro Umbandista Paz e Justiça. O umbandista relembrou a invasão do Terreiro Ilê Axé Torrun Gunan, em Fazenda Coutos, quando policiais militares das Rondas Especiais (Rondesp) e do Pelotão Especial (Peto) chegaram à procura de supostos traficantes que teriam se escondido no local. Na época, membros do terreiro relataram que os policiais invadiram o espaço, atiraram contra a casa, entraram em um quarto considerado sagrado e ainda prenderam um ogã do terreiro sob a acusação de desacato policial. 

Pai Raimundo de Xangô do Centro Ubandista Paz e Justiça | Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias

“O pior de tudo é quando o próprio Estado agride a gente, no caso a Polícia Militar que invadiu o terreiro dando tiro. A gente fica com o coração sangrando”, lamentou o pai de santo. “A gente se sente inseguro”, completou, ao reivindicar um maior preparo das forças de segurança do Estado.