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CAPS ainda enfrentam estigma e precarização do trabalho nos atendimentos pela Bahia, apontam pesquisadoras da Uefs

Por Ronne Oliveira

Imagem do mapa da Bahia sobreposta em um CAPS no bairro IAPI de modo ilustrativo
Foto montagem: Ronne Oliveira / Bahia Notícias

No mês dedicado à prevenção do suicídio e à conscientização sobre saúde mental, pesquisadoras da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) relatam ao Bahia Notícias (BN) a luta enfrentada pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no interior da Bahia. Apesar de sua importância crucial para o tratamento de transtornos mentais, essas unidades ainda enfrentam desafios como o estigma social, movimentos políticos irresponsáveis e a necessidade de melhora em recursos.

 

Em entrevista ao BN, as especialistas enfatizam o papel da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), núcleo que integra os CAPS, oferece cuidados essenciais à população, mas enfrenta desafios estruturais e financeiros.

 

"A RAPS é a porta de entrada para um sistema amplo e fundamental de saúde, principalmente no interior. Ela oferece assistência em diversos níveis de complexidade, com serviços que incluem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Residências Terapêuticas e unidades de acolhimento", explica Iandra Ferreira, enfermeira e pesquisadora da Uefs.

 

Já a pesquisadora Sinara Souza, líder em pesquisa, complementa que as desigualdades são evidentes no acesso aos serviços de saúde mental nas cidades baianas. "Cada município vive essa realidade de forma única. Enquanto cidades como Feira de Santana possuem uma rede mais estruturada, os municípios menores enfrentam desafios ainda mais profundos", destaca Sinara.

 

Segundo dados do Observatório de Saúde Pública (OPS), em 2024, a Bahia registrou mais de mil internações por depressão, evidenciando a crescente demanda por cuidados especializados. No entanto, a precarização das condições de trabalho nos CAPS é um obstáculo direto para a eficácia do atendimento.

 

Veja mapa com dados sobre depressão no estado nos últimos anos:

 

 

"A precarização dos vínculos profissionais, com salários baixos e atrasos nos pagamentos, gera desmotivação, o que reflete negativamente no atendimento. Para garantir um cuidado adequado, é essencial que os profissionais também se sintam acolhidos pelo sistema", critica Sinara Souza.

 

Ainda é necessário observar o interior de 'modo amplo', não estamos falando de um estado pequeno com circunstâncias iguais. A especialista em enfermagem Iandra alerta que as realidades mudam muito, e os dados do OPS mostram isso.

 

Ao analisar a taxa de mortes por 100 mil habitantes, é possível observar que municípios de pequeno porte aparecem em altas classificações, sendo as lideranças na Bahia: Ibicaraí com 15, Morpará com 12,5, Pau Brasil 10,9. Logo atrás vêm Rodelas com 10,8, Itapebi com 10,3 e Mulungu do Morro com 10.

 

Em comparação, cidades grandes como Feira de Santana (0,7), Salvador (0,5) e Vitória da Conquista (0,6) têm taxas mais baixas. Embora de fato, haja mais unidades de saúde e, em números absolutos, mais casos nestes locais, não se pode simplesmente compará-los com os municípios menores, é o que as pesquisadoras salientam.

 

Veja em comparação:

 

 

"Os pequenos municípios, na verdade, em sua grande maioria, se agrupam para prestar o serviço e manter esse cuidado. Eu trabalhei em um local onde ele era mantido por três municípios, por meio de um consórcio. O financiamento é muito pouco, não é todo município que consegue manter um equipamento como esse, uma equipe multidimensional. Uma demanda gigantesca, o subfinanciamento de uma política cada vez mais urgente", explica a estudiosa de mestrado Iandra.

 

A doutora Sinara Souza complementa, alertando para os riscos de eleger pessoas incapazes de defender os interesses de bem-estar público, como já ocorreu no interior baiano.

 

"Quando falamos de consórcios, não podemos deixar de pontuar que existem questões políticas. Infelizmente, nem sempre os gestores entendem isso como sendo a melhor via. A gente [os baianos] tem muito ainda uma influência político-partidária que demonstra os serviços vigentes por conta dos conchavos de seu grupo. Como aconteceu em Riachão do Jacuípe, com o desmonte do CAPS Itinerante. Com a virada política, o prefeito removeu os recursos e demitiu o enfermeiro", alerta a doutora.

 

O caso do CAPS Itinerante marcou a política de Riachão de Jacuípe, na região metropolitana de Feira, um município que, segundo o Censo do IBGE de 2022, tinha 33 mil habitantes, sendo que 15 mil, ou seja, quase metade dos habitantes, viviam em área rural, sem acesso adequado a equipamentos de saúde.

 

O projeto criado por um enfermeiro da Uefs era simples: levar uma unidade móvel do CAPS e prestar atendimentos justamente para essa população. A ideia foi elogiada pela comunidade acadêmica, além de elogiada pelo Conselho Regional de Enfermagem (Coren-BA), justamente por mostrar a importância do apoio psicossocial nas partes mais remotas da Bahia.

 

O problema é que, com as últimas eleições municipais, o projeto local perdeu as principais lideranças e decaiu na qualidade do serviço. Mais uma vez, a política teria afetado uma boa ideia de desempenho da saúde, como alerta a professora:

 

"Ainda corremos esse risco de políticos desmontarem bons trabalhos, tirarem recursos e, às vezes, colocarem pessoas para trabalhar que não são especialistas da área", avisa a doutora.

 

Vale salientar que em junho deste ano, a Bahia contava com 281 CAPS, sendo 18 unidades voltadas para o tratamento de dependência de álcool e outras drogas, 12 para crianças e adolescentes e 205 para municípios com até 15 mil habitantes.

 

No entanto, a rede ainda enfrenta limitações significativas, como a ausência de unidades de acolhimento para adultos e a falta de unidades CAPS III, que oferecem atendimento 24 horas.

 

‘CAPS NÃO É MEME’
Outro ponto crítico é o estigma que ainda cerca os usuários do sistema. "A sociedade precisa entender a importância da atenção à saúde mental, especialmente no interior baiano. Existe uma violência simbólica contra aqueles que frequentam os CAPS, o que dificulta a aceitação e o acolhimento adequado dessas pessoas", ressalta Sinara Souza.

 

Unidades localizadas em Feira de Santana chegaram a criar uma campanha de conscientização sobre a importância dos CAPS. A professora alerta que ainda há um desconhecimento claro sobre como os usuários do CAPS precisam ser vistos como cidadãos que merecem atendimento além destas unidades.

 

Imagem da unidade em Feira de Santana Foto: Reprodução / Ed Santos / Acorda Cidade

 

"As redes sociais têm muitos memes que se referem ao CAPS de uma forma irônica, o que a gente entende que na realidade é uma violência. Ainda falando dos gargalos da saúde mental, essa campanha tem relevância e o usuário do CAPS é um serviço de saúde. Às vezes eles não conseguem usar os serviços de saúde. Se o indivíduo tem transtorno mental, hipertensão e diabete, ele tem que ser atendido nas unidades de atenção básica", alerta a pesquisadora.

 

Além dos CAPS, a Bahia conta com os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), casas destinadas a pessoas com transtornos mentais que passaram longos períodos internadas em hospitais psiquiátricos. No estado, há 5 unidades SRT I e 12 unidades SRT II, ainda insuficientes para atender a demanda.

 

Esses dados apontam para uma estrutura relevante, mas com lacunas críticas que precisam ser resolvidas para garantir um atendimento mais eficaz e humano à população em sofrimento psíquico, especialmente em tempos de aumento dos casos de transtornos mentais, como a depressão. O setembro amarelo reforça, mais uma vez, a urgência de um cuidado digno e acessível para todos.